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Brasília

Após 20 anos da morte de Galdino, tribo no DF destaca importância histórica de povos indígenas

Arquivo Geral

19/04/2017 7h00

Atualizada 18/04/2017 22h50

Cocar de penas brancas é uma marca dos Kariri-Xocó. Foto: Myke Sena

João Paulo Mariano
Especial para o Jornal de Brasília

Nildes Cauirã Pires, 43, é da etnia Kariri-Xocó e vive em uma comunidade de 13 famílias no Setor Noroeste. Ela é uma das 6.128 indígenas que moram na capital, segundo Censo do IBGE de 2010, e integra um dos 23 povos que aqui vivem. Para ela, a comemoração do Dia do Índio é “dia de luta”. No ano em que são lembrados os 20 anos da morte do índio Galdino, símbolo do esquecimento da importância histórica desses povos, eles lutam por reconhecimento, preservação da cultura e identidade.

Memória

  • Galdino Jesus dos Santos, conhecido como índio Galdino, foi morto aos 44 anos, no dia 20 de abril de 1997, por quatro jovens e um adolescente. O grupo ateou fogo quando ele dormia em uma parada de ônibus da Asa Sul.
  • Os quatro envolvidos que eram maiores de idade foram presos e condenados a 14 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado. O menor cumpriu um ano de medidas socioeducativas. Para lembrar o fato, foi feita a Praça do Índio na 703/704 Sul.

Os Kariri-Xocó chegaram a Brasília em 1986, quando a cacique Tanoné, chefe guerreira da tribo, precisou de uma cirurgia. Eles são originários da região do baixo São Francisco, em Alagoas. A cacique encontrou um parente que já morava na capital e resolveu se instalar aqui, mais precisamente na região onde atualmente existe o Noroeste, que à época era um local de mata fechada e cerrado preservado.

A comunidade é organizada em um espaço onde casas de madeira ficam ao redor de uma oca feita com orgulho pelo povo. O abrigo serve de ponto de encontro para que os mais velhos passem os ensinamentos aos mais novos, ou para que a comunidade tome decisões.

Como o solo e o envolvimento com a natureza são sagrados para a etnia, eles buscam viver da mesma maneira de quando estavam no Nordeste. Nildes Caiurã explica que o modo de organização da comunidade é preservado, desde os rituais religiosos à língua da tribo. Apesar disso, como uma forma de sobreviver, os integrantes buscam estudar, trabalhar com artesanato ou em área administrativa.

As tradições são tão fortes que o marido de Nildes Caiurã, Mateus Terena, 55, não participa de todos os rituais religiosos, pois tem os de sua própria etnia, os Terena, originários do Mato Grosso. Ele se sente privilegiado por ter se casado com a filha da cacique Tanoné e acredita que essas diferenças mostram como a cultura dos povos originários é rica. Os Kariri-Xoxó ainda produzem a pintura feita com argila branca e carvão e os cocares de penas brancas – um traço só deles – feitos com penas de garça e paturi.

O ritual Ouricuri, tido como base da tradição cultural deste povo, é um “refúgio”, segundo Djoan Cruz, 26. “Um momento sagrado, livre até dos preconceitos”, afirma. A tradição dura até 15 dias, em geral de janeiro a fevereiro, quando ocorrem danças e consumo de alimentos típicos da região onde a tribo se originou. Isso tudo é mantido no DF como forma de lutar pela preservação da identidade indígena.

Luta e resistência

Quando perguntada sobre o significado do Dia do Índio, a universitária e integrante da tribo Itanian Pires, 24, é contundente: “Apesar de tudo, é um dia de festa, pois comemoramos o que foi conquistado. A gente luta, resiste e continua a comemorar o fato de termos uma história de mais de 500 anos”. A jovem está grávida e, ao redor de uma fogueira na oca central, falava com orgulho da etnia, que já está acostumada a viver com o “homem branco” originalmente. Por isso, estar ao lado de prédios do Noroeste não seria ruim.

Saiba mais

  • Para comemorar o Dia do Índio, neste domingo, a partir das 10h, os Kariri-Xocó vão fazer um dia de canto e dança, com comidas típicas e artesanato. O valor de entrada é R$ 30 e vai ser utilizado para auxiliar o evento, completamente produzido pela comunidade. Eles convidam a todos.

Educação ajuda a lutar por direitos

“A presença indígena do DF é pequena, mas significativa”, explica mestranda de linguística da Universidade de Brasília (UnB) Nubiã Tupinambá, também integrante do Conselho Indígena do DF – instituição que, apesar de existir há anos, só foi institucionalizada no mês passado. As 23 etnias em Brasília têm cadeira e voz no conselho. Para ela, essa é uma forma de luta que vai buscar direitos específicos e marcar mais presença no DF.

De acordo com o último estudo dos povos originários, feito pela Codeplan em 2015, as três regiões com maior concentração indígena são Ceilândia (13%), Samambaia (8,5%) e Planaltina (8,6%) – local onde Nubiã mora com mais três famílias, mas precisamente no Vale do Amanhecer. Leandro Tupinikim, 31, veio do município de Aracruz, Espírito Santo, e estuda Medicina na UnB desde 2012. O desejo dele é voltar para sua terra com residência em saúde familiar para poder auxiliar mais o seu povo. Uma maneira de retribuir tudo que já recebeu.

Edgar Amony Pires, 37, integrante dos Kariri-Xocó, diz que o Dia do Índio representa a vivência do povo, que precisa de mais espaço. A outra filha da cacique Tanoné, Irene Samy Pires, 50, defende que não há o que comemorar. O preconceito os incomoda. A esperança é que isso mude com o tempo.

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