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Brasília

Verba de gabinete para acusado de extorsão

Áudio obtido pelo JBr. mostra deputado Luís Miranda negociando “serviços” com Daniel Moggendorf, que chegou a ser preso após acusação de chantagem

Lindauro Gomes

10/10/2019 5h58

LUIS MIRANDA FOTO : DIVULGAÇÃO

Verba parlamentar a quem acusa de extorsão

Em áudio, deputado propõe recursos por “publicidade para o mandato”

Pedro Marra
[email protected]

É uma situação no mínimo inusitada. O deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) acusa Daniel Luís Mogendorff de extorsão. E, por essa razão, Daniel chegou a ser indiciado em inquérito da Polícia Civil. Mas, em um áudio obtido pelo Jornal de Brasília, o deputado chegou a sugerir contratar aquele que acusa de tê-lo extorquido.

Miranda sugere que o pagamento por serviços de Daniel seja feitos com recursos da verba parlamentar que ele recebe como deputado federal. A conversa aconteceu em 28 de agosto deste ano.

Segundo a acusação, Miranda é vítima de extorsão por parte de Daniel. Entretando, o áudio revela intimidade suficiente para que Daniel seja tratado pelo deputado por um apelido. O parlamentar o chama de “Israel”, pelo fato de Daniel já ter morado naquele país.

Verba de gabinete

Israel, já que você falou para mim que dá para fazer com nota, tudo direitinho, por que a gente não usa verba de gabinete, cara? Como se fosse publicidade para o mandato, que é verdade. Tu tá cuidando do parlamentar, está fazendo um trabalho. É a imagem do parlamentar. Principalmente agora nessa onda da Reforma Tributária. Como você vai estar rebatendo, mesmo que alguém faça um vídeo criticando que eu estou usando verba parlamentar para fazer divulgação, todo mundo faz isso”, diz a gravação obtida pelo JBr.

O deputado ainda cita um exemplo da prática entre os parlamentares. “Os caras imprimem gráfica, imprimem livros. É a imagem do trabalho promovido pelo parlamentar. Já que a gente vai criar a construção de uma imagem positiva, tá dentro do que a Câmara dos Deputados autoriza pagar”, diz Luís Miranda.

Segundo Daniel, o tal “serviço” que Miranda propõe ser pago com a verba de gabinete seria a retirada dos vídeos em que o deputado é acusado de estelionato por pessoas que investiram com ele antes de se eleger deputado, quando ainda morava nos Estados Unidos, e uma estratégia de “blindagem” a partir daí. Ou seja, são os mesmos motivos alegados quanto à tentativa de extorsão.

Em resposta ao áudio, a assessoria de deputado enviou a seguinte nota à reportagem. “Todas as gravações e conversas mantidas por Luís Miranda com Daniel, que tentava extorquir e achacar o parlamentar, foram entregues à Polícia Civil do Distrito Federal e hoje baseiam o processo no qual Mauro Cavanha e o próprio Daniel são réus. A Justiça já se manifestou pelo prosseguimento do processo, alertando para indícios de autoria e materialidade de ambos na ação criminosa. As investigações incluíram conversas que tinham como objetivo obter dados e informações sobre os acusados, comparsas e empresas envolvidas com a quadrilha“.

Na nota, porém, Miranda não detalha que “serviço” tratava com Daniel no áudio obtido pelo JBr.

Chegou a ser preso em flagrante

Mauro Cavanha – youtuber que denuncia possíveis golpes de Luis Miranda
foto : arquivo pessoal

O youtuber brasileiro Mauro Cavanha, também acusado de extorsão por Luis Miranda, diz que conversou com Daniel por telefone antes de Daniel vir de Israel para o Brasil se encontrar com o parlamentar, em Brasília.

Quando o Daniel recebeu o áudio, ele ficou impressionado, e falou: ‘Cara, olha o que o Luis Miranda está me oferecendo‘. Ele me deixou bem claro que o Luis Miranda estava procurando alguém para trabalhar nesse sentido”.

“O Daniel me disse que o Luis Miranda estava desesperado, queria melhorar a imagem dele. Essa que é a história”, detalha Cavanha.

Daniel morava em Israel, mas foi preso em flagrante na capital federal no dia 5 de setembro deste ano, após se encontrar com o deputado Luís Miranda no restaurante Coco Bambu. O político gravou a conversa com um aparelho instalado pelos investigadores. Ele já havia denunciado as tentativas de extorsão à Polícia Civil.

Para provar que tinha poder para tirar os vídeos dos youtubers do ar, Daniel telefonou para Mauro Cavanha, na frente de Luís Miranda. Na ligação, Daniel pediu que Cavanha retirasse um dos vídeos do ar. Minutos depois, o vídeo teria sido retirado.

Recebi essa ligação mesmo durante o encontro dos dois, mas não quis dar conversa porque imaginei que ele estaria com o Luís Miranda. É verdade que ele (Daniel) me pediu para tirar o vídeo do ar. Mas no momento que me pede, ele fala: ‘Olha, Mauro, tira o vídeo aqui também para eu editar e mandar lá para o pessoal’”, relata.

“Eu tinha uma ligação com o Daniel, e sabia que o Luis Miranda tinha uma dívida com ele, mas não sei qual o valor e sobre o que é. Talvez esse acordo envolvesse a dívida”, complementa Cavanha.

A assessoria do deputado federal nega qualquer dívida de Luís Miranda com Daniel.

Num inquérito policial de 27 de agosto deste ano, feito pela Polícia Civil do DF (PCDF), diz que “a vítima (Luís Miranda) afirmou que Daniel chegou a pedir US$ 120 mil por um suposto ‘serviço de blindagem’ pelo prazo de um ano, em que nenhum vídeo seria publicado pelos ‘youtubers’ denegrindo a vítima”.

O documento diz que em outro telefonema, “aparentemente em 12 de novembro de 2018” (como diz o texto), “Daniel cobrou 150 mil reais, para excluir vídeos dos autores, pedindo um prazo de até 30 dias para isso. A vítima informou que nenhum valor foi pago por ela”.

Veja a transcrição da conversa entre Luís Miranda e Daniel

“Publicidade para o mandato”.

Israel. Já que você falou para mim que dá para fazer com nota, tudo direitinho. Por que a gente não usa verba de gabinete, cara? Como se fosse publicidade para o mandato, que é verdade. Tu ‘tá’ cuidando do parlamentar, está fazendo um trabalho. É a imagem do parlamentar.

Principalmente agora nessa onda da Reforma Tributária. Como você vai estar rebatendo, mesmo que alguém faça um vídeo criticando que eu estou usando verba parlamentar para fazer divulgação, todo mundo faz isso.

Os caras imprimem gráfica, imprimem livros. É a imagem do trabalho promovido pelo parlamentar. É a mesma coisa, cara. Já que a gente vai criar a construção de uma imagem positiva, ‘tá’ dentro do que a Câmara dos Deputados autoriza pagar“.

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