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Brasília

Conheça o “Seco”, o criador de sonhos do Cruzeiro

Professor viu sonho de se tornar jogador profissional interrompido na infância, mas criou escola de futsal para inspirar crianças a sonhar

Afonso Ventania

10/04/2023 5h00

Afonso Ventania, o Bikerrepórter
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Muitos garotos sonham se tornar jogadores profissionais no único país pentacampeão mundial de futebol. Natural, já que o Brasil produziu o atleta do século XX, o já saudoso Pelé, e muitos outros jogadores que assombraram os gramados por onde passaram e foram eleitos como melhores do planeta: Ronaldo Fenômeno, Rivaldo, Kaká, Ronaldinho Gaúcho e Romário formaram uma geração campeã conquistando as Copas do Mundo de 1994 e 2002 e inspiraram milhões de jovens.

Alessandro Henrique Maciel Gomes era um desses meninos “peladeiros” que desejavam assinar contratos milionários e representar grandes times brasileiros e internacionais. Nascido no Cruzeiro, região administrativa do Distrito Federal, e flamenguista “roxo”, ele tinha como maior objetivo representar o país com a seleção brasileira de futebol.

Mas os sonhos precisam de persistência e coragem para ser realizados. E Seco, como passou a ser conhecido por causa do corpo esguio na época, seguiu o seu caminho com muita perseverança. Dedicava-se dia e noite, treinava como poucos e investia na sua carreira como dava.

Até que um dia recebeu um diagnóstico que mudaria os rumos de sua vida. E transformaria o destino de muitas outras crianças. Uma arritmia cardíaca o impediria de realizar o seu sonho de se tornar jogador de futebol. Mas a frustração, no entanto, não acabou com a sua capacidade de sonhar. Seco ressignificou sua perda e seguiu em frente. Descobriu na dor, que sonhos frustrados são, muitas vezes, a base para construir novos sonhos. Foi nesse momento em que, junto ao irmão Diego, criou a escola de futsal Ajax, para crianças, há 26 anos. Além das cores e do brasão da nova escola, ele idealizou o slogan influenciado pela sua história e que se tornou a frase de motivação para os seus alunos: “Nós somos o que sonhamos”.

“O amor pelo futebol era grande demais para se tornar uma frustração pessoal. Decidi ajudar a realizar o sonho de outras crianças”, ensina Alessandro.

Pela escolinha já passaram cerca de 10 mil alunos, segundo os cálculos do professor Seco, que atualmente não apresenta a mesma silhueta da juventude. Hoje ele tem 600 alunos nas 7 unidades do Ajax. Muitos deles seguiram a profissão do professor e ingressaram no curso de Educação Física.

E alguns deles até voltam à escolinha como monitores ou professores-assistentes. “Quando eu olho para quadra hoje e vejo que formei não apenas atletas, mas cidadãos de bem, profissionais, eu entendo que o meu sonho está sendo realizado”, comemora.

E pelo menos um dos seus alunos alcançou o futebol profissional. Tiago Reis migrou das quadras de futsal para os campos de futebol e jogou no Vasco da Gama. Atualmente defende o Botafogo da Paraíba. O irmão mais velho, Gabriel Reis, se formou em Educação Física e voltou para ajudar Seco em um projeto social, o Manobra de Vida (ver abaixo). “Entrei no Ajax aos 8 anos e joguei por alguns anos. Fico feliz em ajudar o professor Alessandro Seco, com quem aprendi muito, a dar continuidade ao trabalho e a levar o futsal para outras crianças de Brasília”, afirma Gabriel.

Alessandro é formado em Educação Física e ensina através do esporte muito mais do que técnicas e estratégias nas Três Quadras do Cruzeiro, onde ensina futsal para meninos e meninas, às terças e quintas, a partir das 18h. Na escolinha, as crianças aprendem o valor da amizade, cuidados com a saúde física e mental e a importância da inclusão social.

Um dos alunos da escolinha Ajax é o pequeno Luiz Eduardo Passos Ferreira, de oito anos. Morador da Cidade Estrutural, ele deixou a linha ao descobrir ter mais habilidade no gol. E por apresentar uma grande semelhança com o ex-goleiro da seleção brasileira tetra-campeã, em 1994, passou a ser chamado de Taffarel. “Não gostava muito da linha. Meu sonho é ser jogador profissional e chegar na seleção brasileira”.

Dona Beatriz Passos, mãe do pequeno Taffarel, é garçonete e faz todo tipo de sacrifício para manter o sonho do filho vivo. Ela matriculou o filho na unidade do Ajax, na Estrutural, há 4 anos, quando veio com a família do interior do Paraná. Mas depois de a escola ser fechada naquele local, ela faz questão de levar o filho duas vezes por semana no Cruzeiro. Com alguma dificuldade, já levou o filho até de bicicleta para não perder as aulas. “O professor Seco não ensina só o futebol, mas valores éticos. Meu filho se tornou ainda mais obediente e respeita muito as pessoas. Por isso, tiro (recursos) de onde não tem. Já atrasei algumas contas para pagar uber ou ônibus para trazer meu filho para a aula”.

Reggae e futebol

Para manter a escola Ajax, Alessandro Seco cobra uma pequena mensalidade dos pais dos alunos para custear uniformes, materiais e para bancar a folha de pagamento dos professores e monitores. Mas desde o início, a escolinha conta com a ajuda de um padrinho bem conhecido dos amantes do reggae nacional.

Alexandre Carlo, compositor e vocalista da banda Natiruts, é amigo de infância de Alessandro Seco e também sempre foi apaixonado pelo futebol. Em diversas ocasiões, principalmente no início, Seco recorreu ao amigo para comprar bolas e bancar viagens dos alunos para campeonatos fora de Brasília. Por isso, os uniformes estampam uma versão da logo da banda que mostra o rastafari chutando uma bola.

“O Alexandre nasceu no Cruzeiro como eu e se tornou um grande amigo. E ele queria ser jogador de futebol antes de ser músico e, por essa razão, sempre nos ajudou muito. Ele jogou até com o Amoroso, um dos craques que o DF exportou. Somos muito parceiros e até hoje assistimos alguns jogos juntos”, revela Seco.

A trajetória de Alessandro Seco mostra que sucesso não é apenas realizar os próprios sonhos. Não desistir diante de uma impossibilidade e restabelecer novos objetivos para manter vivos os sonhos de crianças é a maior lição que esse professor do Cruzeiro poderia deixar como legado. “Somos o que sonhamos. E cuidar de sonhos é o que nos mantêm acordados”, conclui.

Professor Alessandro “Seco” ensinando a garotada. Foto: Reprodução/vídeo Bikerrepórter

Manobra de vida

Além da escolinha Ajax, onde cobra uma taxa simbólica para manter as aulas, pagar professores e comprar uniformes para os alunos, o professor Alessandro Seco idealizou o projeto social Manobra de Vida para oferecer aulas gratuitas para crianças e adolescente em vulnerabilidade social.

As aulas iniciaram no início de abril e acontecem no ginásio do Cruzeiro, às segundas e quartas, das 8h ao meio-dia. Crianças de 10 a 17 anos, de ambos os sexos, terão acompanhamento de psicólogos e receberão aulas gratuitas de futsal, capoeira e poderão participar de oficinas recreativas. “Muita gente acha que não temos crianças em vulnerabilidade no Cruzeiro e elas são esquecidas. Com essa iniciativa, pretendemos compensar essa lacuna e oferecer esporte para quem não pode pagar uma escolinha”, diz.

O projeto contou com emenda parlamentar federal e tem parceria com a Administração Regional do Cruzeiro.

Serviço:
Projeto Manobra de Vida para meninas e meninos

Local: ginásio do Cruzeiro
Dias: segundas e quartas, das 8h ao meio-dia
Faixa-etária: 10 a 17 anos
Mais informações no instagram @manobradevida ou no cel: (61) 998695603

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