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Cinema

Imagens raras da gravação de 1974 trazem Elis Regina e Tom Jobim de volta à vida

O documentário utiliza material original filmado em 16 mm durante as sessões de gravação em Los Angeles na época

Redação Jornal de Brasília

22/06/2023 10h11

Foto: Reprodução

Quando foi anunciado o documentário “Get Back” de Peter Jackson sobre os Beatles em 2021, alguns especialistas e fãs expressaram ceticismo. No entanto, todas as dúvidas desapareceram quando a relevância dos episódios se tornou evidente. Agora, algo semelhante pode acontecer com outro produto relacionado ao álbum “Elis & Tom” de 1974. Apresentado no festival In-Edit, “Elis e Tom, Só Tinha de Ser com Você” possui uma força equivalente, para a música brasileira, ao filme que revelou os bastidores de “Let It Be”.

O documentário, dirigido por Roberto de Oliveira e Jon Tob Azulay, utiliza material original filmado em 16 mm durante as sessões de gravação em Los Angeles na época. Ele mostra a gradual e oscilante aproximação entre dois artistas de personalidades opostas. Tom afirma: “Só se pode copiar a quem se ama”, citando Stravinsky, ao revelar sua conexão profunda com Villa-Lobos e Ary Barroso. O compositor carioca clássico está profundamente enraizado na sonoridade de Jobim, enquanto o sambista mineiro define uma ideia de canção que, além da bossa nova, sempre seria perseguida por Tom.

O documentário captura momentos emocionantes durante as pausas nas gravações, como Jobim tocando violão e cantando pérolas do repertório de Ary, como “Caco Velho” e “Na Batucada da Vida”. Jobim, pianista por formação, revela sua personalidade como violonista, encontrando sem hesitação os acordes necessários com sua mão esquerda, enquanto sua mão direita executa uma batida própria, reinterpretando o estilo de João Gilberto.

Depoimentos de pessoas envolvidas direta ou indiretamente no projeto são entrelaçados com trechos musicais densos e delicados, deixando evidente a preferência, especialmente de Elis, pelas canções mais dramáticas de Jobim. André Midani, então presidente da gravadora Philips e a quem o documentário é dedicado, resume sem idealizações as complexidades humanas e artísticas geradas pelo encontro.

“Elis e Tom” é um álbum de Elis ou de Tom? Inicialmente, seria um álbum de Elis e sua banda, interpretando composições de Jobim e contando com a participação do compositor. No entanto, tornou-se também um projeto liderado pelo próprio Tom, que teve 14 de suas canções interpretadas pela cantora mais importante do país. Os 18 dias em que o pianista César Camargo Mariano, então casado com Elis, trabalhou nos arranjos em diálogo com Jobim foram tensos e desafiadores, levando Elis a arrumar as malas para voltar ao Brasil. No entanto, a gravação finalmente se concretizou.

O filme retrata a gradual e cativante aproximação entre a cantora e o compositor, que se intensifica com o tempo. Elis não era apenas uma voz com facetas “trágicas” e “leves”, como descrito pelo crítico Jon Pareles, nem alguém com “densidade, empolgação e sentimento profundo”, nas palavras de Wayne Shorter. Ela também estava acompanhada por um grupo de músicos extraordinários e harmoniosos, incluindo Hélio Delmiro na guitarra, Oscar Castro Neves no violão, Luizão Maia no baixo, Paulo Braga na bateria e o próprio César Camargo Mariano no piano acústico, elétrico e arranjos.

Nessa época, Jobim era um dos nomes centrais e mais requisitados da música popular mundial. O álbum que ele dividiu com Frank Sinatra em 1967 foi o único do cantor dedicado a um único compositor. No entanto, segundo Nelson Motta, Tom vivia um período de grande amargura.

A cada vez que o espetacular som do álbum emerge no documentário, ele predomina sobre qualquer outro elemento cinematográfico. A música se impõe. Tom aprimora tudo com sua gentileza sonora, que é genuinamente brasileira sem ser nacionalista, moderna e internacional, mas sem nunca sacrificar a segurança das raízes. A exuberância de Elis está totalmente dedicada à arte em si e por si mesma.

A única ressalva em relação ao documentário é a tentativa um tanto apressada no final do roteiro de estabelecer uma conexão entre o álbum de 1974 e o início do esgotamento artístico de Elis, vinculando-o ao processo que culminaria em sua trágica morte oito anos depois. No entanto, o documentário revela sem rodeios o verdadeiro autossabotamento de sua carreira internacional.

A cena de Elis Regina gravando “Modinha”, com o rosto de Tom Jobim surgindo ao final, irradiando um brilho tranquilo e olhando para o além, revela a profundidade artística alcançada por esses músicos brasileiros.

É evidente que eles têm plena consciência do que estão fazendo. A sensação é que o filme registra um presente expandido, tão amplo que se torna uma parte integrante de tudo o que está por vir.

ELIS E TOM, SÓ TINHA DE SER COM VOCÊ
Avaliação Muito bom
Direção Roberto de Oliveira e Jon Tob Azulay

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