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Brasília

Bares de narguilé se espalham e ignoram leis do DF

Arquivo Geral

02/01/2019 7h00

Foto: Rafaella Panceri/Jornal de brasília.

Rafaella Panceri
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A Vigilância Sanitária vistoriou 63 bares no Distrito Federal em 2018. Desse total, 11 foram autuados por inconformidade com a Lei Antifumo e todos ofertavam narguilé de maneira irregular. Já em 2017, 46 estabelecimentos foram vistoriados e 22 acabaram autuados pelo órgão.

A Lei 9.294 existe há 22 anos, mas não é compatível com a complexidade do mercado de fumígenos em nível local. Bares onde o fumo árabe é ofertado se proliferam na capital e Região Metropolitana, mas não há monitoramento efetivo dessa fatia de mercado. Ao ar livre, entre paredes e debaixo de toldos, o produto atrai jovens e provoca confusão entre o que é permitido ou proibido na lei, além de polêmicas na vizinhança.

Nas cozinhas dos bares que ofertam o narguilé, não é raro que alimentos e fumígenos compartilhem do mesmo ambiente. Na teoria, a venda de tabaco atrelada a comida ou bebida é proibida, mas uma manobra no licenciamento permite a convivência dos opostos, segundo a Vigilância Sanitária. Os comerciantes registram os negócios como lanchonete, restaurante, bar e fumo árabe. Fica por conta da fiscalização verificar o isolamento dos ambientes. Outra proibição vale para fumar debaixo de coberturas. No entanto, na prática, isso acontece livremente, com o aval de vistorias feitas apenas uma vez ao ano.

Faltam servidores

A Vigilância Sanitária admite um déficit de servidores e reclama que 140 profissionais se desdobram na fiscalização de qualquer tipo de ambiente — dos bares aos motéis, às farmácias e às lanchonetes — todos os dias. Segundo o órgão, a fiscalização de bares uma vez ao ano, durante um mês, é simbólica e alusiva à Lei Antifumo. Com o atual efetivo, seria “impossível” monitorar o que ocorre nos locais com frequência.

A Secretaria de Saúde do DF destaca as principais irregularidades encontradas quando há fiscalização: falta de sinalização da proibição de uso de fumígenos em área comum dos bares, falta de isolamento da área de experimentação e uso de narguilé e falta de sistema de exaustão eficiente na área de uso do produto.

Na noite de Brasília, pelo menos 11 meses do ano são de liberdade para as casas de fumo árabe. Vistorias pontuais são feitas apenas mediante denúncia. A reportagem flagrou, em diversas delas, pessoas fazendo uso de narguilé embaixo de toldos. É o caso de um estabelecimento da QE 40 do Guará e de outro, na Asa Norte (SHCGN 706/707).
Mais um, na quadra 101 do Sudoeste, lota um prédio comercial com fumantes posicionados tanto embaixo de toldos como em área livre de coberturas. Já em Águas Claras, a moda são os lounges — casas fechadas com ar condicionado onde a fumaça sai do ambiente com auxílio de exaustores. Uma delas é alvo de reclamação de moradores e ficou interditada. Perto dali, em Taguatinga, outra casa de narguilé foi palco de agressões a dois menores de idade que consumiam o produto, neste mês, e foi intimada a resolver pendências com o Estado em até 10 dias.

Empresários vão da boa vontade à reclamação

Seja qual for a característica do bar ou a irregularidade flagrada, os comércios reivindicam que a lei antifumo é limitada diante da realidade. É o que afirma o proprietário de um bar na Asa Norte, Willian Farias. “A legislação precisa ser mais clara e acessível para todo mundo e o relacionamento com a fiscalização deve ser de parceria e orientação. Queremos trabalhar com segurança jurídica. Preconceito não é o caminho para resolver”, indica.

O empresário diz que, em três anos de existência, o bar permite fumo apenas na área externa. “Não temos tido problema com a fiscalização. Quando chove, em situações extraordinárias, estendemos o toldo. As visitas de fiscais não são ameaçadoras, mas vistas por nós com a perspectiva de ajudar. O empresário deve ter conhecimento da lei”, sugere. No bar, apesar de algumas pessoas fumarem embaixo do toldo, as condições sanitárias estão em dia. A cozinha e a área de preparação de narguilés são separadas.

Por outro lado, em um bar da QE 40 do Guará a infraestrutura é inadequada e a maneira de enxergar os órgãos fiscalizadores é hostil. O dono não quis dar entrevista, mas criticou fiscais da Agência de Fiscalização do DF (Agefis) e da Vigilância Sanitária. “Constrangem clientes e cobram coisas completamente fora da realidade. É impossível que os bares sigam à risca o que a lei pede”, reclama.

A reportagem flagrou, em duas visitas ao local, pessoas fazendo uso de narguilé no ambiente interno — sem exaustão — e externo, onde uma marquise foi construída. Não há área livre e a cozinha fica próxima do local de preparo de alimentos e bebidas. O bar foi inaugurado em 2018 e ainda não foi vistoriado, conforme a Secretaria de Saúde. “O local será inspecionado”, afirma a pasta.

Em outro bar de fumo árabe, na quadra 101 do Sudoeste, há dois tipos de ambiente: mesas são posicionadas tanto embaixo de toldos quanto em área aberta. Os clientes fumam tanto em um quanto em outro. Segundo a Secretaria de Saúde, o local passará por novas ações da Vigilância Sanitária.

Estabelecimentos que vendem o fumo árabe, narguilé, agem em desacordo com as leis antifumo, como o uso embaixo de toldos e em ambientes fechados. Foto: Rafaella Panceri/Jornal de Brasília.

Polêmicas

Outro bar visitado pela reportagem está envolvido em polêmicas com vizinhos. Localizado em Águas Claras, é um lounge que ficou interditado por nove dias a partir do último 9 de setembro, a pedido de moradores. Segundo um funcionário da empresa, o número de exaustores era insuficiente, mas a Saúde não deu detalhes sobre o caso. “Não houve, ainda, a aplicação de multa, pois os autos do processo encontram-se na Justiça”, informou a secretaria.

Abaixo-assinado para abrir até as 4h da madrugada

O bar de Águas Claras que foi interditado em setembro passado coleta assinaturas para encaminhar um abaixo-assinado à Administração Regional. O documento pede a extensão do horário de funcionamento para as 4h, mesmo com reclamações constantes de moradores do prédio. O bar tem isolamento acústico, mas funciona em um condomínio com dezenas de apartamentos residenciais. Segundo funcionários, porém, as reclamações são referentes ao que ocorre do lado de fora.

Clientes saem bêbados, fazem bagunça e já danificaram a estrutura do prédio — extintores, segundo os funcionários. Eles defendem a empresa, ao dizer que mudanças foram feitas ao longo do tempo. Agora, a cozinha está separada da área de narguilés e mais exaustores foram instalados. “Mas o horário reduzido tem afastado clientes”, lamentou um garçom, e sugeriu que o dono da casa procure outro ponto, maior e mais isolado, para reabrir o negócio.

Intimação

Outro bar, localizado no Pistão Sul (Taguatinga) e envolvido em polêmicas — a agressão de dois adolescentes por um segurança no último dia 20 de novembro — foi intimado a solucionar pendências apontadas pelo poder público em um prazo de até 10 dias. De acordo com Secretaria de Saúde, caso os proprietários não respondessem ao órgão de fiscalização, a autuação seria realizada, sem informar as razões da intimação. As polícias Militar e Civil do DF não responderam aos questionamentos da reportagem sobre a permanência de menores em bares até a publicação da matéria.

Ambiente exclusivo

Segundo a pasta de Saúde, nenhum dos estabelecimentos citados foi autorizado a permitir o uso de narguilé em áreas com circulação de pessoas, sejam abertas ou fechadas — com exceção dos que criaram ambiente exclusivo e sem atendimento de garçom ou outro funcionário.

O gerente de apoio à fiscalização da Vigilância Sanitária do DF, Leonardo Corrêa, explica que, durante vistorias, auditores procuram por barreiras que impeçam a circulação de ar nos bares e pela sinalização específica — placas que indiquem que é proibido o uso de fumígenos em ambientes internos.

Foto: Rafaella Panceri/Jornal de Brasília.

Vistorias apenas durante o dia

Quando uma irregularidade é identificada, o estabelecimento é notificado e tem até 30 dias para se adequar às recomendações. O processo pode resultar na interdição do comércio ou em auto de infração sanitária. O processo é administrativo, julgado pela Vigilância Sanitária, e o acusado pode apresentar defesa. Depois de julgado, cabe recurso do empresário.

No entanto, a atuação dos fiscais é limitada por falta de efetivo e de flexibilidade. “A Vigilância Sanitária não tem conseguido acompanhar”, diz o gerente de Apoio à Fiscalização, Leonardo Corrêa, ao se referir às complexidades do mercado de bares de narguilé. Ele acres centa que as vistorias são feitas apenas durante o dia e que não há pagamento de horas extras para operações noturnas, o que dificulta o trabalho dos auditores.

“O que vemos de mais comum são comerciantes driblando as regras. Eles abrem uma tabacaria e um bar lado a lado e o mesmo garçom serve os pedidos de ambos. Pela lei, não é permitido servir alimentação dentro de tabacaria. Com poucos servidores e questões tão complexas, nossas ações estão amarradas. Estamos com dificuldades”, admite, mas pondera que o empresariado está mais “consciente” e tem se adequado à legislação.

A Lei 9.294 proíbe o uso de fumí genos em recinto coletivo fechado, privado ou público, destinado à permanente utilização simultânea de diversas pessoas. De acordo com o Decreto 8.262, de 2014, que regulamenta a Lei 9.294, entende-se que onde há toldo não é permitido o uso desses produtos. A multa, em caso de descumprimento, vai de R$ 5 mil a R$ 100 mil.

O Decreto 8.262/2014 estabelece que local coletivo fechado é local público ou privado, acessível ao público em geral ou de uso coletivo, total ou parcialmente fechado em qualquer de seus lados por parede, divisórias, teto, toldo ou telhado, de forma permanente ou provisória.


Saiba Mais

O uso de narguilés pode acarretar problemas graves. De acordo com o Ministério da Saúde, o fumo do narguilé pode provocar câncer de pulmão, boca e bexiga, estreitamento das artérias e doenças respiratórias.

Uma hora de uso do narguilé equivale a tragar cem cigarros, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS). O equipamento chega a durar em média de 20 a 80 minutos e é utilizado sobretudo por jovens entre 18 e 29 anos, que correspondem a 63%. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) aponta que, em 2015, 212 mil brasileiros usavam o narguilé.

Uma das explicações levantadas pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) para essa popularização é que o cachimbo é compartilhado entre várias pessoas, por isso o consumo acontece principalmente em ocasiões de convívio social.

Essa prática também representa um risco de infecções aos usuários, já que todos usam o mesmo bucal, como herpes, hepatite C e tuberculose. Como é derivado do tabaco, contém nicotina e 4.700 substâncias tóxicas também encontradas no cigarro convencional.

Fonte: Portal Brasil, com informações do Ministério da Saúde e Inca

 

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