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Brasília

Ateliê em São Sebastião utiliza tinta para tirar jovens da rua

Guilherme Pontes

29/02/2024 16h24

Foto: Guilherme Pontes/ Jornal de Brasília

Em uma rua perto da Administração de São Sebastião, nos cantinhos da cidade, as paredes das casas são permeadas de figuras de animais, paisagens, críticas e uma metáfora da fé de Francisco, em que pessoas usam uma cruz como ponte para chegar do outro lado de um rio turbulento de chamas. É nessa rua em que está a casa de Chico Metamorfose, e as pinturas nas paredes são uma amostra do que seus estudantes conseguiram alcançar aprendendo no espaço.

Francisco Bastos da Costa, mais conhecido como Chico metamorfose, é um artista plástico de São Sebastião que, após se recuperar do alcoolismo em 1997, começou um projeto para ensinar crianças a pintar e desenhar. Segundo ele, já foram mais de 10 mil jovens ensinados a se comunizar através do pincel, de maneira a afastá-los das ruas e dos vícios.

A área da casa do artista tem as paredes permeadas de quadros, uns de Chico, outros de seus estudantes, é ali que funciona seu ateliê. Ali, jovens aprendem conceitos de luz, sombra, proporção, as principais técnicas na pintura a óleo, e a se portarem como profissionais e cidadãos. O baiano de sorriso aberto e jeito simpático diz que afetar positivamente a vida das crianças, e botá-las num caminho que ele mesmo não seguiu em sua juventude, é sua missão de vida. “Depois que passei na casa de recuperação aqui em Ceilândia, foi que acordei para dizer para mim mesmo ‘Eu sou um cidadão, eu tenho uma profissão e eu vou atender todos aqueles que estão perdidos, ou aqueles que não se acharam’”, afirma.

Uma das pessoas atendidas por Chico foi Ludmilla Vitória Alves, de 11 anos. A jovem pintora gosta de passar paisagens verdes e exuberantes para a tela e diz que sempre gostou de desenhar com lápis de cor, mas que só veio pegar num pincel nas aulas do ateliê, aos 9 anos, quando foi matriculada pelo avô. “A coordenação motora melhorou, antes eu não conseguia pintar na linha, mas agora eu tô fazendo tudo certinho. Vamos dizer que eu sou a melhor da minha sala de artes”, diz. Apesar das habilidades desenvolvidas, e do gosto pela prática artística, diz que pretende levar a pintura como um hobbie, e que sua verdadeira paixão está no esporte. “Eu prefiro vôlei, quero ser jogadora”, afirma.

As aulas no Ateliê funcionam atualmente com 10 alunos por turma, de modo que Chico possa dar a todos uma atenção especial. Quando ele vê que uns alunos conseguiram pegar o jeito com as tintas, os incita a passarem isso para frente como instrutores de seus colegas. É um espaço de troca de saberes constante de todos os lados, querido e conhecido pelos cidadãos da região administrativa. Toda essa riqueza, conta Chico, começou com a pintura de uma coruja num cenário noturno, já um pouco desgastada pelo tempo, e que não é a maior nem a de cores mais vibrantes exposta no espaço do pintor.

A coruja foi pintada em 1997, enquanto Chico ainda estava na casa de recuperação em Ceilândia numa pausa para descanso depois de ele e outros pacientes da casa terem capinado parte de um terreno sob o sol quente. “Eu senti que estava perdendo tempo, porque eu estava lá, na casa de recuperação para recuperar a minha autoestima, tudo que eu perdi, mas eu já me sentia recuperado. Então eu não queria ficar fazendo uma coisa que não ia contribuir para a minha vida artística, eu já ficava acelerado e queria pintar, foi onde a coruja nasceu”, relata.

Ao sair de lá, a inspiração, e a vontade de trazer aos jovens uma perspectiva de vida que ele mesmo não tinha até então lhe veio como uma missão que ele executou mesmo sem ter um espaço seu. No quarto alugado de um antigo vizinho da rua, foi onde ele começou o projeto, primeiro como uma casa de louvor, para levar seu testemunho a frente, depois como uma escola de pintura. “Foi um sucesso total quando eu abri. Abri como um culto em louvor a Deus, agradecendo pela minha recuperação e as crianças começaram a ir, e daí foi uma chuva de jovens e pessoas chegando, se formando e ficando. Quem se formava se tornava professor para ensinar quem estava entrando, o que tem se perpetuado até esse ano de 2024”.

Chico se diz feliz com até onde sua missão o levou, e as milhares de pessoas que pôde tocar, apesar de reconhecer que “nem todos foram impactados com aquilo que tem para dar”. No entanto, apesar de contente, não está satisfeito. O lugar que serve como Centro Cultural não oficial de São Sebastião, que não apenas oferece espaço para pintura mas também para música e poesia, possui pilastras que estão começando a apresentar ferrugem, e paredes com rachaduras expostas. “Eu não penso em ficar do jeito que está aqui”, afirma.

Para remediar a situação, uma reforma do espaço está marcada, financiada por um leilão das obras de Chico, e com apoio da produtora Bem Dito, responsável pelo grupo musical Menos é mais. “Para esse ano, eu tô esperando coisas maravilhosas. O que eu pretendo e estou sonhando que aconteça é uma reforma em reconhecimento a tudo que eu fiz, tudo que eu deixei de ter, porque todo dinheiro que eu ganhava com os projetos eu investia aqui, fazendo o salão um pouco maior”, diz, Chico.

“Eu não posso parar mais, eu tenho que ir até onde eu tiver condições. Foi o que eu conversei com Deus, enquanto eu tivesse vida, eu ia atender jovens e adolescentes a trilhar o rumo da cidadania e do profissionalismo. Eu não posso mudar meu discurso, não posso mudar as minhas ações”, finaliza.

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