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Brasília

Com decisão de sair a ‘qualquer custo’ do Centro-Oeste, Brookfield deixou rastro de prejuízos sociais

O Jornal de Brasília apurou que, apenas na capital federal, quase 30 contratos não foram respeitados pela empresa

Lucas Valença

30/08/2022 5h00

Ao decidir encerrar suas operações no Centro-Oeste “a qualquer custo”, a construtora canadense Brookfield, uma das maiores e mais ambiciosas empreiteiras do mundo, atualmente chamada no Brasil de Tegra Incorporadora, deixou dezenas de dívidas em aberto.

O Jornal de Brasília apurou que, apenas na capital federal, quase 30 contratos não foram respeitados pela empresa. A companhia também deixou prejuízos sociais nas cidades em que passou.

Sob ordens do atual CEO da empresa, Ubirajara Spessotto de Camargo Freitas, a antiga Brookfield passou a se retirar do mercado imobiliário do Centro-Oeste a partir de 2015. Forte defensor da segurança jurídica por parte do estado, porém, Ubirajara comandou a saída da empresa sem se preocupar com o cumprimento dos contratos que haviam sido firmados.

Ubirajara Spessotto de Camargo Freitas

Na época em que a então Brookfield atuava em Brasília, a empresa trabalhava com o sistema de permuta de terrenos e/ou imóveis (quando um proprietário de terra cede sua área para que a incorporadora construa um investimento rentável para ambas as partes).

De um total de 52 contratos de permuta, contudo, firmados apenas no Distrito Federal, a multinacional cumpriu somente 23, demonstrando que a ordem de Ubirajara era clara, como revelou uma fonte da empresa: “deixar a região a qualquer custo”.

Os cerca de 30 acordos descumpridos e destratados pela atual Tegra, no entanto, expõem a forma como a companhia se reposicionou no mercado de 2015 em diante, sob a liderança de Ubirajara.

O mecanismo de permuta é muito utilizado por incorporadoras, como a Tegra. Segundo explicou ao Jornal de Brasília João Antônio, ex-diretor de Incorporações e Negócios da empresa, em lugares como o Distrito Federal, onde os terrenos são comparativamente mais caros com relação a outras regiões, a “maioria das negociações para aquisição de terrenos” ocorrem por meio de permutas.

“É muito difícil para uma empresa com o perfil de uma incorporadora imobiliária, que possui uma taxa de retorno a seus investidores a ser alcançada, adquirir um terreno a custos elevados, pois o retorno seria de longo prazo. Então elas partem para as chamadas permutas. A maioria das incorporadoras trabalham dessa forma”, contou.

Em uma entrevista concedida à revista IstoÉ, em 2017, o ainda presidente Ubirajara afirmou que, após 2015, a companhia “redefiniu as regiões de atuação”, concentrando as operações no Sudeste. “Nós diminuímos ou praticamente zeramos nossa operação no Centro-Oeste”, afirmou na ocasião.

A conduta adotada pela atual diretoria da Tegra, ao deixarem às pressas os investimentos no Centro-Oeste, contudo, contradiz as diretrizes da própria companhia.

Em seu portal, a multinacional destaca, em sua sessão de ‘compliance’, que a empresa se pauta pelos “mais altos padrões éticos”. No entanto, a companhia utilizou-se de métodos pouco ortodoxos para abandonar a construção civil nos estados fora do eixo Rio-São Paulo.

Responsabilidade social abandonada

Um dos edifícios mais falados e polêmicos da capital federal pelos problemas sociais causados no coração de Brasília, por ser localizado próximo à Esplanada dos Ministérios, ponto turístico que concentra o poder da República, é de sua posse. O contrato de permuta assinado pela empreiteira canadense sempre volta a ser destaque nos noticiários locais e nacionais pelos problemas que traz à cidade.

O hotel Torre Palace, que a Tegra acordou em construir um empreendimento imobiliário no lugar, após firmar um contrato de permuta em 2013 com os herdeiros do empresário libanês Jibran El-Hadje, virou ponto de tráfico de drogas a céu aberto.

O imóvel foi abandonado sob ordens do diretor de Incorporação da então Brookfield na região, Frederico Kessler, que tomou a decisão de suspender o investimento em concordância com as diretrizes de Ubirajara. O hotel, porém, continua a dar prejuízos à capital federal e à população do DF.

O curioso é que, segundo o Código de Conduta da empresa, a companhia “desenvolve, materializa, vende e entrega empreendimentos com alma”, mantra estabelecido pela multinacional. O hotel Torre Palace, porém, poderia ser interpretado como “sem alma”, ao funcionar como estabelecimento do crime após a Brookfield não cumprir o contrato de permuta e abandonar o empreendimento.

A forma como a Brookfield encerrou as atividades no Centro-Oeste também contradiz o Código de Conduta que estabelece que a empresa precisa “garantir o funcionamento eficiente das operações”, além de “construir negócios com integridade”.

“A companhia está atenta e disponível para colaborar com o desenvolvimento social das populações nos locais onde atua, e de atuar no sentido a manter relações de respeito e de cooperação com todas as partes envolvidas em suas atividades”, diz o documento ignorado.

Vale ressaltar também que o hotel abandonado já foi leiloado pela Justiça do Trabalho duas vezes, para o pagamento de ex-funcionários, mas ambas as tentativas foram suspensas e anuladas.

O trabalho “desastroso” da Brookfield no Centro-Oeste, como classificou uma fonte, também é refletido nas mais de 1 mil ações contra a empresa apenas no TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios).

Procurada pela reportagem, a Tegra Incorporadora se limitou a informar que “a companhia cumpriu todas as suas obrigações e não comenta ações em andamento”.

Conheça a empresa

Abrindo capital no Brasil em 2006, quando ainda se chamava Brascan, sendo seu nome alterado para Brookfield três anos depois e para Tegra em 2017, a empreiteira é uma das grandes multinacionais do setor com cerca de US$ 270 bilhões investidos em mais de 30 países.

No Brasil, se beneficiou com o enfraquecimento das grandes construtoras brasileiras que foram atingidas pela operação Lava Jato. A empresa canadense chegou a concluir e a construir empreendimentos imobiliários e no setor de energia que antes era ocupado por empresas brasileiras como Odebrecht e pela própria multinacional brasileira Petrobras.

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