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Brasília

Hemocentros não aceitam doação de sangue de homossexuais; norma gera polêmica

“Para doar sangue, eu omito algumas informações na entrevista”, diz doador homossexual

Agência UniCeub

19/10/2019 15h00

Atualizada 18/10/2019 18h43

Por Vinícius Heck
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

“Para doar sangue, eu omito algumas informações na entrevista”.  O funcionário público João*, de 36 anos, é doador de sangue desde os 18. Mas, sabe que caso se declare gay na triagem do hemocentro em Brasília, ele não conseguirá “salvar vidas”. 

 

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Ele lamenta a regulamentação da Portaria de Consolidação nº 5 do Ministério da Saúde, que considerou homens homossexuais e bissexuais  como grupo de risco para transmissão de HIV, conforme consta no anexo XXXIII (capítulos 1, 2 e 3),  sendo considerada essa restrição uma “medida de controle”.

João conhece outros amigos que, para ajudar o próximo, não revelam orientação sexual. “Conheço minha atividade, minha prática. Não tem problema nenhum (…) Acho que deveria ser revista essa legislação para facilitar todo mundo a ajudar ao próximo”. O biomédico Milton Rego, pesquisador da área de hematologia e de imunologia, entende que existem duas formas de observar essa polêmica. Desde 2004, como explica o especialista, alguns países, incluindo o Brasil, decidiram permitir que homossexuais possam doar apenas se ficaram 12 meses sem relações sexuais.

“Talvez do ponto de vista ético, não sou favorável a essa justificativa para que o homossexual não possa fazer a doação. Porém, olhando do ponto de vista da ciência, dos estudos e conhecimentos, acaba sendo um grupo de risco aumentado”, afirma. 

Ele entende as alegações de que haveria preconceito na norma.  “Mas a base é porque o sexo de um homem com outro homem, a maior parte das pesquisas demonstram que o risco maior de contaminação com HIV do que outros grupos”, explica Milton Rego.

O pesquisador esclarece que essa polêmica não é somente no Brasil. Existem estudos, como  exemplifica, na Associação Americana de Bancos de Sangue demonstrando que o risco do perfil de indivíduos que fazem sexo com homem é quase 20 vezes maior de pegar HIV do que qualquer grupos heterossexuais. 

 

O professor de direito constitucional Daniel Falcão não considera a norma razoável. “Sempre que há a doação de sangue, o sangue é coletado e você faz um exame para ver se a pessoa está infectada com algum tipo de doença”. Ele considera que o fato de que há mais pessoas homossexuais com algumas doenças do que heterossexuais com as mesmas doenças não é justificativa para proibir a doação. 

Decisão no RN contrariou norma

Uma das raras decisões que contrariou a proibição de doação por parte de homossexuais vem do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN).  O desembargador Cornélio Alves de Azevedo Neto decidiu, em julho deste ano, a partir da apelação de um cidadão, que o Estado não poderia se negar a receber o sangue doado.  A palavra do magistrado pode ter efeito de jurisprudência, como ele mesmo admitiu para esta reportagem. “Decisões dessa natureza, quando transitam em julgado (ou seja, quando não há mais possibilidade de interposição de recursos), produzem efeitos apenas para as partes do processo. Mas isso não impede que um determinado julgamento, específico, passe a orientar a jurisprudência do Tribunal e das instâncias inferiores”.

O desembargador lembra que o tema está em trâmite também no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.543/DF, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), de relatoria do ministro Edson Fachin. “A decisão da Suprema Corte vinculará todos os Juízes e Tribunais do Brasil, independentemente das jurisprudências locais, tendo em vista que será tomada em sede controle de constitucionalidade concentrado”.

“A norma questionada, efetivamente, não se coaduna com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e igualdade, tampouco com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação, numa sociedade livre, justa e solidária”, escreveu o magistrado em seu voto.

O biomédico Milton Rego também lamenta que a norma crie impedimentos para que hemocentros tenham mais capacidade de atender às demandas. “A gente pode estar perdendo um grupo grande que poderia estar doando. A cada ano que passa o número de doadores está caindo e o número de quem precisa está aumentando. Vai chegar, por exemplo, em 2030 e essa conta não vai bater”.

*Nome alterado para preservar a identidade do doador

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