Menu
Brasília

Resiliência: o doce sonho de um sertanejo

O “Paraíba do doce” caminha por todo o DF negociando as guloseimas para sustentar a família e acabar com a amargura de pagar aluguel

Afonso Ventania

23/10/2023 5h49

Foto: Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

“Olha o docinho da Paraíba. Olha o docinho que veio de jumento lá da Paraíba”. É assim, dessa maneira bem humorada, que Manoel Aprígio Irmão, 61 anos, anuncia os doces que vende pelas ruas do Distrito Federal para ganhar a vida. A dele e de toda a família. Pai de dois filhos, um especial, ele assumiu a guarda dos quatro netos. “Minha filha teve alguns problemas no casamento anterior e eu resolvi ajudar a criar os filhos dela”, explica.

Natural de Sousa (PB), Manoel vende doces há cerca de 20 anos. A simpatia vai de brinde. Pela maneira descontraída de abordar os clientes, logo ficou conhecido como “Paraíba do Doce”. Segundo cálculos do próprio Manoel, que mora em Ceilândia, ele caminha diariamente cerca de 30 quilômetros empurrando o carrinho de duas rodas em que leva uma pequena variedade de produtos; são doces de leite, de amendoim, de caju e a cocada.

Alguns são comprados de fornecedores do Nordeste, mas outros são fabricados pelo próprio Paraíba do Doce. Principalmente a cocada e o de amendoim, que ele apelidou de “lepo-lepo”, por causa da malemolência do doce. Ambos, aliás, são campeões de vendas. A fabricação é caseira. Toda feita onde ele mora, na Ceilândia. Depois de caminhar durante o dia, Manoel descansa um pouco e parte para a segunda jornada que é cozinhar os doces. “Compro tudo o que preciso no Ceasa e os meus netos me ajudam no que podem”, conta. Segundo ele, é comum ficar até às 22h na produção dos doces.

Foto: Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

A estratégia de venda é simples: ele dirige o carro antigo até uma região administrativa, estaciona, pega o carrinho com os doces do porta-malas e sai vendendo os doces pelos comércios locais. Principalmente em restaurantes e lanchonetes. O melhor horário, segundo ele, é depois do almoço. “Muita gente gosta de comer um docinho depois de almoçar”, conta, entusiasmado, a experiência. Para o nordestino que foi criado no calor e na secura do Sertão, os dias chuvosos são os mais difíceis. Tanto para caminhar como para as vendas que caem muito.

Antes de começar a caminhar pelas ruas da capital federal vendendo doces, Manoel trabalhava como cozinheiro em canteiros de obras. “Em um período que as obras diminuíram em Brasília, eu decidi mudar e passei a vender doces. Mas tenho irmãs que ainda trabalham em cantinas de grandes construtoras. Estão bem de vida. Mas gosto da minha independência”.

Chegada a Brasília

A família de Manoel chegou a Brasília na década de 70. Como muitos nordestinos, procuravam melhores condições de vida. O pai, Manoel Aprígio, chegou antes, em 1970, para preparar a estrutura e trazer a família cinco anos depois. No início, o patriarca cozinhava para os trabalhadores em construções e, mais tarde, conseguiu um emprego como mestre de obras. “Lembro que um dos prédios que ele ajudou a construir foi a sede dos Correios”, recorda.

Sertanejo de raízes fortes no Nordeste, Manoel vive entre a Paraíba e Brasília desde 1975. Ele passa uma temporada em cada unidade da Federação. “Às vezes passo uns três a quatro anos aqui e vou para a Paraíba dar um tempo. Fico lá por um ano ou dois e volto. Sinto saudades da família que tenho por lá mas, ao mesmo tempo, sinto falta da agitação de Brasília. Muitas vezes sinto falta até dos engarrafamentos no trânsito do DF”, relata, sorrindo.

Ao longo de todo essa caminhada, Manoel construiu um patrimônio modesto. Além do carro antigo ele também conseguiu comprar uma casa no DF. No entanto, por causa de um negócio mal-sucedido, hoje mora de aluguel. “Em uma das minhas viagens de volta para a Paraíba, vendi a minha casa daqui para comprar outra lá. Mas os negócios não deram certo e hoje preciso recuperar minha casa aqui em Brasília para a minha família”, lamenta.

Resiliente como todo sertanejo que peleja pela sobrevivência apesar das imensas dificuldades, o Paraíba do Doce dá um passo de cada vez para comprar uma nova casa e sair do aluguel. “Saio todos os dias de casa com esse objetivo. Cada doce que vendo é um tijolo da minha casa própria”. Apesar dos desafios, ele se considera feliz com o trabalho e agradece a Deus pela saúde para levar o sustento para a esposa e para os netos.

Foto: Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

O chaveiro José Luís, do Cruzeiro, é um dos clientes mais antigos de Manoel. Há 15 anos compra os doces do Paraíba. “Já provei todos os doces dele. São muito gostosos. Recomendo. Ele é uma pessoa muito bacana e o trabalho dele é muito bom”, diz. Para João Gabriel, dono de um dos restaurantes que compra os doces de Manoel, “quando o Paraíba do Doce chega é super bem recebido por todos. Ele é um cara que batalha bastante pelo sustento dele e fico feliz de termos transformado nossa relação comercial em amizade”.

Vender doces, para Manoel, é também uma oportunidade de se relacionar com as pessoas. “Tem gente que não gosta da maneira que me aproximo, fazendo graça. Mas é uma minoria. Sou muito feliz com o que faço e tenho certeza de que comprarei minha casinha”, conclui. Muito além do sonho, a esperança de Manoel reside na perseverança, no espírito empreendedor e no bom humor. E é com essas características, típicas do povo nordestino, que Manoel pretende transformar o sonho da moradia própria na maior conquista de sua vida. Afinal, o que não faz um pai, um avô, para sustentar a família?

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado