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Brasília

‘Vão te cozinhar aqui dentro’, diz funcionário do Hran sobre emergência sem médicos

Arquivo Geral

25/12/2018 21h14

Emergência do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) no dia de Natal. Foto: Rafaella Panceri/Jornal de Brasília

Rafaella Panceri
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Além da violência, o feminicídio ocorrido na Estrutural escancarou outro problema: hospitais do DF ficaram sem médicos nos prontos-socorros durante o feriado de Natal. Natacha Cristina Rocha dos Santos, que morreu após buscar ajuda no Hospital Regional do Guará (HRGu), não foi a única a ter o atendimento recusado. O Jornal de Brasília compareceu a emergências das unidades públicas e constatou o problema. Pacientes procuram médicos e, mesmo com quadros graves como picada de escorpião, são orientados a esperar por tempo indeterminado. 

A Secretária de Saúde (SES-DF) não soube informar quantos médicos estavam escalados para trabalhar nos dias 24 e 25 de dezembro, com a justificativa de que as unidades de saúde são responsáveis por determinar a escala de profissionais que atuam no Natal. “A depender da demanda no período e do número de profissionais disponíveis”, informou a secretaria, sem responder se há déficit de médicos no sistema de saúde do DF.

A funcionária pública Paula Diniz, 49, não teve escolha. Após ser picada por um escorpião na perna, tentou atendimento em um hospital particular. No entanto, a rede privada não lida com esse tipo de caso. “Tem que ser em hospital público. Meu caso foi considerado grave, mas não fui atendida. Dizem que tem um médico de plantão e pedem para esperar. Estou sentindo muita dor, não consigo pisar no chão. Só queria um remédio”, reclama.

A mulher chegou ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran) às 12h50. “Acordei e, quando pisei no chão, senti a fisgada. Vim para cá e, desde então, só três pessoas foram chamadas. Uma a cada hora. É um absurdo. Não acredito que seja verdade essa história de que não tem médico”, opina.

No início da noite, os pacientes do Hran começaram a ser informados de que haveria troca de plantões. Na prática, isso significa que “não sabemos como vai ser”, segundo um funcionário. A secretária Ersângela Guimarães, 40, desistiu. A situação do marido era preocupante. Com a perna inchada e liberando líquidos, ele mal conseguia andar.

“Estamos aqui desde as 7h e ninguém faz nada. A suspeita é de trombose. Três pessoas entraram para consulta nesse período”, relata, confirmando a versão da funcionária pública picada por escorpião. “O caso dele não foi considerado grave, mesmo estando desse jeito. Não entendo”, compartilha. “Horas atrás um homem apareceu com um pé cortado e não foi atendido. Foi só uma equipe de televisão chegar que outra pessoa, também com um corte no pé, foi chamada”, tensiona.

‘Você está no hospital errado’
A família conhecia um funcionário do hospital. O homem saiu da área restrita da unidade para explicar a situação. “Rapaz, olhei aí dentro e está sem médico. Com a experiência que eu tenho, mais de 15 anos de Hran, você está no hospital errado. Você vai entrar pela clínica médica e vão ficar te cozinhando aqui”, afirmou.

A orientação do funcionário ao casal foi ir ao Instituto Hospital de Base (IHB). “Lá, a cirurgia vascular tem emergência. Tem médico de plantão o tempo todo. Aqui, só ambulatório e casos que pedem para o médico olhar”, sugeriu.

Infecção urinária, problema de outro paciente, não cabe na descrição feita pelo funcionário, aparentemente. Mesmo que a classificação de risco seja laranja. “Ele está vomitando, com dor de cabeça e dor para fazer xixi desde a semana passada. Hoje piorou”, descreve a professora Márcia Antunes, 49, ao se referir ao estado de saúde do marido.

“Tentamos ser atendidos no Hospital Regional do Paranoá, mas não tinha médico. Na rede particular, o feriado atrapalhou. Não tinha nada aberto. Estamos aqui há duas horas e classificaram como grave, laranja. É muito difícil”, lamenta. “Isso não é de hoje. Existe uma má administração, porque tem dinheiro. Temos direitos, mas eles não são garantidos. Os governantes estão com uma falta de pudor e de consciência humana generalizada”, critica.

Em resposta aos questionamentos sobre o Hran, a SEE/DF disse que o hospital opera, atualmente, com dois médicos — um responsável pela sala vermelha e outro que dá cobertura à porta de atendimento. “O que ocorre que é que a demanda por atendimento é muito grande, uma vez que boa parte dos pacientes leva aos prontos-socorros casos simples que poderiam ser atendidos nas Unidades Básicas de Saúde”, justificou.

Emergência do Hospital Regional do Guará (HRG) nesta terça-feira (25). Foto: Rafaella Panceri/Jornal de Brasília.

Nem médico nem triagem
No Hospital Regional do Guará (HRGu), havia apenas um médico disponível na tarde desta terça-feira (25). Ele estava por conta dos pacientes internados, de acordo com uma balconista. Quem procurou atendimento ouviu a explicação: “Vou fazer a sua ficha e fica a seu critério esperar ou não. Não tem previsão”.

Na sala de espera, uma garota com sintomas de apendicite, um homem com infecção intestinal e um rapaz com quadro de reação alérgica sequer passaram pela triagem. O auxiliar de escritório Anderson Correa, 29, tinha manchas vermelhas pela pele e temia piorar. “Estou com alergia e não sei a quê. Nem a triagem fizeram e não tem médico. Vim do Hran e lá a situação é a mesma”, denunciou.

A dona de casa Rute Cardoso, 40, chegou à emergência do HRGu às 15h50 para acompanhar o marido. O homem estava sem comer desde a véspera do Natal e, nesta terça-feira (25), começou a ter diarreia, vômitos e desmaios. “Falaram que só tem uma médica atendendo quem está internado e que devemos aguardar, mas não há previsão. Já passamos por isso antes. Não é novidade. Esse lugar não tem nem bebedouro. É um absurdo”, critica a mulher.

Durante a tarde, dezenas de pacientes procuraram atendimento na emergência. Ao chegar ao balcão, uma idosa relatou: “Estou com febre, tremendo de frio desde a madrugada”. Depois de fornecer nome completo, telefone e número do documento, ouviu a resposta padrão: “Aqui funciona assim. A senhora faz a ficha e aguarda. Fica a seu cargo aguardar ou não”.

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