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Brasília

BSB 64: amor e coragem na construção de Brasília

Marilda Porto, pioneira e esposa do primeiro médico da capital, enfatiza necessidade de preservação da memória dos candangos

Vítor Mendonça

17/04/2024 6h01

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

“É amando que se aprende a cuidar. Sem amor, ninguém cuida”, declara uma das pioneiras de Brasília, Marilda Porto, de 84 anos, que chegou à capital em 1957 para acompanhar o marido durante a construção da prometida cidade planejada, no centro do país. Nestes 64 anos Brasília, a professora destaca a necessidade de conscientização dos jovens para manter a memória dos candangos protegida.

A construção de Brasília foi marcada pela coragem de grandes homens e mulheres que, impelidos pelo sonho de levantar aquela que seria a nova capital, enfrentaram os desafios do desconhecido e se dispuseram a colaborar para o surgimento da cidade planejada. Entre eles, o primeiro médico de Brasília, Edson de Araújo Porto, esposo de Marilda, que veio ainda solteiro em 1956 para acompanhar a construção do Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira – inaugurado em junho de 1957, o primeiro da capital – onde hoje está o Museu Vivo da Memória Candanga.

Marilda destaca a importância do empenho por parte de todas as pessoas envolvidas no processo de mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília.

Marilda Porto

“Mas principalmente gratidão a esses trabalhadores, de maioria do nordeste, com a disposição para contribuir para essa construção. Deveriam ser muito aplaudidos por nós. Vieram muitos por necessidade, sim, mas tiveram que abdicar da companhia da família para estar aqui sozinhos. Nós temos que valorizar e aplaudir esses trabalhadores. Devemos a eles essa beleza que nós temos hoje, essa capital”, afirmou.

Trabalho árduo

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

Eram quatro turnos de revezamento de trabalho para conquistar a missão empenhada por JK: 50 anos em 5, conforme dizia o slogan do político para erguer Brasília. “A construção não parou em momento algum. […] Eu ouvia o barulho [dos trabalhadores] dia e noite. Como não existia cidade e era um cerrado baixo, propagava o som lá do Palácio do Planalto. Olha que coisa bonita. Fomos embalados pelo som da obra”, relatou.

A coragem dos trabalhadores era inspirada, conforme Marilda, pelo sonho de JK para a mudança da capital. “Eu sentia que todos eles tinham grande admiração por Juscelino. Ele era respeitado e admirado por todos pelo que pude sentir. Eles queriam cooperar para essa epopeia. Trabalhavam com vontade e sempre com esperança de que Brasília seria inaugurada em 21 de abril de 1960. Todos sabiam e esperavam por isso”, destacou.

Todo fim de semana, os operários e os engenheiros faziam uma programação diferente, com muita música e união. A cada nova conquista – um prédio finalizado, uma rua asfaltada, etc. – todos comemoravam com muito entusiasmo. “Acendiam fogo no chão, lá na Esplanada, e o Juscelino vinha e comparecia com aquela alegria. Cumprimentava e encorajava os trabalhadores e passava uma mensagem de amor e otimismo para os operários. E eu ia em todo churrasco”, disse.

No dia da inauguração, a comemoração não seria diferente. Edson e Marilda, porém, ficaram no Hospital JK juntamente com toda a comunidade de médicos e enfermeiros, esperando pela anunciação da inauguração, programada para acontecer às 00h do dia 21 de abril, no Dia de Tiradentes. “Nos reunimos na frente da minha casinha, porque não cabia todo mundo dentro. […] Quando chegou a notícia, nós ficamos em uma euforia tão grande que ninguém dormiu até amanhecer o dia”, descreveu.

No mesmo dia, por volta das 17h, todo o povo da nova capital estava reunido em frente ao palanque do Palácio do Planalto para assistir à entrega da chave da cidade nas mãos de Juscelino Kubitschek, simbolizando que Brasília havia sido oficialmente entregue. Edson, Marilda e a filha de colo, à época com 8 meses, compareceram ao evento.

“Nós estávamos lá na frente assistindo àquilo. E foi muito comovente. Uma alegria de um dever cumprido, das pessoas que trabalharam. Essa alegria nos contagiou. Eu não trabalhei para a construção, mas eu ajudei meu companheiro a resistir, trabalhar, então cada um teve seu papel. Esse dia foi glorioso para nós. Glorioso.”

Um novo amor para a capital

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

Foi no sábado de 31 de agosto de 1957 que Marialda e Edson se conheceram. Ela, à época com 17 anos, conheceu o médico, aos 25 anos, em Goiânia, durante um baile dançante organizado pelo Jóquei Clube da cidade. O evento em um dos salões mais imponentes da organização foi marcado para um desfile de chapéus, inédito. O espaço era muito frequentado pelos jovens da idade de Marilda. “Era o que tinha na época para os jovens, os bailes. Colocavam as melhores roupas e iam”, contou.

Naquele tempo, segundo ela, as mulheres se arrumavam com cachos nos cabelos para ir aos bailes e colocavam as melhores roupas. Marilda não queria ir, mas a tia já havia comprado uma das mesas. “Não tinha arrumado meu cabelo nem nada. Falei para ela [a tia] que não queria ir. Mas ela disse que eu iria. E naquela época, a gente obedecia muito, então fui, contrariada”, destacou.

Chegando no baile, Marilda logo se animou após encontrar um amigo de infância, que a acompanhou nos primeiros momentos na pista de dança. Do outro lado do salão, estava Edson, que foi ao baile juntamente com outros engenheiros da Novacap – eles souberam que moças bonitas estariam no local. “Quando ouviram que tinha uma festa em Goiânia, enfrentaram uma estrada de chão – porque era longe – com um jipe da Novacap e foram ele e outros engenheiros”, contou ela.

“Enquanto estava dançando com meu amigo no meio do salão, ele me viu – e ele estava do outro lado. Ele atravessou aquele salão e foi parar na mesa da minha tia. Foi corajoso. Se apresentou para minha tia, beijou a mão dela e ela achou ele educadíssimo – ele enganou bem, porque ele queria mesmo era impressionar aquela pessoa mais velha que eu estava na companhia”, brincou Marilda. “E me chamou para dançar.”

Durante a dança, Edson contou sobre a profissão e que morava no local onde seria a futura capital do país. Na conversa, já marcaram o próximo encontro para o evento da “Manhã Dançante”, que seria na manhã posterior, de domingo, no mesmo local e com a mesma orquestra. No dia seguinte, 1º de setembro de 1957, antes de o pretendente chegar ao salão, Marilda contou para as amigas que ele era mais velho – o que as fez caírem na risada.

“Ele apareceu de terno, o que não era comum para um jovem de 17 anos, e elas riram. Mas ele era esperto e as colocou no bolso. Pediu licença, conversou com todas elas e já as cativou”, disse. A conversa seguiu caminho, mas ele precisava voltar para a futura Brasília para trabalhar. A partir de então, foram diversas cartas escritas pelos dois para manter contato e continuar o que caminhava para ser um relacionamento duradouro. “Ele escrevia muito bem”, lembrou.

O amor floresceu e dez meses depois, em 12 de julho de 1958, os dois se casaram. “Ele foi esperto porque queria me trazer para cá, estava se sentindo sozinho e queria casar. Quando ele achou que encontrou a pessoa certa, logo pensou que não podia perder – e foi o que ele fez. […] Estava feliz da vida porque eu tinha um príncipe encantado que eu encontrei. Ele era muito atencioso.”

Após a lua de mel, foram morar em Brasília, ao lado do hospital. A casa simples, de madeira, ainda está no mesmo local e se tornou uma das instalações do Museu Vivo da Memória Candanga, próximo à entrada do Núcleo Bandeirante, onde os visitantes podem conhecer mais da história dos candangos – como eram chamados os primeiros trabalhadores a chegar na região para erguer a nova capital.

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