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Brasília

Time de futebol feminino nasceu para prevenir gravidez precoce

O propósito do VEC é ensinar, pelo esporte, disciplina e planejamento, assim como oferecer às adolescentes a experiência de vencer na vida

Afonso Ventania

31/08/2023 7h03

Despertar nas adolescentes a experiência de vencer na vida sem precisar gerar outra vida. Essa foi a razão que inspirou o fundador da organização sem fins lucrativos, Villa Samaritana, Gustavo Simão, a criar o time de futebol feminino Villa Esporte e Cultura (VEC), em Planaltina do DF.

“Atendemos muitas meninas na comunidade que eram acostumadas a perder. Perder pais, irmãos, anos na escola, oportunidades e, principalmente a si mesmas. Tudo começou quando atendemos uma jovem gestante. Depois, outras apareceram. Vimos no futebol, uma maneira de prevenir a gestação precoce. Com o esporte, abrimos um caminho para despertar nelas a experiência de concluir algo, de ganhar mesmo que seja um jogo. Mostramos que, com disciplina, planejamento e esforço, é possível vencer na vida”.

Acostumado a trabalhar com pessoas em situação de vulnerabilidade, Gustavo percebeu de perto um problema social que vem aumentando drasticamente no Brasil; a gravidez na adolescência. De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), ferramenta do Sistema Único de Saúde (SUS), diariamente, 1.043 adolescentes se tornam mães no Brasil.

Foto: Divulgação Fiocruz

Informações divulgadas pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) revelam que um em cada sete bebês é filho de mãe adolescente. A cada hora, nascem 48 crianças no Brasil nessa situação. Estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que haja 68,4 nascimentos para cada mil meninas de 15 a 19 anos, representando 400 mil casos por ano. Especialistas na saúde alertam que gestação na adolescência pode resultar em maior vulnerabilidade ou riscos sociais para as mães e também para os filhos.

Diante deste cenário assustador que bateu à sua porta, Simão decidiu não esperar por políticas públicas, nem pelas escolas e muito menos pelas famílias e criou seu próprio modelo de prevenção à gestação precoce. Foi no esporte que ele encontrou a ferramenta social ideal para atrair as jovens e oferecer informação e acolhimento. “Vimos no futebol feminino uma forma de encontrar essas meninas que estão nessa faixa etária e social com risco de engravidar e despertar nelas o amor pelo esporte e torná-las atletas profissionais”, diz.

Inicialmente, Gustavo criou uma equipe de base, formada por garotas mais jovens, geralmente mais suscetíveis à gestação precoce. Mas logo percebeu que elas precisariam ter uma referência, um modelo de vitórias para condicionar a mente das atletas a ganhar. Foi aí que ele montou um time adulto com jogadoras experientes e acostumadas a vencer.

Para compor a equipe principal do VEC, ele escalou a renomada Janaína Santos, a popular Jajá, ex-jogadora do São Paulo e de outros times nacionais, e a bicampeã panamericana Tânia Maranhão. Zagueira da seleção brasileira por duas décadas, a maranhense disputou quatro Olimpíadas (1996 a 2008) e cinco Mundiais. Conquistou duas pratas olímpicas (2004 e 2008) e foi vice-campeã mundial em 2007.

“Montamos o time principal com jogadoras renomadas para as mais jovens conviverem com gente que ganha. Saber que existe um processo, mas que é possível vencer”, explica Gustavo.

Taís Almeida Carneiro, 31 anos, joga no VEC há seis meses. Ela tem uma filha de 10 anos que acompanha bem de perto seus treinos e competições. A atleta ressalta a importância de um time bem estruturado para acolher jogadoras mais jovens. “É super importante esse apoio, principalmente para as meninas que estão começando agora. Sempre tivemos muito pouco e ter um time que oferece toda essa estrutura para todas as idades, é muito válido”, comemora.

Para Beatriz Paz, de apenas 11 anos, integrar a equipe de base do VEC é a oportunidade de ocupar a mente e evoluir no esporte. “É uma chance de melhorar o meu futebol e evoluir para as categorias superiores. Fico muito honrada e feliz com a chance que o Gustavo me deu”, diz Bia, como é chamada no time desde que chegou há quatro meses.

Casa e “bolsa-atleta”

Com o objetivo de profissionalizar o futebol feminino na capital federal, o VEC acolhe jogadoras de todas as idades. Atualmente, são 35 atletas, entre nove e 48 anos. O projeto oferece moradia e uma espécie de “bolsa-atleta” apenas para as jogadoras do time principal. Sem contar com o apoio público, o aluguel da casa, a alimentação, a ajuda de custo e toda a estrutura que uma jogadora de alto rendimento necessita são custeados por uma rede de amigos e financiadores do projeto.

A casa de três quartos, cozinha, dois banheiros, varanda, churrasqueira, atende seis atletas de diferentes estados. Confortável e espaçosa, a residência oficial do VEC fica em Sobradinho II.

Uma das jogadoras que usufruem da moradia é a piauiense Geovana Rodrigues Rocha, 23 anos. De família humilde, a atacante sempre gostou de jogar futebol, mas precisava trabalhar para ajudar em casa, no Piauí. Depois de uma amiga enviar um vídeo para o Gustavo Simão mostrando seu talento para a bola, ela foi contratada e se mudou para Brasília. “Além de chegar na seleção brasileira, meu maior desejo é conseguir dar uma melhor condição financeira para a minha família”, conta a atleta que tem se destacado em torneios. Com a ajuda de custo que recebe do time, ela já consegue enviar um auxílio para os pais.

O técnico do VEC, Dinarte Duarte, celebra a boa fase do time que tem apenas 8 meses de vida. “Com pouco tempo de vida, tá muito melhor do que o esperado. O elenco é muito bom e já estamos em um excelente nível regional. Agora é nos estruturarmos para as competições nacionais”, declara. Ele acrescenta que a presença de atletas como a Tânia Maranhão e a Jajá transmite confiança às mais jovens. “Elas são referência e utilizam a experiência delas para passar calma e táticas de jogo para as meninas”.
Tânia Maranhão, uma das maiores referências do futebol feminino no país, recusou convites de vários times nacionais para estar ao lado de atletas mais jovens e transmitir sua experiência no futebol mundial.

“Essa oportunidade que o VEC está oferecendo é muito importante. Quando eu comecei não tive essa estrutura. Lembro disso sempre com as meninas e digo que elas precisam aproveitar essa chance. Meu sonho é ver as mulheres vivendo do futebol, assim como os homens. E enquanto eu tiver saúde vou lutar até o fim para conquistar essa condição”.

Desde o início dos trabalhos, em outubro de 2022, o VEC foi vice-campeão da Copa Sobradinho e Copa Planalto. As atletas agora se preparam para final da Liga Candanga.

Parceria de responsa

Natural de Belo Horizonte, Gustavo Simão conseguiu recentemente selar uma parceria com o Clube Atlético Mineiro, um dos maiores times do futebol brasileiro. “Apresentei pessoalmente o projeto ao Instituto Galo e eles gostaram muito por ser um time feminino e 100% gratuito. Em até 30 dias, toda a nossa base, até a categoria Sub-17, passará a vestir a camisa do Clube Atlético Mineiro”, conta. Com o acordo, o VEC será a única equipe licenciada pelo clube mineiro que é totalmente voltada para o futebol feminino.

Segundo o dirigente, a maior vantagem da parceria é o acesso ao aplicativo desenvolvido pelo clube, no qual as atletas receberão todo o treinamento. “Todo ano poderemos selecionar jogadoras para treinarem na Vila Olímpica ou convidar um olheiro oficial para monitorar nossas jogadoras”, conclui.
Villa Samaritana, muito além do futebol

O VEC é uma iniciativa da associação sem fins lucrativos Villa Samaritana, que, desde 2018, atua no Córrego do Arrozal, em Planaltina-DF e visa a promoção da justiça social e a transformação comunitária.
O objetivo é atende a população em situação de vulnerabilidade com atividades esportivas, cursos profissionalizantes para geração de emprego e renda. Outra missão da organização é o trabalho preventivo ao uso de drogas e oferecer atendimento médico gratuito à comunidade.

Como ajudar

O Villa Esporte e Cultura faz parte de um projeto social e, para se manter, conta com um sistema de “apadrinhamento”. Para contribuir, basta enviar mensagem para o Instagram da Villa Samaritana.

As interessadas em fazer parte do time precisam entrar em contato também pelo Instagram da Villa Samaritana ou da Academia do Atlético Mineiro, em Sobradinho.

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