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Brasília

Setor Comercial Sul Sofre com a saída dos negócios e 9.000 pessoas perdem o emprego

Enquanto o setor comercial culpa a presença dos moradores de rua, Ong culpa organização do território

Guilherme Pontes

12/03/2024 5h00

Foto: Guilherme Pontes

O empresariado do Setor Comercial Sul (SCS) está sendo sufocado. Segundo o presidente da Associação Comercial do Distrito Federal (ACDF), Fernando Brites, as poucas dezenas de pessoas em situação de rua no setor levaram, indiretamente, ao fechamento de mais de 1000 comércios e a perda de 9000 empregos. Comerciantes que ainda estão no local denunciam o sentimento de insegurança como principal causa do problema, mas organização que lida com os moradores de rua diz que o problema é mais profundo.

Andar no Setor Comercial Sul condena o passante a uma visão permeada de lojas com o portão baixado, de barracos montados pelos moradores e de rua e de tantas outras pessoas que passam por ali, e que somam 200 mil pedestres por dia. As lojas que não estão fechadas, sobreviveram a um movimento que tragou um total de 1522 comércios dos mais diversos, e os empregos que esses estabelecimentos sustentavam. Um dos lugares que ainda permanece ali há 14 anos é de Ubirailton Soares, empresário dono da pizzaria Melhor Fatia.

“Depois da pandemia, com a mudança dos moradores de rua para o setor comercial sul, a tendência do movimento foi cair cada vez mais”, relata. Segundo diz, a insegurança é o que inspirou o movimento para fora do bloco.

Funcionários e clientes eram constantemente assaltados a ponto de que não restava solução a um empresário dali que sair e tentar abrir de novo em pontos do setor comercial norte e setor bancário norte, que, Soares afirma, são os principais destinos das lojas. Seus antigos sete funcionários, na época da pandemia, também sofreram com a criminalidade. Hoje só ficou um, que, Ubirailton relata, mal consegue pagar.

Fernando Brites, presidente da Associação Comercial do Distrito Federal, diz que o processo de vinda de pessoas em situação de rua para o setor comercial sul é de longa data. “Quando se instalou a pandemia, o governo transferiu as pessoas em situação de rua para o autódromo. Só que essas pessoas não queriam ficar lá, elas queriam permanecer no Setor comercial sul, porque aqui passam cerca de 200 mil pessoas por dia, e essas pessoas dão donativos para os moradores de rua”, afirma. “Isso levou a uma insegurança muito grande que levou ao fechamento de mais de 1500 estabelecimentos.”

Segundo diz, a forma pela qual a Associação chegou aos números de quantas empresas deixaram o local foi através da desocupação dos prédios dessa parcela de Brasília. Antigamente as edificações eram cheias por empresas de diferentes ramos, como consultórios médicos, de advocacia, restaurantes e grandes lojas do ramo de vestuário.

Agora, no entanto, nove prédios estão totalmente largados, com grande parte das salas deles sendo oferecidos para aluguel considerando apenas o custo de condomínio e IPTU, e que, ainda assim, não atraem olhares de novos empreendimentos. “As empresas se cansam de ser assaltadas, da insegurança e vão embora. Isso aconteceu principalmente com restaurantes. Dos restaurantes da quadra 5, sobrou apenas um”, afirma.

Outro fator atrativo a população em situação de rua, segundo o presidente da Associação é a presença do Centro de Atenção Psicossocial, que se encontra ali desde o governo Rollemberg, aberto para todo o público, mas usado principalmente pelas pessoas que se abrigam em suas redondezas. “Aumentou o número de moradores de rua e aumentou a insegurança. Se você for fazer uma pesquisa no setor comercial sul e no setor produtivo, ninguém quer o CAPS ali”, disse. CAPS, ou Centro de Atenção Psicossocial, é um aparelho do Estado voltado ao tratamento de dependentes químicos.

A Secretaria de Saúde (SES) afirmou que o local, o CAPS AD III, conta com 1.104 prontuários ativos no momento, e que 57,5% das pessoas que são atendidas no local, são moradoras de rua. Segundo a pasta, “o acompanhamento no campo da atenção psicossocial acontece de forma longitudinal e por vezes não é linear. Há momentos em que a pessoa precisa estar mais no CAPS AD, para cuidado mais intensivo e há momentos em que é possível o cuidado em outros pontos de atenção da rede, de menor complexidade.” A Secretaria afirma ainda que o acompanhamento mental é a longo prazo e subjetivo e que o tratamento é voltado para construção da autonomia do sujeito e do acesso à cidadania.

Os números e indícios, no entanto, podem levar a uma falsa relação de causa e consequência, é o que afirma Rafael Reis, diretor do Instituto No Setor, ativo no local e que auxilia moradores de rua em diferentes campos, e por vezes advoga em favor dessa parcela da população. Baseado em um estudo do Centro de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (Cau DF) que investigou o motivo da taxa de desocupação do Setor Comercial Sul ter aumentado, Rafael diz que culpar a presença dos moradores de rua pela atual situação do Setor Comercial Sul é uma conclusão apressada e pouco refletida.

“O setor comercial sul, ao longo dos anos, principalmente em uma cidade voltada ao automóvel, ficou com a quantidade de vagas disponíveis bem abaixo do que os comerciantes precisariam oferecer ao seu público. Os prédios do setor comercial Sul são bem mais velhos do que em outras regiões, então o empresário migrou para outros lugares, outros shoppings que foram surgindo. Querer creditar os fechamentos a população em situação de rua, desconsiderando crise econômica e desconsiderando outros fatores é muito injusto e precipitado.”

Além dos fatores abordados pelo estudo, Rafael diz haver um motivo essencial para que o comércio esteja saindo de lá. Segundo diz, o projeto para a via não condiz com a realidade presente. Projeto esse prevê que o local pode ser ocupado por certos tipos de comércio mas outros não, tendo sido pensado há 30 anos atrás. “O setor comercial sul foi pensado para os bancos, repartição pública, e esses tipos de estabelecimentos já saíram daqui. Então qual que vai ser a utilização desses espaços? O Governo também tem que entender essa dinâmica. Aqui não cabe uma loja de móveis, mas cabe um bar”, afirma. “A gente tem aluguéis aqui bem baratos que poderiam ser utilizados para ateliê,  para estúdio de tatuagem, para outros empreendimentos da economia criativa.”

Rafael diz que repensar o espaço pode ser o segredo para o retorno da vida comercial à via, processo que já teria sido visto em outros países da América Latina e em cidades europeias como Barcelona e Madrid. Sobre a população em situação de rua, Rafael enfatiza, que a solução não está em afastar essa parcela da população das cidades, mas em políticas públicas bem planejadas.

A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) informou que a população em situação de rua que vive no Setor Comercial Sul é acompanhada pelas equipes de Abordagem Social, que viabilizam o acesso dessas pessoas à política de assistência social e de outras áreas, como Saúde e Educação, incluindo encaminhamento para o Serviço de Acolhimento Institucional, caso seja da vontade do delas. Destaca ainda que não é papel da pasta fazer remoção compulsória das pessoas mas sim, ofertar acesso a benefícios e serviços socioassistenciais. O Distrito Federal tem, atualmente, 2.938 pessoas em situação de rua, segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPE-DF).

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