“A readequação da velocidade do Eixão é polêmica, mas precisamos enfrentar esse problema e mostrar o efeito que isso traz para a cidade e para centenas de famílias que são afetadas com atropelamentos fatais”, declarou o promotor Dênio Augusto de Oliveira Moura, titular da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
O promotor também coordena a Rede de Proteção da Mobilidade Sustentável e do Transporte Coletivo do DF (Rede Urbanidade) e concedeu entrevista ao bikerrepórter Afonso Ventania no 13° Fórum Mundial da Bicicleta onde foi lançada a quarta edição da revista editada pela entidade e que destacou como tema, a bicicleta. O encontro encerra neste domingo (8/9) e reuniu desde a última quarta-feira, na capital federal, centenas de ciclistas de vários estados brasileiros e de outros países para discutirem a ciclomobilidade com o objetivo destacar a bicicleta como alternativa sustentável aos veículos motorizados para minimizar a crise climática no planeta.
De acordo com Dênio Augusto, a redução da velocidade do Eixão de 80km/h, como é atualmente, para 60km/h, “iria contribuir muito para tornar o local mais amistoso com o pedestre, com o ciclista e com quem não tem condições de ter um carro”. O promotor propôs uma Ação Civil Pública (ACP) ao Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), em março de 2024, para pedir ao GDF a implementação de soluções que garantam mobilidade, segurança e acessibilidade no Eixão e nos Eixinhos.
Entre os pontos propostos, a redução da velocidade do Eixão visa garantir uma travessia mais segura para os pedestres e pessoas com deficiência e oferecer mais segurança aos ciclistas que usam aquela via para pedalar. A ACP exige também melhorias urgentes nas passagens subterrâneas consideradas pelo MPDFT como locais sem acessibilidade, insalubres e inseguros.
“Queremos retomar essa pauta, mas ainda há muito o que fazer em razão da cultura local da velocidade e do carro”.
Justiça
A Ação Civil Pública proposta pelo MPDFT à Justiça do DF cobra de vários órgãos e autarquias do Governo do Distrito Federal (GDF) a implementação de soluções que garantam mobilidade, segurança e acessibilidade a pedestres, ciclistas e pessoas com deficiência na travessia do Eixo Rodoviário e dos Eixos L e W, também conhecidos como “Eixão” e “Eixinhos”, respectivamente. A readequação da velocidade, no Eixão, é só uma das questões apontadas na ACP e vem ao encontro da tese do MPDFT que a redução para 60km/h reduziria sobremaneira os sinistros fatais.
O MPDFT também exige do GDF benfeitorias nas passagens subterrâneas no sentido Leste-Oeste do Plano Piloto. “As passagens subterrâneas perpendiculares a essas vias encontram-se em estado de total abandono, onde a degradação, a ausência/deficiência de iluminação, a imundice, a falta de acessibilidade e a insegurança obrigam as pessoas a se arriscarem entre os veículos automotores”, argumenta Dênio Augusto no documento.
Entre as partes demandadas em juízo, constam: a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), o Departamento de Trânsito do DF (Detran), o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF), a CEB Iluminação Pública e Serviços, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) e o próprio GDF.
Inicialmente, a Justiça do Distrito Federal barrou o pedido do MPDFT pela redução da velocidade no Eixão de 80 km/h para 60 km/h. Para o juiz Carlos Maroja que analisou a ação em tramitação na Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário, a medida exigiria mais debates envolvendo a participação pública em audiências públicas para “amadurecer” a proposta.
Sendo assim, o magistrado negou o pedido para a readequação da velocidade no Eixão, porém, determinou, por parte dos órgãos do GDF, a elaboração de plano de obras e ações destinadas a assegurar “a mobilidade, acessibilidade, segurança, drenagem de águas pluviais e iluminação suficiente nas passagens subterrâneas de pedestres ao longo de todo o Eixo Rodoviário”.
Andamento do processo
No dia 2 de agosto, o MPDFT protocolou réplica refutando os argumentos das partes citadas e pedindo que todos eles tomem providências em suas respectivas competências. “O juiz acolheu os argumentos apresentados pelo Ministério Público na réplica. Agora falta a análise de embargos de declaração (recursos) interpostos pelas partes”, informa Dênio Augusto. Segundo ele, logo que o juiz decidir os embargos de declaração deve ser aberta a fase de instrução probatória. A decisão interlocutória do juiz Carlos Maroja foi proferida no último dia 15 de agosto.
A instrução probatória é a fase de um processo em que se produzem provas para corroborar ou não os fatos alegados pelo autor. Esta fase é de grande importância para que o juiz possa analisar as provas e proferir a sentença. “É o momento em que o juiz avalia o meu pedido para fazer uma audiência pública convidando a sociedade civil organizada para debater o assunto e produzir provas em favor da tese que estou sustentando”, explica o promotor.
O Jornal de Brasília teve acesso ao processo no qual o DER-DF argumentou que “tem atuado de acordo com as premissas contidas no plano urbanístico de Lúcio Costa e que a redução da velocidade no “Eixão” não facilitará a travessia de pedestres e não descarta a fatalidade de possíveis sinistros envolvendo pedestres/ciclistas e veículos”. Nos autos, o órgão justificou ainda que realizou estudo técnico de velocidade regulamentar para definir a velocidade da via, “sendo que um dos critérios utilizados foi a média de acidentes com vítimas e que tais estudos chegaram aos valores de 74 Km/h no Eixão Norte e de 78 Km/h no Eixão Sul”.
Na réplica apresentada pelo promotor Dênio Augusto e que foi acatada pelo magistrado, o governo não apresentou iniciativas ou projetos para solucionar definitivamente a situação denunciada. Segundo os argumentos do MPDFT, os cidadãos são “obrigados, especialmente os mais vulneráveis, a escolher entre o risco de utilizar as passagens subterrâneas do “Eixão” e o risco de atravessar a via entre automóveis em alta velocidade”.
Em sua argumentação nos autos, o promotor público ressalta que o fato de Brasília ser uma cidade tombada não constitui empecilho à adoção de medidas de humanização de suas vias, mediante redução das velocidades máximas permitidas e implementação de infraestrutura adequada para a travessia de pedestres, ciclistas e pessoas com deficiência, como ocorreu, por exemplo, nas passagens subterrâneas das estações do metrô.
“De fato, a velocidade no Eixão não foi objeto de tombamento, assim como sua classificação como ‘rodovia’ não impede a redução da velocidade para adequá-la à sua condição de via urbana”, conclui.
Na sexta-feira (6/9), o DER-DF foi procurado pela reportagem para responder sobre o posicionamento do órgão sobre a readequação da velocidade do Eixão pedido na Ação Civil Pública e a assessoria de imprensa informou, por meio de nota, que responderá tão logo receba a resposta dos setores responsáveis. O Jornal de Brasília atualizará a reportagem no momento em que receber a resposta.