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Brasília

Vídeo: a ginga cultural e social da capoeira em Samambaia

Símbolo da luta dos negros contra a escravidão, a arte marcial brasileira promove a inclusão como elemento educacional na Samambaia

Afonso Ventania

21/07/2023 6h57

Foto: Bikerrepórter Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

Embaladas pelo toque do berimbau, as crianças se exercitam em movimentos sincronizados ao som das cantigas entoadas pelo mestre Katita, um dos professores do projeto Arte Capoeira – Responsabilidade Social. Vestidas com calças e camisetas brancas, os cerca de 20 alunos formam um círculo no maior dos quartos da casa simples.

Construída com tijolos aparentes, a maior parte da residência não tem reboco nem forro no teto. Na entrada, o chão é coberto com brita para reduzir a poeira no tempo seco do Cerrado. O ambiente é humilde, mas muito acolhedor. Logo na entrada é possível perceber bancos coloridos e uma faixa grande grafitada com a expressão: “embalando sonhos”.

Em uma das paredes do quarto onde acontecem as aulas de capoeira, há espelhos que refletem a esperança de pertencimento no olhar de cada um. Lá, aprendem golpes para atacar o preconceito e esquivas para desviar dos contra-golpes da vida. Se no Brasil-Colônia os negros usavam a capoeira para lutar contra a escravidão, no país de hoje, os jovens gingam para garantir direitos e conquistar um espaço na sociedade por meio do esporte e da arte. É uma luta, mas tem música e dança para embalar os sonhos.

Foto: Bikerrepórter Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

Quem passa pela rua pode ouvir as palmas e a música que ecoam daquele terreno que recebe crianças, jovens e adultos para praticar a capoeira. As aulas são ministradas semanalmente no Complexo Cultural da Samambaia mas, durante as férias escolares, alguns praticantes foram encaminhados para a Oficina dos Sonhos, na mesma região administrativa. No total, o projeto Arte Capoeira atende 70 alunos. Entre eles, alguns têm algum tipo de deficiência.

Enquanto toca o berimbau e canta as músicas típicas da capoeira, Wesley Monteiro Rodrigues, o mestre Katita, seleciona uma dupla para jogar no centro da roda. Pernas fitam no ar, giros em torno do próprio eixo do corpo, estrelinhas e outras manobras acrobáticas são executadas a todo instante.

O mestre vai alternando os desafiantes enquanto os demais batem palmas fortes para incentivar os colegas e acompanham, em coro, os versos que contam a história da cultura afro-brasileira. A música e o berimbau determinam o estilo do jogo e a cadência da ginga dos pequenos capoeiristas. Todos estão eufóricos porque aprendem se divertindo e fazendo arte. A boa arte.

É durante o jogo que os alunos interagem diretamente. Eles aprendem, além da música, da dança, dos golpes, que é preciso cuidar do outro. Nesse jogo não há vencedores, mas aliados. No jogo da capoeira os movimentos são livres, independentes, sem coreografias e dentro das possibilidades de cada um. O limite de todos são respeitados.

Foto: Bikerrepórter Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

“O foco do projeto é contribuir com a formação do caráter dos jovens. E a capoeira desenvolve a arte, a cultura, o esporte e a educação valorizando a individualidade de cada um”, explica mestre Katita, formado em Educação Física e praticante da capoeira há 33 anos. Ele acrescenta que é importante também disseminar as tradições culturais e ensinar a musicalidade, dança e percussão dessa arte ancestral. O projeto é financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal.

Para a dona Francilene Gomes, moradora de Samambaia, o projeto Arte Capoeira mudou para melhor a vida do filho, João Miguel, de 7 anos. “Já tem dois anos que ele frequenta as aulas e melhorou muito a vida dele. Antes era muito quieto e não muito sociável. Agora tem muitos amigos e não gosta de faltar as aulas”, conta.

João Miguel Gomes e os demais alunos estão motivados e mais dedicados do que nunca. Isso porque estão treinando para o primeiro batizado do Arte Capoeira que acontecerá no dia 22 de julho, às 10h, no Complexo Cultural Samambaia. “Tô achando legal porque eu posso treinar e apresentar (o que aprendeu)”, comemora o jovem aprendiz.

Pedagogia da capoeira

A capoeira constrói relações de respeito entre mestres e discípulos de uma maneira lúdica e responsável. E é na roda que são transmitidos os conhecimentos e valores da arte marcial brasileira que é o símbolo de combate e de resistência cultural dos negros contra a escravidão.

Criada para proteger a cultura africana e a defesa pessoal, a capoeira contém elementos de dança, arte marcial, esporte, música e religiosidade. É com essas ferramentas que os mestres Kall, Katita e a professora Bia, fortalecem os valores morais dos alunos.

Nas aulas, eles ensinam como tocar e cantar músicas, como executar os golpes, esquivas e outros movimentos, mas, acima de tudo, corrigem os comportamentos errados na roda e fora dela. “Ensinamos a serem bons alunos, bons cidadãos e bons filhos”, diz o mestre Katita.

A reportagem acompanhou o treinamento da turma durante uma manhã inteira e percebeu que o certo e o errado na capoeira e na vida são indissociáveis. O aprendizado não se esgota na roda. A capoeira desenvolve uma pedagogia própria, uma filosofia de vida e, sobretudo, uma forma particular de pensar e agir no mundo. “Aprendi que a capoeira é uma arte que tem música, dança e que nos ensina muita coisa boa. Aqui dentro e fora da roda”, diz Caio Barbosa, aluno do projeto há seis meses.

É possível afirmar que a roda de capoeira é mais do que a soma dos elementos que a compõem. Ela une experiências e formas individuais e coletivas de ser e pensar. A roda é um ambiente democrático em que o praticante aprende a respeitar o espaço do outro e lidar com os seus próprios limites e dos seus colegas. Um aprende com o outro. A roda harmoniza as diferenças sociais, de gênero, de capacidade e qualquer outra. Cabe todo mundo.

De acordo com o mestre Kall, os alunos têm a oportunidade de praticar e conhecer a história da capoeira, porém, o mais importante é desenvolver o autoconhecimento, controle do corpo, consciência esportiva, trabalho em equipe, história e respeito ao próximo. “A capoeira resgata vidas, as transforma por meio da arte e do esporte e, acima de tudo, promove a inclusão social”, conclui.

Serviço:

  • Projeto: Arte Capoeira – Responsabilidade Social
  • Local: Complexo Cultural de Samambaia
  • Inscrições abertas: 61 98266 9896
  • Quando: Segundas, terças e quintas
  • Valor: Gratuito

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