Menu
Brasília

Das grades ao TikTok: conheça a rotina das “cunhadas”, companheiras de detentos

O sistema prisional brasileiro contém mais de 748.009 presos, segundo o Departamento Penitenciário Nacional de 2019

Redação Jornal de Brasília

28/06/2022 18h34

Foto: Agência Brasil

Ana Caroline Wanzelle
(Jornal de Brasília / Agência de Notícias CEUB)

Para muitos, o amor é cego. Mas, para as cunhadas, o amor mesmo atrás das grades continua forte, afetuoso e para sempre. Cunhadas, ou mulheres de presos, são sensações e fenômeno nas redes sociais. As “cunhadas”, como se chamam companheiras de presos nas redes sociais, mostram o dia a dia de mulheres que aguardam seus parceiros fora dos muros dos presídios.

O sistema prisional brasileiro contém mais de 748.009 presos, esses dados foram divulgados pelo departamento penitenciário nacional, feito em 2019. Sendo assim, 29% desses presos possuem relações estáveis e 10% são casados.

O termo cunhadas não é apenas um nome para as redes sociais, as cunhadas se consideram irmãs que através das redes sociais mostram a dura realidade da rotina de suas vidas. Em seus perfis, elas compartilham tudo, mostram a alegria de visitar seus maridos, humor, dancinhas, preparação de comidas, looks para irem aos presídios e a solidão e trabalho árduo de cada uma dessas mulheres.

Amor ao primeiro beijo

A “cunhada” Pâmela Santos, de 25 anos, moradora de São Paulo, está no seu relacionamento há 10 anos e 3 meses. Ela recorda que havia se mudado para a rua de seu parceiro e toda vez que Pamela ia para a escola, seu marido ficava no portão olhando.

“Pensei comigo que era coisa da minha cabeça”. Ela riu de forma apaixonada durante a entrevista para a Agência Ceub. ” Até que um certo dia ele pediu para o irmão dele pegar meu contato, e foi assim que começamos a trocar mensagens. Até que teve uma festa na vila onde morávamos e eu fui, ele me chamou e ficamos conversando até que ele me beijou, foi amor ao primeiro beijo”.

Pâmela conta que logo após o beijo seu parceiro a pediu em namoro, e assim, deram início ao relacionamento. “Porém quando conheci ele não sabia que ele estava envolvido com coisas erradas, quando fui descobrir. Foi quando ele foi preso”, diz Pâmela Santos. Seu companheiro foi preso por tráfico de drogas durante 6 anos, ganhou liberdade em novembro de 2020 e ficou apenas 10 meses em liberdade, nesse período Pamela engravidou do seu segundo filho.

“Ele ficou super feliz, mas o nosso mundo desabou com a revogação do processo dele, quando tivemos a ciência que ele iria voltar para o regime fechado ele ficou super mal, e não quis se entregar. Ele falava que só iria se entregar quando eu ganhasse nossa bebê, pois o sonho dele era assistir o parto”. Pamela ainda conta que nesse tempo percebeu que seu marido estava entrando em depressão por conta da situação, o medo e o desespero de voltar para a cadeia.

Pâmela complementa que seu marido era super presente e atencioso. “Ele não faltava em nenhuma consulta de pré-natal, sempre presente em tudo. Pois na gestação do nosso primeiro filho, Yuri, ele só acompanhou todo desenvolvimento privado, porque quando eu engravidei do Yuri ele já estava preso. Mesmo estando com descolamento de placenta fui visitar até ganhar o bebe, pois já é um sofrimento a cadeia, sem visita é pior ainda”.

Cuidadora de idosos

Pâmela Santos, além de mãe, esposa e cuidadora de idosos, também é blogueira. Sua publicação mais vista e comentada foi o vídeo no TikTok obteve 1.7 milhões de visualizações. O post mostra o dia em que seu companheiro tinha ganhado a liberdade do presídio. Pamela conta que seu relacionamento com a internet já faz uns anos, mas que obteve mais retornos através de vídeos do TikTok que viralizaram também no Instagram.

Ela explica com felicidade o que a motiva a continuar. ” O que me motivou e vem me motivando a cada dia a prosseguir essa luta e não desistir é o afeto que ele tem por mim independente do lugar que ele se encontra, minha família que sempre me apoiou e as pessoas que tem admiração e até mesmo se inspiram em mim, isso me fortalece”.

A ‘cunhada’ afirma que, no início, recebia diversas críticas, com o passar do tempo passou a não se importar. “Recebo muito mais mensagens de motivação, tem mensagens de cunhadas pedindo conselhos, outras enviam mensagens de admiração e por aí vai. Só sei que meu coração fica quentinho pois são muitas mensagens positivas, me sinto abraçada por esse público”.

A divulgação da realidade da cunhada é motivo de orgulho para o marido. “Ele sabe que compartilho tudo referente a minha luta, inclusive sempre quando vou nas visitas ele me conta que os colegas de cela comentam que as esposas falam sobre meus vídeos, e ele se sente orgulhoso por eu não ter vergonha dele, e expor meus sentimentos através das postagens e as lutas que venho enfrentando.

Pâmela conta que seu maior sonho mesmo é ter minha família completa novamente. “Às vezes eu me pergunto até quando essa situação. Meu filho me pergunta todos os dias pelo pai e eu digo que está trabalhando, e ele me responde sempre “Meu pai está demorando demais pra chegar do trabalho” isso corta meu coração, mas creio nos dias melhores que virão”.

“Nos conhecemos pelas redes”

A cunhada Carolyne Lyssa (foto abaixo) tem 23 anos. Ela trabalha como operadora de caixa na loja de seus pais e está com o seu parceiro há um ano e quatro meses. Seu marido foi preso pelo artigo 155, roubo ou furto. “Nós nos conhecemos através das redes sociais e começamos a sair, ele já havia sido preso outras vezes, ele já veio de “saidinha”, ele já ficou um tempo aqui na rua e foi preso de novo por uma ocorrência antiga, conta Lyssa.

Para Carolyne, a volta de seu marido para o presídio aconteceu quando menos esperava. “No caso do meu marido, eu não queria que ele fosse preso, mas às vezes tudo é por um bem maior. Na hora dói, pensar em viver a minha vida sem ele, com todo esse sofrimento com ele lá dentro, depois de fazer essas coisas erradas a gente tenta melhorar e dar o melhor de si. Tem gente que não vai pra frente mas tem outras que tem salvação sim e pensam em mudança”.

A cunhada Carolyne gravou seu primeiro vídeo e conseguiu 10 mil visualizações. “Eu fiquei encantada, não tinha nem noção de como ia ser, dentro de 1 mês as pessoas já estavam me reconhecendo e fui ganhando seguidores, tanto no tiktok e no instagram. Em alguns meses meus vídeos já atingiram 250 mil views, comenta Lyssa.

Carolyne conta que postar os vídeos é importante para conseguir ajudar e motivar outras cunhadas que passam pelas mesmas situações. “Muitas vezes algumas cunhadas estão meio perdidas e não sabem por onde começar, elas também me ajudam muito, não só as cunhadas, mas também outras seguidoras. Uma palavra confortante pra gente conseguir seguir em frente, faz toda diferença, porque tem dias que a gente tá bem acabada, e às vezes uma palavra ou ter alguém pra te ajudar e confortar é muito importante.

A cunhada explica o que a motiva a continuar com o seu parceiro. “É o amor que a gente sente um pelo outro e o respeito também, ele sempre foi uma pessoa que me fez muito bem, fez tudo por mim, sempre me respeitou em tudo, sempre me priorizou, por isso eu tô aqui hoje lutando por ele”.

Ansiedade

“A minha primeira visita foi pura ansiedade, eu pensei que eu ia morrer de tanto que meu coração batia acelerado. É muita emoção ver a pessoa que faz tempo que você não vê, a gente fica pensando como que é lá dentro, como são as pessoas”. conta Carolyne

A cunhada relata que a primeira visita foi difícil por não ter noção de como funcionava e pelo processo ser mais complicado pelos protocolos da COVID-19. “Tinha distanciamento por conta do COVID, então, um ficava sentado de um lado, outro de outro, com máscara e não podia nem chegar perto, nem abraço, nem nada, nem alimento podia levar, apenas conversar. Na época as visitas eram de duas horas, hoje em dia são seis e temos o direito à íntima, antes não tinha”.

Carolyne conta de forma saudosa que entre os piores momentos da visita, o mais difícil é ir embora. “ Quando os outros presos avisam que tá chegando o fim e precisamos sair da celas, é muito triste precisar ir embora e deixar a pessoa que você mais ama lá naquele lugar”, lamenta a cunhada.

Para o marido de Carolyne, os vídeos nas redes sociais são motivo de orgulho. “Quando ele via os meus vídeos e sempre me apoiou. Em tudo que eu faço ele me apoia, eu estando feliz é o que importa”. riu Carolyne. Ela explica que esse apoio é algo que ajuda ela e outras cunhadas do lado de fora das grades.

Carolyne explica que críticas e julgamentos nas redes sociais fazem parte da rotina. “ Eu recebo muitas mensagens positivas e negativas. As negativas eu nem leio, tento não me importar com isso. Leio o que que motiva e me dá força”.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado