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Brasília

Acervo com cerca de 8 mil artefatos indígenas é doado ao Memorial dos Povos Indígenas

Dentre os objetos, estão cocares, flechas, colares, pentes, artefatos confeccionados com penas de animais e outros adornos indígenas

Redação Jornal de Brasília

03/11/2021 19h37

Foto: Amanda Karolyne/Jornal de Brasília

Amanda Karolyne
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Cocares, flechas, colares, pentes, artefatos confeccionados com penas de animais e outros adornos indígenas, itens recuperados pela Polícia Federal na Operação Pindorama, foram doados para o Memorial dos Povos Indígenas (MPI) nesta quarta-feira, 3 de novembro. Cerca de 8 mil peças estavam guardadas no depósito da PF por 18 anos, enquanto o processo corria em sigilo.

Para o gerente do Memorial, Davi Terena, é de uma felicidade imensa poder receber essa doação. Para ele, se trata de vários troncos linguísticos e um mosaico pluriétnico. “Pois quando se fala em índios, estamos falando de várias tradições, culturas e povos”, afirma. O responsável pela Casa, também é indigena, veio de uma aldeia do Mato Grosso do Sul, chamada Taunay. Ele afirma que a partir de agora vai começar a existência do memorial. Este, que lembra ele, é Memorial com a segunda maior coleção de objetos dos povos originários do Brasil, em primeiro lugar está o Museu do Índio, no Rio de Janeiro, que é administrado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Para receber os artefatos que pertenceram a diversos povos indígenas, foram chamados os povos da comunidade Guajajara, que fica na aldeia localizada no Setor Noroeste. O cacique Francisco Filho Guajajara, 45, emocionado com o momento, reflete sobre os materiais que seriam destruídos. “Material que iria sumir e agora fica a memória”, diz. Acompanhado de seu netinho, ele aponta para a importância da história desses objetos e dos povos que vieram antes deles. “Ele não sabe nada ainda, mas vai saber, porque isso aqui é a herança dos povos, e os jovens vão aprendendo como os avós faziam as coisas”, frisa.

No ato de recebimento simbólico dos objetos, o cacique Francisco e os indígenas que o acompanhavam, cantaram e oraram em cima dos materiais com um ritual da cultura dos Guajajara. “Essa é a cultura que mostramos para vocês, assim como essas coisas nos pertencem e são nossa cultura”, destaca. Ele lembra que todos, tanto os indígenas, quanto os não indígenas, são brasileiros, e o material conta a história dos que vieram antes. Ao comentar sobre os materiais serem fruto de contrabando, o cacique faz um desabafo sobre as pessoas comprarem artefatos indígenas para dizerem que são indígenas, enquanto esses povos mesmo estão sofrendo. “Faz apreensão de madeira em tal lugar, e o recurso vai pra onde? Não vai para o índio. Nós nunca somos beneficiados”. Ele faz um apelo para que as pessoas respeitem os indígenas e a cultura e pertences deles.

Com as obras no Memorial prestes a serem finalizadas, o secretário executivo da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (SECEC), acredita que seja o momento apropriado para receber essa doação. “Principalmente porque ano que vem é o marco de 200 anos da independência do país, e com Brasília se tornando a capital ibero-americana em 2022, poder fazer uma exposição desses adornos e objetos recebidos e poder contar a história dos povos indígenas é importante”, afirma. Ele explica que com o recebimento dos artefatos, será feita uma triagem e catalogação de todos os materiais. “Logo após, vamos ver o que é e o que não é servível, e depois fazer um trabalho de restauração, para fazer uma grande exposição no memorial”, conta. “E com essa doação, todos ganham. A secretaria de cultura e economia criativa, o museu, os povos, e o Brasil”, finaliza.

Segundo Felipe Ramón, coordenador de Museus e Patrimônio da Subsecretaria do Patrimônio Cultural (Supac), citou que inicialmente o material tinha sido oferecido à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) mas eles não tinham interesse nos objetos. Logo seriam incinerados, se não tivessem para onde ir. As peças estavam conservadas em bom estado, apesar do tempo que ficaram na PF. Mas estavam em caixas de isopor lacradas, mas alguns materiais são mais sensíveis e foram danificados com o tempo pois são feitos de animais e vegetais.

A Operação Pindorama ocorreu em vários estados em 15 de maio de 2003 para evitar que os artefatos indígenas fossem embarcados para os Estados Unidos e países da Europa, para onde iam precificados para colecionadores e organizações criminosas de biopirataria. O coordenador Felipe Ramon, conta que havia sementes embaladas a vácuo para plantio fora do Brasil. Esses crimes aconteceram de 1998 a 2002, onde muitos servidores da FUNAI estavam envolvidos. As pessoas envolvidas no tráfico desses artefatos não foram condenadas. O processo judicial destaca que “o líder da quadrilha encomendava artefatos aos demais membros, localizados nos diversos estados da Federação; e, quando recebia os produtos, realizava depósitos em dinheiro a servidores públicos federais dos quadros da Funai”. Ramón comenta que o ato do recebimento desses adornos indígenas é importante para a valorização dos povos que deram tanto ao país. Os mesmos povos que foram tão roubados.

Um dos policiais federais que estavam presentes no recebimento do acervo, Antonio Marques Pereira, conta que a Comissão de Materiais Apreendidos estava fazendo uma entrega perto do Memorial, e quando eles passaram por lá, tiveram a ideia de ligar para ver se o lugar aceitaria receber os objetos dos povos indígenas. “Já visitei o memorial, e quero ver os materiais expostos. Vou trazer meus filhos”, comenta. Para ele e todos os policiais envolvidos, é um alívio o reaproveitamento de todo esse estoque que estava guardado devido ao processo que corria em sigilo.

Com o apoio do antropólogo Gustavo Hamilton Menezes, que com seu trabalho voluntário, vai ajudar na curadoria do acervo recebido. Gustavo acredita que ainda hoje existe muita ignorância a respeito dos povos que foram muito desvalorizados. Logo, a existência do Memorial em si é importante para o aprendizado e para reverter certos estereótipos. “E com um acervo rico, um tesouro como este, é importante para ensinar a população que desconhece suas origens”, finaliza.

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