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Brasília

Empreendedorismo: as “Petas do Frei”

Em apenas uma manhã, o padre Rogério Soares transforma pessoas socialmente vulneráveis em comerciantes em projeto que salva vidas

Afonso Ventania

25/09/2023 6h01

Foto: Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

“Empreender para prosperar”. Esse é o lema do padre Rogério Soares, idealizador do projeto de empreendedorismo social, Petas do Frei. A ideia, segundo o sacerdote, surgiu no início da pandemia do Covid-19, em 2020, quando ele percebeu que muitas pessoas perderam o emprego e estavam em dificuldades financeiras. Em agosto do mesmo ano, após encontrar um fornecedor dos biscoitos de polvilho em Anápolis (GO), começou a trazer o produto a granel e o empacotava na Paróquia Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora das Mercês, na 615 Sul, onde é a base do projeto.

“Eu precisava fazer alguma coisa para aquelas pessoas não passarem fome. Chegavam aqui na paróquia, sobretudo, cuidadoras de idosos e diaristas que, por causa da quarentena decretada à época, não podiam entrar na casa das pessoas e aí ficaram sem receita”, recorda.

Avesso ao assistencialismo, ele se inspirou em sua própria história de vida para inserir o empreendedorismo em sua missão sacerdotal. Quando garoto, ainda no Piauí, vendia petas (biscoitos de polvilho) feitas pela mãe para ajudar no sustento da família. “Eu evito dar esmolas. Se vender biscoitos na rua funcionou lá em casa, eu creio que todas as pessoas também são capazes de trabalhar pela sua sobrevivência como eu mesmo fiz.

Foto: Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

Algum tempo depois, ele incluiu a Cocada do Frei no plano de negócio. Sim, o padre criou um modelo de geração de renda para nenhum economista botar defeito. Nascido em Brasília e criado no Piauí, frei Rogério tem familiaridade com números porque é formado em Contabilidade. Antes de ser ordenado padre, em 2008, ele ainda cursou Direito. “Todo o dinheiro vai para os nossos empreendedores. A ação social promove o protagonismo das pessoas e nenhum centavo vai para a paróquia”, explica frei Rogério.

A notícia do projeto correu rápido no boca-a-boca. Logo, muita gente procurou a paróquia para se informar como participar da iniciativa. Uma das pioneiras foi a dona Maria do Socorro Silva. Logo que foi decretado o lock down, ela perdeu o emprego e quase entra em desespero. “Não sabia o que fazer até conversar com o frei e ele me falar do projeto. Foi quando arregacei as mangas e caí nas vendas.

Não só salvou a minha vida, como a mudou para muito melhor”, relata. Moradora da Vila Telebrasília, dona Maria do Socorro, não quis mais saber de procurar outro emprego e continua empreendendo até hoje. Já se tornou Micro Empreendera Individual (MEI) e hoje faz a maioria de suas vendas de bicicleta. “Sou mais independente e faço os meus horários”, comemora.

Café empreendedor

Foto: Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

“Eu transformo qualquer um em empreendedor em apenas uma manhã”, promete o frei Rogério. Para fazer parte do programa e ter direito a vender as petas e as cocadas do frei, todos os interessados devem participar do café empreendedor, uma palestra ministrada pelo próprio religioso todas as sextas-feiras, às 9h, na Paróquia Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora das Mercês, na 615 Sul. Depois do encontro, é servido um café-da-manhã completo com pães, bolos, sucos e café, onde todos se encontram e trocam experiências.

Na palestra, os participantes aprendem um pouco sobre educação financeira, técnicas de vendas e como abordar os clientes. Uma das técnicas ensinadas é ressaltar a qualidade das mercadorias. “É preciso informar que as petas são artesanais e não têm glúten. No caso das cocadas, enfatizem que têm pouco açúcar e são feitas no tacho, como na Bahia”.

O frei cria um clima bem motivacional e convida alguns empreendedores mais experientes a compartilharem testemunhos com os novatos. “Para se tornar um vendedor do projeto é preciso participar do café empreendedor. Ao final, todos têm o direito de levar 20 pacotes de petas e um pote de cocadas. Tudo consignado. Não é preciso pagar nada na hora”.

Foto: Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

De acordo com o padre, o nome e o celular do vendedor são anotados apenas para o controle interno. “Tudo é feito na base da confiança. Até por que eu deixo bem claro na palestra que o projeto só se mantém com as vendas e a honestidade de todos”. Segundo ele, o vendedor paga o preço de custo do pacote (R$3,00) e é orientado a vendê-lo por R$6,00. Já a cocada custa R$1,50 a unidade e valor sugerido de venda é de R$3,00. “Metade do dinheiro fica com o empreendedor e a outra metade volta para manter o negócio girando”, explica.

Antes de encerrar a aula de empreendedorismo, frei Rogério destaca: “não façam clientes, façam amigos, porque clientes mudam de marca”, conclui.

“Cidadania é ter dinheiro no bolso”

Padre Rogério destaca na palestra que é possível lucrar pelo menos R$ 2 mil por mês com as vendas das petas e cocadas. “Claro que depende de cada um. Já teve uma senhora aqui que, depois de algum tempo, montou uma padaria na Vila Telebrasília. É preciso ter disciplina”, conta.

Para o sacerdote, não há problema em enriquecer, em ganhar dinheiro honestamente. “Cidadania é dinheiro no bolso. Porque dinheiro nos dá liberdade de escolha e independência financeira. O ideal é que todos entrem em um supermercado e possam escolher os produtos que queiram levar e não apenas comprar uma cesta básica”.

No projeto de reinserção social pelo empreendedorismo criado pelo frei Rogério, o propósito é a geração de renda e melhorar a vida das pessoas. Segundo ele, empreender é a melhor solução para superar a pobreza. “Quem sabe vender não passa fome. Ninguém deveria ter medo de vender e de ficar rico. Empreender é de Deus”, salienta. E ele acrescenta antes de encerrar a entrevista: “quando vejo alguém pedindo dinheiro no semáforo, eu conto sobre o projeto e ofereço a oportunidade. As portas sempre estarão abertas para quem quiser trabalhar e prosperar. Se você encontrar alguém precisando de emprego ou pedindo esmola, dê o endereço da paróquia”.

Para ilustrar a iniciativa do pároco brasiliense, é possível parafrasear um conhecido dito popular que fala sobre “não dar o peixe, mas ensinar a pescar”. Assim, o sentido original do provérbio poderia ser adaptado para: “Dê ao homem um ‘pacote de peta’ e ele se alimentará por um dia. Ensine um homem a ‘vendê-lo’ e ele se alimentará por toda a vida”.

Foto: Afonso Ventania/ Jornal de Brasília

No caso de dona Nidinha, a Peta do Frei não representou apenas uma fonte de renda durante a crise financeira, mas a cura de uma depressão profunda. “Depois de uma confissão com o padre, ele me sugeriu vender as petas, mas eu respondi que tinha vergonha e medo de me socializar. Mas, depois que fiz o curso e fui acolhida pelo projeto, resgatei a minha vida social e ainda tenho uma profissão que eu amo que é vender”, diz, emocionada. Com o sucesso das vendas, Nidinha se tornou MEI e já viajou para Ilhéus (BA) para fazer turismo.

A reviravolta na vida de tantas pessoas mostra que ensinar a “pescar” ou, nesse caso, a vender, só é possível quando se oferece a estrutura e o conhecimento e, claro, empatia. Por essa razão, a ideia do frei não se trata apenas de vender petas e cocadas, significa também resgatar a autoestima e a cidadania de pessoas que um dia perderam a esperança.

Serviço:

  • Petas e Cocadas do Frei
  • Local: Paróquia Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora das Mercês, na 615 Sul
  • Quando: Todas as sextas-feiras, às 9h
  • Informações: @petasdofrei

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