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Brasília

Feira da Ceilândia: “está com dor?” Saberes populares estão expostos em cascas e raízes

A voz que chama a freguesia é de Marcos Alves Barreto, 35 anos, vendedor de ervas e temperos desde 2010

Redação Jornal de Brasília

29/03/2022 17h18

Foto: Agência Brasília

Ana Paula Marques
(Jornal de Brasília / Agência de Notícias CEUB)

– Tempero, senhora? Arnica, barbatimão?

Em meio ao falatório intenso dos corredores na Feira Central de Ceilândia, região administrativa na periferia da capital do Brasil, pode-se ouvir uma voz destoando das muitas pessoas que passam pelos corredores, cheios de mercadorias de todos os tipos. A voz masculina convida quem procura produtos da natureza a visitar um estande carregado de verde.

– Garrafadas ? Folhagem seca? Temos de tudo!

A banca, localizada no box 319, é repleta de folhas, recipientes com temperos, cheia da cor vibrante das ervas e em destaque na prateleira mais alta estão as garrafadas que prometem curar a dor mais dolorida. A pequena loja carrega um cheiro peculiar da mistura de um mundo de natureza em meio a barracas da feira, assim como a placa anuncia: “Mundo das ervas: Chás, temperos e produtos naturais”.

A voz que chama a freguesia é de Marcos Alves Barreto, 35 anos, vendedor de ervas e temperos desde 2010. Vindo da Bahia para Brasília, ele diz já ter recebido o conhecimento dos produtos naturais de sua criação, mas só começou a colocar a mão nos temperos depois de chegar à capital. Trabalhou por quatro anos no shopping em cima do trânsito corrido do Planalto, o Conjunto Nacional, lá ele colocou em prática a teoria que recebeu da sua linhagem.

Depois da experiência com público de shopping, resolveu abrir uma loja para ser o próprio chefe. Era o primeiro de três empreendimentos. Foi a Taguatinga, onde ficou por dois anos, depois na W3 Norte, por mais três anos e na Feira Central de Ceilândia encontrou seu “ponto” de virada na vida.

“Aqui eu tenho uma grande variedade de produtos, chás para emagrecer, para diabetes e para colesterol. Pílulas naturais para malhar e cascas de árvores para fazer chá”.

Medicina da “pele” de árvores

As cascas de árvores medicinais ficam bem visíveis. Quem passa pelo corredor consegue enxergar o laço de fitilho que separa ,essas cascas, em espécies. As plantas expostas sem embalagem servem para tratar as mais diversas doenças. A que chama atenção é a casca de Barbatimão, encontrada em abundância no cerrado, por ser toda pigmentada em vermelho e por suas propriedades medicinais, segundo a sabedoria popular, são cicatrizantes e anti-inflamatórias, antibacterianas e podem ajudar no tratamento de infecções na pele.

Além disso, a casca dessa árvore pode ajudar no tratamento da saúde feminina – como hemorragias vaginais e infecções- de forma natural e prática, basta colocar as cascas em uma panela com uma quantidade razoável de água e esperar ferver. Está pronto o chá.

Lá existem outras variedades de cascas: Jatobá, Jurema Preta, Quixaba e Aroeira, cada uma traz uma solução para enfermidades.

“A casca da Aroeira serve para tratar azia,gastrite, artrite, bronquite e infecção urinária… Basta tomar o chá ou fazer banhos de assentos para o caso das infecções. Além disso, a aroeira pode ajudar a diminuir a febre e a tosse”, destaca Marcos.

A casca de aroeira foi muito procurada durante o ano mais recluso da pandemia, em 2020, segundo Marcos. Como somente o lado dos serviços de alimentação e o lado medicinal ficaram abertos durante o lockdown, Marcos continuou trabalhando e contou que apesar de perder 60% dos lucros, as ervas eram procuradas pelos mais velhos.

“As pessoas com mais idade vinham aqui atrás de chá para aumentar a imunidade, até tempero eles levavam para misturar no chá, como açafrão da terra mais conhecido como cúrcuma, que além de anti inflamatório aumenta a imunidade”.

Atchim!!!

A procura do público mais velho também é direcionada às tradições antigas. “Eles procuram muito por rapé”, garante Marcos.

O rapé é feito de tabaco misturado com cascas de árvores, ervas e outras plantas. É um pó que se inala pelo nariz, possui efeitos curativos e provoca o espirro. O rapé é originário da Medicina Sagrada indígena, uma tradição cultural e espiritual.

Segundo o Centro de Estudos Xamânicos, Serpente Sagrada, o rapé tem o poder de ativar o sistema límbico do cérebro, responsável pelas emoções e comportamentos. Ele é usado para caça dos índios, sendo estimulante, para tirar a “panema” (preguiça) e na hora da cerimônia do Nixi Pae (ayahuasca), as duas energias se unem e a Força vem com mais luz e mais profunda.

Garrafas que curam

A freguesia com história de vida – com mais idade- e o “pessoal da academia” como diz Marcos, são os que mais frequentam a banca, por tentar seguir a vida de forma natural sem os inúmeros industrializados que cercam a vida moderna.

As garrafas que prometem “curar tudo” são o cargo chefe da casa, 40% dos produtos vendidos são elas, que curam as diversas dores.

– Aqui as garrafadas fazem sucesso! São plantas medicinais geralmente misturadas com vinho ou com alguma bebida alcoólica, mas também podem ser misturadas com mel, vinagre, cachaça ou água. Elas ajudam a curar o intestino e doenças estomacais, depende da mistura.

Lá na prateleira de cima, os fregueses pode ler os diversos rótulos nas garrafas que prometem o alívio : Quebra Pedra, que ajuda a eliminar cálculos renais; Levanta o Velho, um composto sexual; Saúde do Útero, ajuda na saúde da mulher e a Garrafada Cura tudo, que quase cumpre o que o nome promete. Ela auxiliaria contra a gastrite, úlcera, pedra nos rins e no fígado.

Ajudaria ainda no tratamento da hepatite, na circulação, na contenção da pressão alta. Diminuiria varizes, e até ajudaria contra a prisão de ventre e no controle de diabetes. Tratamentos naturais ou crenças sem bula, seja como for, melhor consultar profissionais de saúde antes de se perder por entre as cores e cheiros da feira da Ceilândia.

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