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Economia Local

Reforma tributária do governo prevê imposto federal sobre consumo

O roteiro traçado pelo ministério prevê o envio da reforma ao Congresso em quatro etapas, que devem se estender até meados de 2020

Lindauro Gomes

18/11/2019 9h58

Sala de comissões do Senado Federal durante audiência pública realizada pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) para instrução do Projeto de Resolução 01/2013, que trata da fixação de alíquotas de ICMS nas operações e prestações interestaduais. Em pronunciamento, coordenador dos Secretários Estaduais do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), José Barroso Tostes Neto. Foto: Pedro França/Agência Senado.

Depois de reformular a sua proposta, abandonando a ideia de criar uma nova CPMF, rejeitada pelo presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Economia fechou, enfim, um novo pacote de medidas para mudar o complexo sistema tributário do País. 

Na primeira fase, a ser deflagrada ainda em novembro, o governo deverá enviar ao Legislativo um projeto de lei que unifica o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento de Seguridade Social), incidentes sobre produtos e serviços. Na segunda fase, prevista para o início do ano, o plano é encaminhar a mudança no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que deverá se tornar um tributo seletivo aplicado a bens como cigarros, bebidas e veículos.

A terceira fase, a ser enviada até o fim do primeiro trimestre, vai se concentrar no Imposto de Renda de pessoas físicas, incluindo o aumento da faixa de isenção e a criação de novo alíquota para os mais ricos, e jurídicas. A última etapa, em meados do ano que vem, será dedicada à desoneração da folha de salários das empresas.

“A nossa ideia é não demorar entre uma fase e outra para enviar ao Congresso”, diz o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto.

Em sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo, há pouco mais de um mês, no lugar do economista Marcos Cintra, defenestrado por defender um imposto nos moldes da antiga CPMF, Tostes, de 62 anos, afirmou ao Estado que a proposta do governo é “totalmente aderente” aos projetos de reforma tributária em tramitação no Congresso.

Segundo ele, a diretriz do ministro Paulo Guedes diante da crise fiscal é manter a carga tributária atual, na faixa de 35% do Produto Interno Bruto (PIB). No futuro, afirma o secretário, com o crescimento da economia, a meta é reduzir o peso dos impostos sobre os cidadãos e as empresas.

Para impedir que a carga tributária aumente ou diminua, o governo vai propor um sistema automático de calibragem, que funcionará como uma balança, a ser desencadeado anualmente. Se a carga aumentar, a alíquota será reduzida, e vice-versa.

O tributo resultante da fusão do PIS e da Confins terá alíquota de 11% a 12% e receberá o nome de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Seguirá o modelo de imposto sobre valor agregado (IVA), adotado em 180 países, em que todos os créditos poderão ser usados pelas empresas para diminuir o valor a pagar, o que não acontece hoje.

Dentro do objetivo de aplicar alíquota única a todos os setores e acabar com regimes especiais, o governo deverá rever a desoneração da cesta básica. Em troca, deverá restituir à população de baixa renda gasto com o tributo em um adicional em programas sociais como Bolsa Família. Tostes diz, porém, que alguns setores poderão ter regime diferenciado. “O conceito é cobrar de forma geral, mas estamos avaliando casos que mereçam tratamento especial.” Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista com o novo secretário da Receita Federal.

No início de outubro, quando o sr. assumiu o cargo, havia uma grande expectativa em relação ao envio da proposta de reforma tributária do governo ao Congresso, o que ainda não ocorreu. Em que pé está a reforma tributária?

O fato de ela não ter ido ainda para o Congresso se deve a essas mudanças que aconteceram e à reformulação que o governo teve de fazer na sua proposta. Os estudos referentes à proposta de reforma tributária foram um dos trabalhos que mais consumiram tempo neste primeiro mês. Agora, o trabalho está quase concluído e, até o fim de novembro, o governo vai encaminhar ao Congresso o primeiro pilar dessa proposta, porque entendemos que é mais fácil tratar cada tema separadamente do que tudo ao mesmo tempo.

Que mudanças o governo deverá propor na 1º fase da reforma?

O Brasil tem uma das estruturas de tributação sobre o consumo mais complexas do mundo. Envolve seis tributos em três níveis de governo. No governo federal, há o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para o Financiamento de Seguridade Social) e a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). Nos Estados, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Nos municípios, o ISS (Imposto sobre Serviços). É na tributação sobre o consumo que se produz o maior o porcentual de arrecadação. Então, o primeiro pilar dessa proposta será referente justamente à parte que cabe ao governo federal nessa imposição sobre o consumo.

Como será esse novo imposto?

O governo vai propor a fusão do PIS e da Cofins num único tributo sobre o valor agregado incidente sobre todos os bens e serviços, inclusive os intangíveis, como os aplicativos de táxi e o streaming de vídeos e músicas, dentro dos preceitos modernos que um imposto do gênero tem: a tributação universal. Ele vai pegar tudo isso e permitir a utilização ampla de créditos tributários pelas empresas. Hoje, tanto o PIS como a Cofins e o ICMS não permitem a utilização de todos os créditos, o que desvirtua o princípio da tributação sobre valor agregado.

Isso será enviado ao Congresso como uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional)?

Neste caso, será por meio de um projeto de lei.

Qual o nome do novo imposto?

Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

O novo tributo terá só uma alíquota?

Estamos avaliando essa questão. Mas um imposto sobre valor agregado moderno, hoje, tem uma alíquota só, como nas últimas reformas realizadas em outros países. Não só porque isso traz uma simplificação enorme para os contribuintes e para a administração tributária, mas também porque promove a equalização do tratamento tributário.

Qual será a alíquota?

Ela estará entre 11% e 12% do PIS e da Cofins juntos.

Qual será o principal benefício do novo tributo?

Haverá uma simplificação enorme em relação ao que temos hoje do PIS e da Cofins, dois tributos que demandam muita energia das empresas. A apuração será simples com a utilização de todos os créditos tributários. As empresas vão pegar o imposto destacado na nota fiscal do que elas compram e comparar com o imposto destacado na nota fiscal do que elas vendem. A diferença será o imposto devido. Isso vai significar uma redução de custo para o contribuinte, de horas gastas para registro, preparação de declarações e prestação de informações e dos pagamentos.

A carga tributária vai aumentar?

O ministro Paulo Guedes estabeleceu a diretriz de que as reformas na estrutura de tributos não poderão gerar nenhum aumento de carga tributária global. Isso vai constar explicitamente no texto da reforma a ser enviado ao Congresso.

A carga tributária atual vai funcionar, então, como teto?

Ela não poderá ser maior nem menor do que é hoje. Haverá um mecanismo para avaliar o impacto na carga tributária no período de um ano. Se a arrecadação do novo tributo for maior que a taxa de crescimento da economia, ou seja, se houver aumento efetivo de carga, a alíquota será reduzida. Se, ao contrário, a arrecadação for menor que o crescimento, a alíquota subirá, para produzir o mesmo nível de arrecadação que os dois tributos produzem hoje.

Será um mecanismo de calibragem?

Exatamente. O ministro tem uma visão de que, no momento em que País precisa reequilibrar as suas finanças, não é possível reduzir o montante das receitas. Porém, numa visão de longo prazo, a proposta que ele defende é de que haja uma redução da carga tributária. No futuro.

Como a unificação do PIS e da Cofins se coloca em relação às propostas que já estão tramitando no Congresso, na Câmara e no Senado?

Ela é totalmente aderente às propostas que tramitam no Congresso, de criação de um imposto de valor agregado (IVA). Se houver consenso, esse IVA federal poderá se juntar a um IVA estadual e municipal, formando o que se denomina IVA dual – um imposto que é cobrado pelos três níveis de governo, com gestões diferentes, sobre a mesma base de cálculo, e com autonomia para alteração de alíquotas entre os dois grupos. É o modelo usado no Canadá, onde existe um IVA dual em que uma parte do imposto é do governo central e a outra parte é dos governos provinciais. A base de cálculo e as regras são as mesmas, mas a gestão é diferente.

Como é possível integrar a proposta do governo à que está tramitando na Câmara, a PEC 45, baseada no projeto do economista Bernard Appy, que já prevê uma alíquota de 25%?

A proposta que está lá com uma alíquota de 25% é um IVA único, somando tudo, os impostos federais, estaduais e municipais. Se houver consenso, esse imposto de 25% se divide em dois sobre a mesma base, um da União e outro dos Estados e municípios, com gestões diferentes. Um de 12% e outro de 13%, por exemplo.

Com a unificação das alíquotas, vai haver muita choradeira dos setores que hoje são beneficiados por regimes especiais. Como o governo pretende lidar com isso?

Há um anseio hoje para um tratamento mais igualitário na tributação. Se você concede um tratamento especial para algum setor específico, essa redução vai implicar em ajuste na cobrança geral. Ou seja, vai onerar quem não terá o tratamento especial. O conceito é esse

Todos os regimes especiais vão acabar?

Todos os regimes especiais devem acabar. Hoje, na atual estrutura, de PIS e Cofins, há mais de 100 regimes especiais, que tornam os dois tributos de altíssima complexidade.

Haverá tratamento diferenciado para algum setor?

Isso está sendo estudado.

A Zona Franca de Manaus vai ficar fora do novo tributo?

Estamos considerando uma proposta que não afeta a Zona Franca. Ela continuaria com o beneficio. Ela ficará no outro lado da balança.

No Congresso, três setores reivindicam tratamento diferenciado: serviços, construção civil e transporte urbano. Há uma preocupação em relação ao aumento da tributação. Como o governo vai resolver essa questão?

Estamos avaliando tudo isso. Hoje, na atual estrutura, com o PIS e a Cofins, existe uma quantidade enorme de tratamentos diferenciados. Há mais de 100 regimes especiais, que tornam as duas contribuições de altíssima complexidade.

Há demandas no setor de serviços para que o novo imposto tenha pelo menos três alíquotas. O que o sr. pensa sobre isso?

A alíquota única vai incidir sobre o valor agregado em cada setor. Setores com maior ou menor valor agregado serão afetados de forma distinta. Estamos fazendo cálculos em relação à margem de valor agregado, impacto dos custos na margem de lucratividade de cada setor, dos impactos que essa tributação pode trazer para identificar se há necessidade de alguma alteração em relação ao tratamento geral. O que não posso adiantar é qual o tratamento que cada um poderá ter. Isso nós devemos fechar nos próximos dias. Agora, o termo “setor de serviços” é muito amplo. O conjunto de micro setores incluídos nele é muito grande e os impactos também são distintos.

Isso pode fazer com que um micro setor tenha uma pequena alta e outro uma baixa na tributação?

Hoje, o diagnóstico universalmente aceito é de que medidas compensatórias de políticas sociais, por exemplo, devem ser feitas via orçamento no gasto e não na estrutura impositiva, na qual os tratamentos diferenciados trazem enorme dificuldade para controle. Então, estamos considerando nessa proposta cobrar o tributo de forma geral, mas estamos avaliando determinadas situações que mereçam tratamento especial. Algumas situações, dentro das possibilidades, não se alterarão. Mas essa desigualdade vai diminuir.

Quer dizer que a alíquota única será única, mas pode continuar a haver exceções?

Se houver necessidade comprovada pelos números de que há alguma situação que mereça específico, de redução de carga tributária, seja de uma isenção, seja de outro tratamento, como o crédito presumido. Como já disse, estamos fazendo muitos cálculos de micro setores e situações especiais. Aqueles em que os números indicarem essa necessidade nós poderemos considerar. Existem várias alternativas e nós vamos decidir nos próximos dias, antes de encaminhar a proposta. Haverá um reembolso do tributo, por exemplo, para a população de baixa renda.

Como será esse reembolso para a população de baixa renda? Com a criação do novo imposto, o governo vai acabar com a desoneração da cesta básica e depois vai devolver o imposto pago?

O imposto pago pela população de baixa renda será devolvido individualmente. Qual o grande problema de desonerar o produto da cesta básica? Hoje, o conceito de cesta básica se ampliou bastante. Até o salmão faz parte da cesta básica. Então, quando você desonera o salmão, todo mundo pode comprar aquele produto sem imposto. E quem mais compra? Quem tem mais poder aquisitivo. Esse benefício acaba sendo altamente regressivo, porque beneficia quem tem mais renda. Estudos já demonstraram isso. Então, a ideia é cobrar o imposto e devolvê-lo capenas para quem é de baixa renda.

Como será feita essa devolução?

Muito simples, pelos cadastros que existem hoje.

Será por meio de acúmulo de créditos?

Nós temos estimativa de consumo de cada faixa de renda, quanto cada uma gasta com alimentação. O valor correspondente ao imposto desses produtos será creditado na conta dos beneficiários. Cada um vai receber um valor fixo, mas ainda estamos calculando quanto será.

Não será preciso apresentar nota de consumo?

Não. Será o mesmo valor para todo mundo.

Os cadastrados do programa Bolsa Família é que vão receber?

Podem ser os cadastrados do Bolsa ou de outro programa social. Eu não posso ainda dar os números, porque estamos fechando os cálculos.

Isso vai turbinar o Bolsa Família?

Nós vamos demonstrar esses valores, mas não gostaria de antecipar porque estamos concluindo os estudos para definir quantas pessoas serão beneficiadas e quanto elas vão receber. Do ponto de vista do benefício é uma solução muito efetiva, porque só vai receber mesmo quem é de baixa renda. A população de renda mais alta vai comprar esses produtos com uma tributação normal.

O senhor falou que a proposta do governo inclui a tributação dos intangíveis. Como isso será feito na prática?

Isso tudo está sendo colocado na planilha. Eu não gostaria de falar de números agora.

Qual a estimativa de arrecadação com a tributação dos intangíveis?

Vamos estabelecer mecanismos de informações para fins de controle do tributo dos serviços que são prestados no País para residentes lá fora e dos que são consumidos aqui de prestadores de serviços de fora. Serão declarações específicas de tributos para que se estabeleça a base de cálculo e o imposto correspondente. Ou seja, eles serão obrigados a prestar informações de toda a movimentação de vendas daqui para lá e de lá para cá.

Considerando que a ideia do ministro é manter a atual carga tributária, o aumento de arrecadação com a tributação dos intangíveis não permitirá a redução da carga em outras áreas?

Tudo isso está sendo calibrado. Nesse conjunto todo de mudanças, há coisas que aumentam e que diminuem a arrecadação. Vamos permitir, como disse há pouco, a utilização ampla e irrestrita de todos os créditos pelas empresas, o que diminui a base de cálculo. Hoje, alguns créditos não podem ser utilizados, como a despesa de conta de energia elétrica do escritório. O crédito referente a essa despesa não pode ser abatido do imposto que vai ser pago. A compra de bens para o ativo imobilizado também não. Esse crédito só pode ser utilizado de forma parcelada em inúmeras prestações. Hoje, só é admitida a dedução de créditos com gastos feitos exclusivamente na produção e comercialização. No IVA moderno, admite-se a utilização de todos os créditos, de todas as compras, de todos os pagamentos feitos.

É como se fosse uma balança que, no final, vai se refletir na alíquota?

Exatamente. Isso tem de ser ponderado com outros pontos que podem aumentar a arrecadação, para se chegar à alíquota final, dentro do princípio de que não pode haver aumento nem diminuição de carga tributária. Essa alíquota está sendo avaliada e levará em conta o que vai aumentar e o que vai diminuir. Se houver aumento de carga, ela será reduzida.

O que está em cada lado da balança?

Do lado que diminui a base está a utilização ampla de todos os créditos. Do lado de que aumenta a arrecadação tem a tributação ampla de todos os bens e serviços. Quando eu falo em tributação ampla de todos os bens e serviços significa que até quem não paga hoje vai pagar. Vamos extinguir todos os regimes especiais.

Como o sr. vê as criticas de que esse modelo já está ultrapassado no mundo? ?
Nós estamos utilizando como base experiências muito recentes de reformas de tributação sobre consumo, com criação de IVA, que é hoje um tributo utilizado em mais de 180 países.

É um IVA 3.0, de terceira, quarta geração, como estão dizendo por aí?

Exatamente. Não se pode desconsiderar um imposto que é usado em mais de 180 países. É claro, se pegar esse conjunto, tem modelo das décadas de 70, 80, modelos que vão sendo adaptados e alterados de acordo com as mudanças na economia. Estamos utilizando experiências de IVAs mais atuais, de reformas mais recentes, como na Índia. Se considerar toda a literatura que existe na área tributária, podemos dizer que o IVA hoje é um tributo universal.

 

Estadão Conteúdo

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