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Brasília

Eles não foram esquecidos

Narcisa Trajano e Pedro Teodoro foram os primeiros auxiliar de limpeza e vigilante, respectivamente, a receberem o imunizante no DF

Vítor Mendonça

20/01/2021 12h43

Narcisa Trajano. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Narcisa Trajano. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Eles estão na linha de frente, mas poucos os notam ou dão o devido crédito para o serviço que prestam. Na pandemia da covid-19, são relevantes não só no auxílio dos profissionais de saúde, mas também à sociedade – colaboram para a diminuição da transmissão e organização dos hospitais e casas de saúde da capital. 

Na primeira aplicação da vacina contra a doença no Distrito Federal, portanto, Narcisa Trajano de Araújo, 61 anos, e Pedro Teodoro de Sousa, 59 anos, foram os primeiros auxiliar de limpeza e vigilante, respectivamente, a receberem o imunizante no DF. Ao Jornal de Brasília, os dois compartilharam os sentimentos de serem contemplados neste momento histórico.

Ambos receberam a notícia de que seriam os primeiros das categorias a serem vacinados contra o novo coronavírus na noite da última segunda-feira (18), depois que as cerca de 106 mil doses da Coronavac aterrissaram na base aérea da Força Aérea Brasileira (FAB). A cerimônia de vacinação representou um alívio para os trabalhadores do Hospital Regional da Asa Norte (Hran).

Narcisa, auxiliar de limpeza

“Muitos acham que, por não sermos da área de saúde, não somos profissionais que trabalham com a saúde, mas nós somos, porque trabalhamos aqui dentro [do hospital] e, sem nós, eles não trabalham. Então ficamos todos muito felizes porque lembraram de nós também. Precisamos dessa vacina”, afirmou a auxiliar de limpeza Narcisa Trajano.

Há 31 anos trabalhando na unidade hospitalar regional da Asa Norte, a funcionária terceirizada recebeu o convite para tomar a vacina de sua supervisora. “Eu disse que queria sim. Depois de tantos anos aqui dentro, fiquei muito feliz pelo fato dela ter lembrado de mim, para que eu fosse a primeira”, contou. Imediatamente, deu a notícia para o marido e as duas filhas. A casa em Sobradinho I ficou em festa pela oportunidade dada à matriarca.

Narcisa Trajano. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Narcisa Trajano. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

“Depois que eu apareci tomando a primeira vacina, que saí na televisão, aí todo mundo começou a ligar para mim. Meu neto me ligou e disse: ‘Parabéns, vó! A senhora foi a primeira que tomou’. Eles tinham medo de eu ficar trabalhando aqui dentro [do Hran], né, mas nunca tive nada, graças a Deus. Trabalho com fé em Deus e já vi muita doença ruim aqui. Já trabalhei 25 anos limpando a UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e nunca tive problema nenhum”, disse.

Durante os três meses iniciais da pandemia, pela idade, a senhora foi afastada temporariamente do serviço. “Não ia nem à padaria”, contou. Ela trabalhava no setor de Raio-X do Hran, mas, quando voltou, passou a ficar na ala do programa Margarida, que oferece suporte biopsicológico a mulheres vítimas de violência no DF.  “Está dando certo até hoje e vai ficar sendo até o final dessa pandemia”, relatou. “A gente precisa trabalhar.”

No trajeto para o trabalho nos últimos seis meses, Narcisa se arriscou desde a saída da porta de casa. Em todos os dias de serviço – em escala 12h/36h -, a auxiliar de limpeza se levanta às 5h e pega um ônibus às 5h40 para conseguir chegar no Hran por volta de 6h20. Ela começa a trabalhar às 7h e só sai às 19h, chegando em casa em torno de 20h. Na volta para casa, ela enfrenta dois ônibus: um sentido Planaltina e outro que a leva ao condomínio onde mora.

“Eu sempre tive preocupação, como todos têm. Mas eu tenho fé em Deus e Deus sabe que a gente só vem porque a gente precisa. Ele é quem nos protege”, comentou. A preocupação se estendeu para outros colegas de trabalho também. “Algumas pessoas pegaram, mas tiveram sintomas fracos, e depois voltaram a trabalhar. De nós da limpeza, graças a Deus, não morreu ninguém; ninguém ficou em perigo sério”, celebra.

“Daqui para frente vai ser ótimo. Fiquei mais aliviada porque graças a Deus nunca peguei nada e nem hei de pegar. Agora com a vacina, melhor ainda. Eu só digo para que todos tenham fé de que vão tomar essa vacina. Deixo meus pêsames a quem perdeu alguém na pandemia. Mas precisamos ter fé em Deus de que vamos conseguir.”

Pedro, vigilante

Do outro lado, cuidando da supervisão e segurança do hospital na Asa Norte, está Pedro Teodoro, 59, um dos vigilantes, que há 25 anos trabalha na unidade de saúde. Ele recebeu a notícia de que seria vacinado por volta das 21h de segunda-feira (18).

Pedro Teodoro. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Pedro Teodoro. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

“Eu estava em casa quando nosso chefe ligou para mim e falou: ‘Você vai ser o primeiro vigilante do Centro Oeste a tomar a vacina contra a covid-19’. Fiquei muito alegre e todos da família ficaram muito contentes”, disse. “Estou muito feliz de ter recebido a vacina. Espero que todos os meus colegas tomem também. Se Deus quiser vai ter vacina para todo mundo para ficarmos livres logo dessa doença terrível”, espera ele.

Agora, imunizado, o vigilante se sente mais leve e tranquilo para visitar o primeiro neto, nascido na última semana em Goiás. “Fiquei muito contente, primeiro porque meu filho me deu meu primeiro neto nessa semana. Agora estou muito mais seguro para ir a Goiânia para vê-lo.”

Assim como Narcisa, Pedro precisa utilizar o transporte público para chegar ao serviço. Ele mora nas últimas quadras da Samambaia e, portanto, os ônibus já vêm lotados. “Tem vezes que eu não posso nem passar pela catraca, para a parte de trás, porque é muita gente”, relatou o vigilante. “No começo da pandemia era bem menos cheio, mas agora, com mais gente trabalhando, aumenta a quantidade pessoas no ônibus”, conclui.

Pedro Teodoro. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Pedro Teodoro. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

“Ficava preocupado por causa da minha idade. Vejo muita gente morrer por conta dessa doença, né? Mas não cheguei a pegar o coronavírus, graças a Deus. Durante toda a minha vida, nunca vi uma situação como essa.” Ao voltar para casa, o vigilante mantém os cuidados de ir direto para o banho, a fim de se higienizar antes de ter contato com a esposa e filha dentro de casa.

Pedro sabe da dor de perder conhecidos para a doença pandêmica. Dois amigos próximos, que também estavam na linha de frente contra a covid-19 no Hran faleceram. Um deles era técnico de enfermagem que trabalhava no Pronto Socorro e morreu há cerca de dois meses. Este era também colega de equipe que Lídia Rodrigues Dantas, a primeira vacinada, relatou ter perdido. O outro amigo era um colega de profissão, que veio a óbito no último sábado (16) em decorrência do novo coronavírus.

 “Temos muito contato com o pessoal que pode estar contaminado, porque circulamos muito dentro do hospital [os vigilantes]. Mas eu não ficava aflito, porque sempre mantive os cuidados de distanciamento e uso de máscara. Tudo para não pegar, porque é uma doença terrível”, disse.

“Ainda estou triste pela morte deles. E são tantas outras que nem conheço, mas ficamos tristes sabendo que muita gente está perdendo a vida. Por isso que tenho fé em Deus de que todos serão vacinados o mais rápido possível”.

Pedro mantém a esperança de dias melhores para toda a população do DF, e que todos serão vacinados o mais breve possível “para não haver mais medo dessa doença terrível”.

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