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Cinema

Nem Joaquin Phoenix salva ‘Beau Tem Medo’, que não sabe o que fazer

Interpretação de Phoenix fica desamparada em meio a elementos soltos que não conseguem formar um conjunto

FolhaPress

20/04/2023 10h03

Foto: Divulgação

Inácio Araújo

“Beau Tem Medo” é um filme cheio de ideias. A primeira delas por ordem de entrada não é tão original, mas tem sua graça.

Beau, vivido por Joaquin Phoenix, está no consultório do seu psiquiatra, dublê de analista. Este lhe pergunta sobre a visita que fará hoje à tarde à sua mãe. Beau esboça uma resposta do tipo “hoje eu tive um sonho”. O psicólogo corta sua palavra: “Não vamos nos dispersar!”.

A ideia é clara: mais de 110 anos depois da visita de Freud e discípulos aos EUA, está claro que a psicanálise não deu certo daqueles lados. Ou: onde já se viu algum analista no mundo cortar alguém que pretende narrar um sonho para “não dispersar” ou algo assim?

Não é de espantar que Beau esteja no estado miserável em que está.

Em seguida, outra boa ideia: Beau é jogado num mundo talvez absurdo. Ali, um adolescente aponta seu celular para um arranha-céu de onde um homem ameaça se jogar. Beau pergunta o que as pessoas fazem ali. O rapaz responde: “Estamos tentando fazer ele se jogar de lá”.

Em seguida, Beau chega à sua vizinhança, onde pessoas correm enlouquecidas, esfaqueiam gente, atiram à toa, invadem casas, apedrejam prédios etc. Em síntese, um mundo absurdo, desenhado à perfeição a sobrevivência dos mais fortes. Um mundo nem tão diferente do nosso, já se vê.

Mas, assim como abandonou a primeira ideia ?a psicanálise?, o diretor Ari Aster deixa de lado a segunda, a de um mundo que não faz sentido e no qual, aliás, Beau acaba atropelado numa de suas inúmeras fugas ?fugir é o que sabe fazer.

Desperta em um outro mundo, limpo, arrumado, acolhedor. Ali estão as pessoas que o resgataram: uma mulher às voltas com mercado de capitais e um médico habilíssimo, que o operou e o salvou.

Olhamos para a cara do médico. Não, algo está errado. Logo saberemos. As paredes da sala são cobertas por fotos do filho, morto na invasão à Venezuela [sic]. Uma filha aparece e acusa Beau de roubar-lhe o quarto. Há um maluco que mora ao lado, enlouqueceu na guerra na Venezuela. Pode soltar bombas, atacar alguém, dar tiros. Era amigo do filho. Agora é protegido da família.

Ou seja, estamos na loucura da guerra. O tema é menos vasto do que o anterior, não diz respeito a todos nós, mas, em particular, aos americanos e seu pendor para as guerras ?e esquizofrenias conexas.

Logo Aster também abandonará essa ideia, mas a penosa jornada de Beau prosseguirá. Haverá uma floresta onde se perde, uma estranha comunidade hippie que o acolhe, um teatro onde a rigor o drama de Beau é representado para si mesmo. Outra ideia simpática surge no meio disso: a mistura, em dado momento, entre animação e figuras humanas.

Também isso passa. Vamos em frente. Para não estragar o desprazer das surpresas que o filme ainda pode proporcionar, vamos resumir as coisas assim: Beau é judeu, Wasserman é seu sobrenome. Como tal, tem uma mãe judia, “iidishe mame”, como se diz.

Pode-se, portanto, resumir o que vem com o “mot d?esprit” judaico. A pergunta é: qual a diferença entre uma mãe italiana e uma mãe judia? A mãe italiana diz ao filho: “Se você não comer, eu te mato”. A mãe judia, ao contrário, diz: “Se você não comer, eu me mato”. Ou seja, a ideia é que a mãe judia, em seu infinito amor, trocaria a ameaça física por uma incontornável chantagem emocional.

Esse rápido e inspirado diálogo resume, em todo caso, o espírito do interminável ?a duração é de três horas?, por vezes simpático e sempre estéril desse “Beau Tem Medo”, que confirma a tendência de Aster a ter ideias interessantes, à vezes originais ?por exemplo, o terror diurno de “Midsommar”? e a não saber muito bem o que fazer com elas.

E Joaquin Phoenix? Não ajuda? Ele é um ótimo ator, afinal.

Aí está o problema: Phoenix é magistral, mas de um modo específico. É o sujeito que se entrega e dá tudo pelo papel que está fazendo. Se o papel lhe retribui, se é tão bom ?ou quase? quanto ele, Phoenix empurra o filme para cima com sua arte.

Quando isso não acontece, fica uma interpretação solta no ar, desamparada como Beau, e como aliás uma série de outros elementos apreciáveis no filme, mas que não conseguem formar um conjunto.

BEAU TEM MEDO
Avaliação Ruim
Onde Nos cinemas
Classificação 18 anos
Elenco Joaquin Phoenix, Parker Posey, Nathan Lane
Produção Estados Unidos, 2023
Direção Ari Aster

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