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Brasília

“Minha vida acabou”, diz homem que ateou fogo em embaixada

Arquivo Geral

12/06/2018 20h04

Mohamed Lamine Nabe, 39 anos, preso após atear fogo em dois carros da Embaixada da Guiné, no Lago Sul. Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasília

Raphaella Sconetto
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“Minha vida acabou. Eu perdi tudo: faz dois anos que não vejo minhas filhas, não tenho como me sustentar e não consigo emprego”. O relato é de Mohamed Lamine Nabe, 39 anos, preso após atear fogo em dois carros da Embaixada da Guiné, no Lago Sul. Ele foi solto na segunda-feira (10), depois de assinar o Termo de Compromisso e Comparecimento na 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul). Em entrevista exclusiva ao Jornal de Brasília, o ex-funcionário da embaixada admite não estar arrependido. Ele argumenta que foi um ato de desespero e pedido de socorro.

O discurso de Nabe é emocionado. Nos braços, as marcas do ataque de fúria de quem alega estar há um ano e meio tentando receber salários e verbas rescisórias. “Foi um ato de desespero, de socorro, para que as autoridades brasileiras levem o meu recado ao presidente da Guiné. Porque as pessoas que estão ao redor do presidente não estão deixando a informação chegar lá. Se tivessem pago meu dinheiro, eu não teria feito isso”, justifica.

Nabe está no Brasil há dez anos. Seu primeiro destino foi Belo Horizonte (MG), onde trabalhou em três empresas como tradutor e intérprete. “Não cheguei direto à Embaixada. Eram empresas grandes em Minas Gerais e foi onde conheci o embaixador Mohamed Youla, que me chamou para ajudar o meu país. Abri mão da empresa que trabalhava e ganhava mais, mas fui”, sustenta.

Ex-funcionário coloca fogo em carros próximo à Embaixada de Guiné. Lago Sul. 11-06-2018. Foto: João Stangherlin/Jornal de Brasília

Proposta
Sua admissão na Embaixada da Guiné ocorreu em 2013. “O meu primeiro trabalho era uma reunião itinerante do grupo dos embaixadores africanos e eu fiquei responsável pelo relatório”, conta. Na época, a proposta salarial oferecida era de US$ 1.500, o que equivaleria a em torno de R$ 3.500. “Só que me pagavam R$ 2.000 mensais, R$ 1.500 a menos. Fiz várias reclamações, minha ex-esposa de Minas Gerais veio a Brasília por duas vezes reclamar. Ninguém nunca fez nada, me enrolaram”, critica.

Ele alega que foram quatro anos sem receber o salário integral. Sua demissão veio após uma viagem à Guiné, onde ficou por seis meses e, a partir dela, diz, tentou levar benfeitorias ao seu país. “Quando voltei, pedi o salário desses meses que tinha ficado fora e estava começando a ficar apertado. A partir daí, as brigas começaram, me ameaçarem. Eu pedia para me mandarem embora e pagarem meus direitos”.

Sem acesso até a água

Nabe relata que, em novembro de 2016, depois de ele fazer diversas reclamações, a embaixada trocou os cadeados do espaço. “Eu morava lá. Até para beber água eu não conseguia entrar. Uma secretária me dava comida, mas ficou com medo de o embaixador mandá-la embora. Eu tive de sair para pedir comida porque não tinha nada”.

Nabe foi demitido oficialmente em 19 de dezembro de 2016. Um ano depois, o embaixador Mohamed Youla também foi mandado embora. “De agosto até dezembro de 2016 eu não recebi nenhum centavo. De lá para cá, entrei na Justiça, fui à Defensoria Pública, ao Ministério Público Federal, ao Itamaraty e ao Ministério de Direitos Humanos. Não deu em nada”, aponta.

Ele estima que tenha que receber US$ 250.000. “Quero reconstruir minha vida. Tentei arrumar emprego, mas ligam na Embaixada para pedir referência e lá só falam mal de mim. Perdi uma vaga em uma empresa do Canadá”.

Mohamed Lamine Nabe, 39 anos, preso após atear fogo em dois carros da Embaixada da Guiné, no Lago Sul. Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasília

“Embaixadas deitam e rolam”
De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Embaixadas (Sindnações), Raimundo Oliveira, os problemas trabalhistas são recorrentes. “As embaixadas deitam e rolam. Usam da Convenção de Viena, da imunidade diplomática, para fazer o que querem. Muitos trabalhadores não têm carteira assinada, e os que têm não recebem FGTS, INSS”, afirma.
“Eles recorrem ao sindicato, mas quando dizemos que vamos entrar com ação coletiva preferem ficar nas embaixadas. Temos feitos ofícios às embaixadas, entramos com ações no Ministério Público, mas é uma situação delicada”, conclui.

Autoridades

Em um documento enviado ao Ministério Público Federal (MPF), ele cita que estava sendo ameaçado de morte, além de denunciar exploração de mão de obra, desvio de recursos destinados à folha de pagamento e corrupção. Pela assessoria de imprensa, o MPF informou que fez a requisição de um inquérito policial para “para apurar suposta corrupção passiva de funcionário público estrangeiro, ameaça e participação em crime de lavagem de dinheiro referente à compra de imóvel destinado à residência oficial do embaixador da Guiné”.

O MPF enviou as demandas relacionadas às questões trabalhistas ao Ministério Público do Trabalho, bem como uma cópia dos ofícios à Secretaria de Cooperação Jurídica Internacional da Procuradoria-Geral da República “para intermediar contato junto ao Itamaraty para que o governo local (Chancelaria e Ministério Público em Conacri) informe se renuncia à imunidade diplomática dos supostos envolvidos para ser iniciada a persecução criminal”.

A reportagem tentou contato com a Embaixada da Guiné pelo segundo dia consecutivo, sem sucesso. Ao portal Metrópoles, o advogado da Guiné no Brasil, Humberto Costa, afirmou que Mohamed não foi funcionário da embaixada e que apenas recebeu abrigo de seus compatriotas.

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