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Quinto Ato
Quinto Ato

Shakespeare revela: como a soberba molda destinos

Na vida, na política ou na guerra, obra do poeta e dramaturgo inglês mostra como o pecado capital deixa seus rastros na história e atualidade

Theófilo Silva

16/02/2024 18h02

Meus amigos, às vezes, caçoam de mim, porque costumo afirmar que a subjetividade tem um enorme peso na vida dos poderosos – como na vida de todos nós — podendo determinar o êxito ou o fracasso de grandes empreitadas, conforme seja a relação dessa pessoa consigo mesma e com aqueles com quem interage no dia a dia. Para mim, nosso “eu”, nossos afetos interferem fortemente em nossas ações e, principalmente, em nossas reações. Para alguns desses amigos, o que digo não passa de coisa de “poeta”, de idealista, de gente que lê demais – ou seja, de um tolo –, porque, na verdade, tudo é resultado de trabalho puro e simples, e que todas as batalhas são travadas em cima de uma única coisa: dinheiro! A busca por dinheiro! Que fracasso, debacle, bancarrota são consequências apenas de trabalho malfeito. E, ainda, que eu atribuo uma sabedoria excessiva ao meu mestre William Shakespeare ao querer explicar o que acontece no mundo por intermédio de seus personagens, suas peças e poemas… Risos!

Na verdade, sei que não estou dizendo novidade alguma, pois qualquer psicólogo me daria razão, já que se trata do óbvio! Quem acha que a soberba, a vaidade, o orgulho, a arrogância e a prepotência não são tão destruidoras quanto um contrato malfeito está completamente errado. Não é por menos que o cristianismo nos legou os sete pecados capitais. Portanto, gula, soberba, avareza, ira, vaidade e luxúria podem causar danos irreparáveis à vida daqueles que se chafurdam neles.

E é no exercício do poder que essas “danadas” se apresentam com mais força, tendo em vista a pressão que os líderes enfrentam todos os dias. E o poder assusta. O ditado “Quer conhecer alguém, dê poder a ele” é insuficiente para descrever as enormes implicações que o poder e seu exercício exercem sobre as pessoas. É no equilíbrio desses “pecados” que o líder poderá demonstrar se é sábio e digno ou um mero safado. São tantas as nuances e variáveis que o rodeiam, que ele corre o rico de ser engolido e destruído por elas.

No teatro de Shakespeare, encontramos seus reis pomposos batalhando, vencendo e conquistando, como é o caso do jovem Henrique V, que tinha tudo para dar errado como monarca, mas que, sabendo balancear sua juventude, depois de ser educado por Falstaff, conquista a França, vencendo uma batalha com um exército cinco vezes menor que o francês; ou de Ricardo II que, com toda uma vida pela frente e condições favoráveis para fazer um grande reinado, apega-se exageradamente à Teoria do Direito Divino. Vaidoso como um pavão, agindo como um deus ungido, cerca-se de bajuladores, cai no desprezo do povo, e acaba sendo destronado, preso e, logo em seguida, assassinado.

A Segunda Guerra Mundial foi fruto da arrogância dos alemães, que acreditavam ser capazes de dominar o mundo. Regidos por um perverso megalomaníaco, eles quase destruíram a civilização. Por outro lado, a guerra poderia ter terminado meses antes – esse é um dos motivos e não o único –, não fosse a arrogância do chatíssimo e insuportável marechal de campo inglês Montgomery, vaidosíssimo, que às turras com o paciente e consciencioso Eisenhower, cometeu erros colossais no ataque a Arhem, na Holanda – vejam o filme Uma Ponte Longe Demais –, matando dezenas de milhares de soldados e esticando a guerra por mais dois meses.

Assim era também o general Charles de Gaulle, líder da completamente desmoralizada França, exigindo tratamento de rei, quando não passava de um mero general de brigada – dispensando aos ingleses e americanos que lhe deram “casa, comida, roupa lavada e dinheiro” uma soberba que tirava Churchill e Roosevelt do sério. Sua arrogância atrapalhou acordos, emperrou tratados e, por fim, criou caos nas relações diplomáticas entre os aliados. Aliás, se fôssemos apontar onde mais ocorrem atos de profunda estupidez, monstruosamente destruidores, ocasionados por arrogância, vaidade e prepotência, seriam entre os militares – principalmente entre os oficiais de alta patente – durante as guerras. O outro é o terreno da política. São muitos os políticos que terminam suas carreiras completamente amargurados ou defenestrados.

Santo Agostinho enxergava a soberba como a rainha de todos os males. Shakespeare concordaria com ele, pois diz pela boca de Agamenon, em Troilus e Créssida: “O orgulhoso se devora a si mesmo: o orgulho é seu próprio espelho, sua própria trombeta, sua própria crônica”.

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