Menu
Brasília

Vítimas de atropelamento refazem a vida após trauma

Andrea fazia o que era apaixonada e ao todo ela pedalou por quase 6 horas, Andrea saiu às 16h de casa e retornou para a porta do condomínio às 22 horas

Redação Jornal de Brasília

05/09/2023 16h43

Reprodução/Agência Brasil

Por Vinícius Milhomem
Agência de Notícias do CEUB/Jornal de Brasília

“Motorista com sinais de embriaguez atropela três ciclistas no DF; uma está em estado grave”( manchete retirada do portal G1). partir de uma nova chance de viver, uma outra perspectiva nasce, Andrea Wolney, depois de sobreviver a um atropelamento quase fatal vivenciou uma mudança interna, diz: “ Eu era muito afoita, eu não ligava muito pros riscos que eu estava passando”, diz a psicopedagoga de 51 anos, que hoje é aposentada de carreira e ciclista de paixão.

Há quase um ano, na noite de 9 de junho, ela saiu de onde mora, em Vicente Pires, em um grupo com outras três ciclistas, elas fizeram o percurso pela via Estrutural até o Jardim Botânico e então repetiram o caminho na volta. Andrea fazia o que era apaixonada e ao todo ela pedalou por quase 6 horas, Andrea saiu às 16h de casa e retornou para a porta do condomínio às 22 horas.

Uma das colegas havia seguido o próprio caminho para a casa. Na frente do portão principal do condomínio na chácara 129 de Vicente Pires estavam Ândrea e outras duas amigas ciclistas, nos últimos preparativos para encerrar as atividades do dia. As três mulheres estavam próximas conversando quando um motorista embriagado, com um animal de grande porte, solto no banco do passageiro, e acima da velocidade permitida perdeu o controle do veículo e colidiu com as três ciclistas.

Os equipamentos e a bicicleta possuíam todas as sinalizações necessárias para o motorista ver as ciclistas à distância. “Atrás do capacete da bicicleta tem uma luz e na própria bicicleta também”, mostra Ândrea. Após o acidente, o motorista tentou fugir sem prestar socorro, mas ele foi parado pelos vizinhos que foram atrás dele.

Ândrea estava entre as duas colegas e foi a que recebeu o maior impacto. Ela foi arremessada com força contra o chão, o capacete de ciclista que estava usando rachou quase por completo. “No momento do impacto eu não senti absolutamente nada, eu fiquei inconsciente”, diz Ândrea com plena certeza. As colegas próximas não foram gravemente feridas e relataram que havia sangue escorrendo pelos olhos, boca, ouvidos e nariz de Ândrea. “O meu filho viu a hora que eu estava dentro da ambulância”, comenta.

Vinicius Wolney, de 24 anos, filho da vítima do atropelamento, relata: “Na hora que eu vi que era um acidente de bicicleta, eu já saí correndo pra checar se não era a minha mãe. O primeiro pensamento que veio foi: ‘Será que é minha mãe?’ e aí eu cheguei lá, eu bati o olho e tive até um momento de alívio, por alguns segundos eu pensei: ‘Não é a minha mãe’. Mas depois várias pessoas vieram me consolar de alguma forma e assim eu percebi que sim, era a minha a minha mãe dentro do SAMU”,

O filho chegou em casa poucos momentos após o acidente e viu quando a mãe estava entrando na Ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), ele estava voltando de uma academia em Águas Claras, local onde ele trabalhava como auxiliar administrativo. O jovem acompanhou a mãe até o Hospital Regional de Taguatinga (HRT).

Os médicos diagnosticaram o traumatismo cranioencefálico severo e imediatamente foi feita a cirurgia, a intubação e a drenagem do acúmulo de sangue no cérebro, causado pelos ferimentos na cabeça. Vinicius Wolney viu a mãe em coma induzido por nove dias e por grande parte desse tempo, foi pedido para manter as esperanças baixas quanto a sobrevivência dela.

A angústia e o medo do luto tomaram os pensamentos de um filho. Segundo ele, os médicos não deram boas notícias sobre a mãe. “Poderia ser que ela não sobrevivesse, porque ela estava em estado grave, né. Ela teve que ficar em coma induzido e nisso os médicos falavam pode ser que ela acorde daqui a uma semana, um mês ou pode ser que ela nunca acorde.”, diz o filho.

Recuperação de um trauma

Quando Andrea acordou após nove dias do acidente ela não conseguia organizar o pensamento e a fala coesa. O equilíbrio, a memória e a audição também foram afetadas após o acidente. Com a força do impacto, o labirinto foi severamente ferido, órgão na região interna da orelha responsável pela audição e pelo equilíbrio. Sobre a audição ela comenta: “Eu ainda não me recuperei totalmente, quando eu vou assistir televisão em casa eu coloco tudo no máximo. É muito difícil de entender o que as pessoas falam para mim”.

Nos primeiros meses após despertar, ela teve que ficar algumas semanas na cadeira de rodas e depois passou por três meses com a muleta para auxiliar na locomoção. Hoje em dia ela, graças ao acompanhamento médico, ela recuperou o equilíbrio e consegue andar normalmente, voltou a dirigir e até voltou a pedalar.

“Eu não pedalo mais na rua, nem na calçada, não pedalo no trânsito mais. Eu coloco a minha bicicleta no meu carro e vou pedalar só nos parques. Tive que ter muita coragem, todo mundo dizia pra eu não ir, mas mesmo assim eu fui e não senti nenhum tipo de tontura”, expõe com orgulho o feito.

O acidente a fez ter mais consciência dos perigos que os ciclistas passam diariamente nas ruas, “Depois de um acidente desses eu fiquei muito consciente dos perigos que a gente passa em qualquer lugar. A bicicleta é o meio de transporte mais vulnerável ”, comenta Andrea.

Passarelas e faixas de pedestre para quem?

Planaltina, Samambaia, Ceilândia e Sobradinho são os locais com o maior número de atropelamentos fatais no Distrito Federal entre 2019 e 2020. Estas regiões administrativas carregam o título de serem as mais fatais para os pedestres na capital que se vangloria por inventar a faixa de pedestres.

Ao comparar com o início do século, o número de vítimas de atropelamentos fatais entre 2000 e 2020 reduziu em 64% no Distrito Federal, segundo os dados preliminares fornecidos pela Secretaria de Mobilidade do Distrito Federal (SEMOB).

Segundo a urbanista, Ludmila Machado, para além das faixas de pedestre e passarelas a redução de velocidade nas vias, junto dos outros métodos de passagem segura, provou ser o método mais eficaz para combater o número de atropelamentos fatais no DF.

“Com a redução de velocidade dos veículos isso dá mais segurança para os pedestres, ciclistas e todos que estão na mobilidade ativa, aí isso é um problema que a gente vê no DF inteiro, né?”

Entre as quatro regiões administrativas citadas pelo SEMOB, a Ceilândia é a mais populosa, portanto a aparição da cidade na lista da secretaria não surpreendeu a urbanista. Em relação a Sobradinho e a Planaltina, ela comenta que há um problema muito grande envolvendo as rodovias.

“Alguns núcleos urbanos estão muito próximos de vias de alta velocidade, ai com isso a gente acaba tendo uma maior fragilidade, já vi locais com várias núcleos urbanos, mas em nenhuma passarela. Então as pessoas acabam atravessando entre os carros, então as pessoas não têm essa segurança”.

A profissional completa que a combinação fatal entre a falta de infraestrutura dessas regiões administrativas e as vias de alta velocidade são os principais causadores de acidentes fatais. “A gente tem muitas BRs pelo DF né, muitas rodovias expressas e aí isso faz que qualquer impacto possa ser muito grave e gerar muitos prejuízos para as pessoas e até ser fatal”, complementa.
Em um piscar de olhos

Um dia de sábado recheado de planos com uma sede de viver a juventude, a estudante de biomedicina e engenharia de 21 anos, Isabella Werneck, preparou o carro e foi em direção ao metrô, onde buscaria o seus amigos, que juntos iriam para uma festa no Altiplano Leste, depois da ponte JK.

Antes de se direcionar para a festa, ela iria buscar um grupo de amigos na casa de um deles. Isabella estava na Rua das Paineiras, que é uma via perpendicular à Avenida das Araucárias, a principal de maior fluxo em Águas Claras. A estudante estava parada no semáforo, próximo a ciclovia. Segundo Isabella, quando o semáforo abriu ela não percebeu o ciclista se aproximando e o atropelou.

“Eu sempre reduzo na hora de passar ali, né? Então, eu nem estava muito rápido, nem nada. Eu estava a 30, 35 km/h. Inclusive, se eu tivesse estado mais rápido, seria pior, porque na velocidade que eu estava, eu não consegui frear quando eu vi, porque eu já vi ele estava na minha visão, assim, periférica mesmo, eu não consegui frear. E eu só freei de fato quando ele bateu”, detalha Isabella

O homem estava indo em direção ao trabalho quando foi atingido. Ele caiu da bicicleta e teve ferimentos leves pelo corpo. Infelizmente a bicicleta foi quebrada. Segundo a estudante, ele utilizava esse meio de transporte para ir trabalhar todos os dias.

Graças a pouca velocidade o atropelamento não causou graves ferimentos. Diferente de outros casos que ocorreram desde o início do século no DF. Pois, segundo dados da Semob entre 2000 e 2020 ocorreram 2.625 casos de atropelamentos fatais no Distrito Federal

Isabella se ofereceu para levar o homem ao hospital, mas ele recusou. “E na hora ele concordou que estava errado e tudo mais aí eu perguntei se ele queria ser levado ao hospital ele falou que não que ele estava indo trabalhar na padaria né daí e sábado no horário de almoço”.

Arthur disse que a bicicleta era o único meio de transporte que ele tinha para ir e voltar do trabalho. Portanto o que foi acordado entre a estudante e ele foi que não seria necessário o homem pagar pelo conserto do veículo. “Na hora tem que tirar a foto exatamente do momento que aconteceu para ter esse atestado”, explica Isabella.

Amor de mãe

“Eu não vi nada, eu só corri atrás dela, eu passei pelo ônibus, só não passei pelo carro”, relembra Catarina Rodrigues, 61 anos, ao contar a história de quando ela salvou a filha de acidente fatal na avenida comercial, mas que infelizmente ela se feriu no processo de ajudar ela.

Em 2004, Catarina e a família foram comemorar o dia das mães em um restaurante na avenida comercial junto das duas irmãs e dos três filhos, incluindo a filha caçula Evellyn, de 4 anos de idade. No dia, ela e a família almoçaram e dividiram um sorvete. “Saí do restaurante segurando a mão da minha filha e os meus outros dois filhos ficaram atrás me seguindo”, recorda.

A família saindo do restaurante, Catarina estava segurando a mão de Evellyn quando a filha mais se solta e corre em direção a rua. A mãe e nem a filha se lembram exatamente do motivo da caçula correr em direção a rua, mas a intenção dela era atravessar a rua a qualquer custo.

Com uma força de vontade instintiva, a mãe corre atrás da filha sem pensar nas consequências, a única coisa que ela pensava era salvar ela de ser atropelada, mesmo que a vítima do acidente tenha sido ela. Nada importava, ela só queria salvar a própria filha.

“Eu corri atrás dela, ela passou o ônibus, mas tinha um outro carro vindo na faixa em que ela estava, mas ela passou pelo carro também. Eu não vi nada, eu só corri atrás dela, eu passei pelo ônibus, só não passei pelo carro. O motorista tentou frear o carro veio cantando pneu até que bateu em mim. Ele pegou bem na minha perna e me jogou pro alto. Eu subi no capô e bati de volta no carro e caí no chão.” conta.

Um grupo massivo de pessoas, inclusive as irmãs, sobrinhos e os outros dois filhos, rodearam Catarina para ajudar, mas as primeiras palavras dela não foram de socorro, foram perguntando pela filha. “A minha filha do outro lado da rua vendo tudo, minha irmã teve que ir lá buscar ela”, diz.

“Por sorte o carro pegou em mim, como na época ela era pequenininha, se o carro tivesse pego ela, ela não teria escapado, mas o anjo da guarda protegeu ela”, complementa. Mãe e filha separadas pela avenida e marcadas por um trauma, que levará anos para a filha processar e assimilar o que ocorreu.

“Toda vez que a gente tocava no assunto ela chorava e evitava, aos poucos fui falando pra ela que ela não era culpada. Só depois de muito tempo que ela fala normal sobre o que aconteceu”, complementa.

A recuperação de Catarina foi rápida. Ela foi ao hospital com o auxílio da família, e se recuperou em questão de semanas. Mas os traumas vividos ficaram marcados, não só na mãe e na filha, mas de todos que passaram por uma experiência traumática.

(Reportagem inspirada na canção Travessia do Eixão – Legião Urbana)

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado