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Economia

BC propõe uso de mesmo imóvel como garantia para vários empréstimos

Esse tipo de empréstimo é comum em vários países, mas no Brasil o imóvel quitado só pode garantir uma única operação

Redação Jornal de Brasília

18/02/2020 12h55

Brasília – Edifício-sede do Banco Central do Brasil (Wilson Dias/Agência Brasil)

O Banco Central prepara uma proposta de mudança na legislação para permitir que um mesmo imóvel seja dado em garantia em mais de um financiamento, por instituições financeiras diferentes e prazos diversos. A taxa de juros desse empréstimos deve ser, inclusive, mais barata que a do crédito consignado, no qual a garantia é o salário do trabalhador.

Esse tipo de empréstimo é comum em vários países, mas no Brasil o imóvel quitado só pode garantir uma única operação. Ainda assim, essa modalidade de crédito, chamada pelos bancos de “home equity”, é de difícil acesso e o estoque de concessão não passa de R$ 10 bilhões.

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o diretor de regulação do Banco Central, Otávio Damaso, antecipa pela primeira vez os planos da instituição para viabilizar a garantia “guarda-chuva”, como está sendo apelidada, com uso do imóvel.

Segundo ele, o avanço dessa modalidade faz parte da agenda do BC que pretende fomentar o crédito imobiliário no atual cenário de juros, que estão em patamares historicamente baixos. Por trás dessa estratégia, está a necessidade de dinamizar a atividade econômica ainda em lenta recuperação.

“O cenário macroeconômico não poderia ser mais propício para isso”, afirma.

Pelos cálculos do BC, a nova modalidade tem potencial de elevar o volume de concessões e reduzir as taxas de juros no mercado de crédito. Em um cenário conservador, o BC estima que um valor bruto de R$ 500 bilhões pode ser injetado no setor no longo prazo.

“É um uso eficiente de garantia que o brasileiro aciona pouco”, diz Damaso. Ele explica que, como a garantia é real, o financiamento é mais barato. “Ele se equipara, em muitos casos, ao financiamento imobiliário”, ressalta o diretor. O crédito imobiliário tem os prazos mais longos e os juros mais baratos do mercado.

Damaso explica que, com a garantia “guarda-chuva”, haverá mais competição entre as instituições pela concessão do financiamento Hoje, essa garantia é dada somente ao banco que fez o primeiro financiamento. Se o cliente tiver interesse em ampliar o crédito com base na garantia do seu imóvel, o banco que deu o empréstimo tem mais poder para negociar a nova taxa.

Para viabilizar a ampliação do “home equity” no Brasil, o BC terá que fazer uma mudança na alienação fiduciária com garantia. Hoje, a legislação da alienação fiduciária não permite a garantia em mais de uma operação.

Desafio

Para Damaso, o desafio para o BC é fazer com que essa garantia possa servir para várias instituições financeiras. É como se o imóvel fosse fatiado em várias operações. Em vez de uma única dívida, serão várias delas, atreladas à mesma garantia.

Esse tipo de crédito é muito popular em outros países, onde existe a figura da segunda, da terceira hipoteca. Nesses casos, o proprietário não transfere a propriedade do imóvel para quem concedeu o crédito e pode pegar vários empréstimos com a mesma garantia. No caso brasileiro de alienação fiduciária, a figura jurídica é um pouco diferente da hipoteca. A dificuldade é permitir que essa propriedade transferida seja compartilhada com mais instituições financeiras e com segurança, para os casos e inadimplência.

“Estamos construindo o arcabouço jurídico para que se possa fazer essa primeira, segunda e terceira alienação com instituições diferentes”, diz.

No fim do ano passado, o BC já fez ajustes na legislação do “home equity” para facilitar a avaliação dos imóveis dados como garantia, sem a necessidade de vistoria de um perito.

O diretor explicou que hoje as instituições que oferecem crédito, entre elas as fintechs (startups do sistema financeiro que estão em fase de expansão para concorrer com bancos), têm feito acompanhamento efetivo das transações imobiliárias e montam bancos de dados que permitem avaliar com precisão o valor efetivo do imóvel. Incrementar esse tipo de crédito é prioridade para o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que repete em todos os seus discursos a importância desse crédito para ativar a retomada da economia.

‘Falar em qualquer tipo de bolha é irresponsabilidade’

O diretor de regulação do Banco Central, Otavio Damaso, se antecipa à critica e diz que é irresponsabilidade falar em risco de bolha no crédito imobiliário no Brasil com os ajustes que a instituição está fazendo para popularizar o “home equity”, modalidade de crédito com garantia de imóvel.

Essa mudança na regulamentação não pode gerar uma bolha imobiliária, como ocorreu nos Estados Unidos com o subprime?

Essa discussão é totalmente exagerada. É só olhar os números do mercado brasileiro. Temos hoje aqui no Brasil uma relação dívida imobiliária/PIB da ordem de 10%. Quando se olha para um país emergente parecido com o Brasil, essa relação é de 25% a 30%. Nos países avançados, a relação é de 50% e, em alguns casos, chega a 100%. O grau de alavancagem em cima do imóvel aqui no Brasil é muito baixo. Temos um espaço para crescer muito grande

De que forma?

O nível da dívida versus o valor do imóvel no sistema financeiro brasileiro é muito baixo. O saldo está na ordem de 40% a 60%. Isso representa todos os financiamentos imobiliários versus o valor do imóvel. Se tiver que executar aquela dívida, vai vender o imóvel por R$ 100 para pagar uma dívida de R$ 40. É um nível muito baixo.

O que significa o nível baixo?

As instituições financeiras, na hora da concessão do crédito, geralmente concedem financiamento imobiliário com folga razoável Provavelmente, se uma pessoa pegar um financiamento imobiliário, a instituição vai dar, no máximo, 70% do valor do imóvel. Dificilmente vai financiar 100%. Se o banco tiver algum problema, tem uma folga muito grande para administrar.

Por que isso é importante?

No Brasil, o imóvel financiado é para a casa própria. Raramente a pessoa está alavancando em cima disso. O “home equity” tem um volume muito pequeno. Fizemos um levantamento no ano passado, e estava na ordem de R$ 10 bilhões.

Esse volume inclui as operações das novas fintechs, que já estão oferecendo esse produto?

Sim, é muito baixo para um mercado de crédito da ordem R$ 3,5 trilhões e para um volume de valor de estoque de imóveis de R$ 12 trilhões.

Esse crédito será mais barato que o consignado?

Sim. Para se ter uma ideia, ele se equipara em muitos casos ao financiamento imobiliário, que eu tenho visto entre 7% e 9% ao ano. Combina tudo isso: volume de crédito imobiliário pequeno, nível da dívida versus o valor do imóvel com folga, um estoque de imóveis quitados nas capitais e um volume irrisório de “home equity”. Falar em qualquer tipo de bolha é irresponsabilidade. Não existe isso.

Os bancos têm interesse?

Sim. Estão se estruturando para avançar nesse tipo de crédito.

Mesmo com a regra atual, é difícil fazer um financiamento home equity no Brasil?

O papel do BC é criar as condições para as operações serem realizadas com segurança jurídica e prudenciais. As fintechs têm atuado em mercados e segmentos antes não explorados. Isso acaba chamando a atenção dos bancos tradicionais. Na pratica, o que vimos é que essa operação de “home equity” não era uma operação popular, por alguns problemas e por uma questão cultural. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

 

Estadão Conteúdo

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