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Brasília

Das RUAS ao mercado de trabalho

ONG brasiliense ocupa espaço urbano para garantir formação e lazer de jovens da periferia

Redação Jornal de Brasília

08/06/2021 0h00

Atualizada 07/06/2021 18h44

Foto: Divulgação

Mayra Dias
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“O trabalho da instituição é essencial na Ceilândia e no DF, e falo isso como jovem que iniciou todo esse trabalho como aluna do Jovem de Expressão”, conta Natália Botelho, de 26 anos. A pedagoga e produtora cultural participou de um dos diversos projetos da Rede Urbana de Ações Socioculturais (RUAS) e, hoje, integra o quadro de colaboradores da instituição. “Me ‘formei’ na RUAS, aprendi e voltei para casa para somar nas ações”, acrescenta.

Como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), a entidade foi criada, há 8 anos atrás, com o objetivo de promover a transformação social da juventude que vive nas periferias do Distrito Federal. Como uma das pessoas que, aos 20 anos de idade, teve sua vida transformada após conhecer a instituição, Natália garante: o propósito foi alcançado. “Quando entrei para a oficina de produção de eventos, em 2015, queria me capacitar e produzir melhor a Batalha de MC’s , que eu já ajudava a organizar”, relembra a moradora de Taguatinga. “Aos poucos, percebi que queria tornar essa atividade minha profissão, e foi através da RUAS que vi isso ser possível. A oficina me abriu portas para outros trabalhos”, completou.

Foto: Divulgação

Devido a grande rede de parceiros e produções envolvidos nos projetos da organização, e que acreditam nos alunos do Jovem de Expressão/Elemento em Movimento, Natália conseguiu co-criar um coletivo de produção de eventos chamado “Pé de Ipê”. Junto às suas colegas do curso, se propuseram a prestar serviços de produção executiva para eventos culturais da capital. Por meio do Pé de Ipê, ainda no ano de 2015, a jovem participou do “Satélite 061”, “Festival Internacional de Danças Urbanas Batom Battle” e “Festival Brasília de Cultura Popular”. “Tive a oportunidade de participar de novos projetos nos anos seguintes, tais como ‘Brasília Rock de Arena’, em 2016, ‘TEDx Brasília, ‘Móveis Convida Edição PicNik’, em 2017, o ‘Festival Taguatinga de Cinema’ e do ‘Porão do Rock’, neste mesmo ano”, compartilha a produtora.

Um mundo de possibilidades

O programa Jovem de Expressão, um dos maiores projetos propostos pela RUAS, promove oficinas culturais e de comunicação comunitária, construídas com base no empreendedorismo. Nele, também é realizado o Fala Jovem, um espaço onde os jovens dividem seus receios, suas preocupações e suas propostas para uma convivência social melhor. O jovem de Expressão criou o Laboratório de Empreendimentos Criativos (Lecria) e lançou o 1º edital de coletivos do DF.

Além do Jovem, muitas outras atividades são impulsionadas pela RUAS: Festival Elemento em Movimento, RUAS Convida, Galeria Risofloras, Lecria, etc. Todos esses, tem como finalidade dar ao jovem periférico alternativas de lazer, profissão, empreendedorismo, ócio, visão de mundo, acesso a livros, à internet, e a espaços culturais, coisas que, como lamenta Antônio de Pádua, coordenador da ONG, são básicas, mas no nosso país são privilégios. “A mudança acontece da simples manutenção de um centro cultural no coração de Ceilândia, local onde são realizadas inúmeras atividades com acesso a biblioteca, lan house, internet, salas de dança, teatro de bolso, cinemateca, etc”, esclarece o representante. Negócios como stage mídia (produtora audiovisual), Duca (produtora audiovisual e geradora de conteúdo), Pé de Ipê (mulheres produtoras de eventos) e RISOFLORAS (grafiteiras e artistas plásticas), foram iniciativas criadas por pessoas formadas na RUAS.

Atuando, desde 2018, como produtora executiva na instituição que a desenvolveu como profissional, Natália representa a RUAS na Associação Brasileira de Festivais Independentes (ABRAFIN), assim como também colabora com o funcionamento do Jovem de Expressão nas atividades cotidianas, como as oficinas, eventos, e campanhas. A moça também atua produzindo os eventos e as outras frentes impulsionadas pela organização, como é o caso do Festival Elemento em Movimento, do RUAS Convida e da Galeria Risoflora. “A RUAS é uma grande rede de ações, com muita gente trabalhando junto para realizar. Nunca ‘sai’ da RUAS após fazer a oficina, mas atualmente trabalho na organização e fico muito feliz em contribuir”, diz Natália.

“Nós somos os gestores de um dos maiores projetos de formação de jovens do Brasil, que inclusive serviu de modelo para a criação dos Centros de Referências da Juventude do GDF”, desenvolve Antônio. Como ele pontua, a principal característica das ações da entidade é trabalhar com o protagonismo juvenil, acreditando na autonomia do jovem em relação às suas escolhas e mostrando possibilidades de experimentação. “Questão essa que é praticamente impossível para jovens de periferia: experimentar possibilidades profissionais”, observa. Atualmente a Rede Urbana de Ações Socioculturais já impactou, de forma direta, a vida de 1.200 pessoas e, indiretamente, mais de 100 mil. “Só o Festival Elemento em Movimento, que está na 7º edição, movimenta mais de 20 mil pessoas em dois dias de atividades”, afirma o titular.

A pedagoga Rayane Soares, de 28 anos, é a coordenadora do Programa Jovem de Expressão. Assim como Natália, a colaboradora também se formou nesse projeto e criou, com ele, um laço que não a permitiu se desconectar do espaço. “Eu acredito muito no projeto. Nele, eu não apenas trabalho mas faço algo com impacto e relevância social. As mudanças que a gente observa no comportamento dos alunos e a alegria deles quando contam que conseguiram passar no vestibular é muito gratificante. Isso é o que me motiva”, expõe a moradora de Santa Maria. Como profissional, Rayane conta que o Jovem foi responsável por trazer sentido à sua profissão. “Acredito muito no poder da educação e, no momento, me sinto realizada com o meu trabalho”, conta satisfeita.

A ex-aluna revela que o projeto surgiu a partir de uma pesquisa a respeito do índice de violência nas cidades, onde a Ceilândia era quem liderava o ranking. No início, o plano era atender o pessoal dessa comunidade, mas com o passar do tempo e com o crescimento da ação, passou-se a contemplar pessoas de outras cidades. “Muitos jovens saem daqui trabalhando, criando seu próprio coletivo, e esse é um dos principais impactos trazidos pelo programa aqui no DF”, relata. O Jovem de Expressão é, hoje, o único espaço de juventude que fica aberto todos os dias da semana e que tem oferta de cursos, atividades culturais, espaços compartilhados e terapia comunitária. Sua singularidade, portanto, está na representatividade e acessibilidade dessas atividades. “É fundamental que tenhamos iniciativas como as da RUAS nas periferias, para gente começar já sabendo que é possível, que nós jovens temos um leque de opções e que só nos faltam oportunidades de ser, criar, executar”, argumenta Natália Botelho.

De “cidade dormitório” à formadora de profissionais

Como salienta Antônio, que também é um dos co-fundadores da ONG, a Rede é fruto da inquietação de jovens da periferia, principalmente de Ceilândia, em relação à centralização das atividades culturais e esportivas no centro do DF, no caso, no Plano Piloto. “As periferias sempre foram tidas como cidades dormitórios, onde a maioria dos trabalhadores saíam para trabalhar e só voltavam à noite para dormir. Essa realidade também se aplicava para o lazer e a diversão. Esse incômodo fez com que nós nos organizássemos para atuar na área de descentralização cultural e esportiva, além da formação de jovens”. Tal trabalho, por sua vez, é feito através da captação de recursos para uma ocupação saudável das ruas das periferias da capital.

“Fomos criados tendo a rua como único local de relação social. Não temos teatro, cinema, espaço de lazer e de esporte.. Essas atividades são desenvolvidas na rua mesmo, e esse local deve ser ocupado e ressignificado”, defende o coordenador. As ações da instituição não buscam realizar um trabalho assistencialista, mas colocar o jovem no centro da decisão e ação, de modo a empoderá-los. A RUAS, dessa forma, defende que a rua é sim um local de vivência, convivência e permanência saudável, por isso procura extrair o que de melhor e positivo ela tem a oferecer. “Descobrir que é possível ser remunerado e sobreviver do que gosta de fazer, não apenas do que é imposto como únicas formas de sobrevivência, muda a forma com que o jovem enxerga o mundo e encara a realidade”, finaliza Antônio.

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