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Quinto Ato
Quinto Ato

O que você precisa saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe

Embora Shakespeare amasse o ser humano, el sabia que o animal Homem podia ser: dissimulado, mentiroso, falso, trapaceiro, bizarro, hipócrita…

Theófilo Silva

15/01/2021 13h50

Jorge Luís Borges, o cego que tudo lia e tudo via, estava errado quando disse, em conferência na Sorbonne, em 1964, que “Shakespeare se eclipsou para que seus personagens tivessem vida própria”.

Não pelo fato de não conhecer Shakespeare, longe disso, ele o conhecia, e muito, mas é que, como Shakespeare é uma galáxia, “A maior de todas as universidades”, como disse William Carlos Williams, qualquer coisa que se possa dizer sobre ele é cabível, por mais incrível que isso posa parecer. E não custa muito fazer uma reflexão mais profunda sobre esse brilhante enunciado de Borges.

É claro que muita gente acha que Romeu e Julieta existiram realmente, e que não são personagens de uma obra de ficção, tanto que ambos têm lares, túmulos e estátuas em Verona, na Itália. Hoje a casa de Julieta é um dos endereços mais visitados de todo o mundo. “Romeu e Julieta” tornou-se o símbolo da relação indissolúvel e é a mais popular e bela história de amor de todos os tempos. Assim, “Os dois amantes traídos pelas estrelas”, seriam até mais populares do que seu criador.

Foi necessário enfrentarmos esse surto de peste, para eu entender com mais clareza por que o cidadão de Stratford, o homem, o ator, diretor da companhia “Homens do Rei”, dramaturgo da corte inglesa, William Shakespeare, não nos deixou muitas pistas sobre sua vida. Por que ele quis se comportar como se fosse um homem comum? E não o artista dotado da mente mais criativa da história da humanidade? Porque ele seria tão reservado em sua grandeza?

Shakespeare foi um artista, um criador muito invejado Ele sabia do perigo que a proximidade poderia trazer. Embora Shakespeare amasse o ser humano, a ponto de descrevê-lo melhor do que qualquer outro autor, ele sabia que o animal Homem podia ser: dissimulado, mentiroso, falso, trapaceiro, bizarro, hipócrita, traidor, cruel, perverso, corrupto, ladrão, assassino… Assim como são Iago, lady Macbeth, Aarão, Edmundo, Goneril, Teobaldo e muitos e muitos outros de seus personagens. Estamos vendo, sentindo e sofrendo isso agora por consequência dessa praga terrível. Se nós, mais de quatro séculos depois que Shakespeare se foi, estamos vendo tantas barbaridades, tanta loucura e atrocidades, imaginem como era na época em que ele viveu! O Bardo de Stratford enfrentou, pelo menos, quatro surtos de Peste bubônica durante sua existência. Praga que matou seu filho e dois irmãos, e devastou sua cidade natal. Peste que fechou os teatros de Londres onde ele apresentava suas peças. Os teatros foram fechados não somente para evitar aglomerações, mas porque os puritanos da época diziam que a Peste era consequência do pecado, portanto os teatros eram antros de perversão. Shakespeare enfrentou um mundo de muita crueldade, em que a tortura era política de Estado, em que a fé religiosa dava as cartas. Em que as pessoas que não professavam o Anglicanismo eram torturadas, estripadas e queimadas vivas na fogueira, em praça pública.

Mesmo com todo esse mal que rondava a humanidade Shakespeare nunca deixou de glorificar o ser humano em sua obra. Em uma passagem célebre, o príncipe Hamlet diz: “Que obra-prima é o homem! Como é nobre pela razão! Como é infinito em faculdades! Em forma e movimento, como é expressivo e maravilhoso! Nas ações, como se parece com um anjo! Na inteligência, como se parece com um deus! A maravilha do mundo! Protótipo dos animais”. Muito embora ele diga que o homem não o deleita. Diz, porque sabia que o animal homem podia ser como os amigos de Tímon de Atenas, que participavam de banquetes e festas em sua casa, e que o abandonaram quando ele faliu. Magoado, revoltado, quase enlouquecido, Timon amaldiçoou todas as sociedades e foi morar na floresta. Diz ele: “Pragas que atacais a humanidade, amontoai vossos contágios potentes e infecciosos sobre Atenas, madura para vossas pestes”. E não estamos nós, enfrentando a mesmíssima situação neste momento. Sendo destruídos por um vírus.

Não custa repetir Hamlet: “É absolutamente inevitável que esqueçamos de pagar a nós mesmos, o que a nós devemos!”. Essas duas reflexões demonstram uma enorme preocupação de Shakespeare com a forma que conduzimos nossa existência, nossa vida.

Em Rei Lear ele prossegue, e nos alerta diretamente com esse petardo: “Precisas ser paciente: chegamos aqui chorando. Saiba que, a primeira vez que cheiramos o ar vagimos e choramos. Vou fazer uma pregação para ti, presta atenção: Quando nascemos, choramos porque viemos para este grande palco de loucos”. .

A questão levantada por Hamlet, ser ou não ser, continua. Porque o ser humano, mesmo depois de 400 anos, pouco mudou. Porque as perguntas feitas pelo jovem príncipe continuam a ecoar cada vez mais fortes em nossas cabeças, pedindo uma resposta, que pode até não vir, mas que precisa ser feita. O que devo saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe? Se como diz Michel de Montaigne: “A vida humana é, em qualquer lugar, condição em que muito há de ser suportado, e pouco há de ser desfrutado”. No momento pouco estamos desfrutando. Pelo contrário, a vida está sendo suportada com muito peso, com muita dor. Algo não pode ser sido tão verdadeiro quanto agora, e isso quando estamos dentro do aparente conforto de casa, já que estamos dominados pelo medo. A visão de Montaigne bate com o pensamento de Shakespeare de que o mundo é imperfeito, o ser humano inacabado e de que todos nós estamos sempre fugindo de alguma coisa.

Estamos vendo pessoas brincando com a vida, desdenhando a morte pelo prazer de tomar um copo de cerveja num bar, numa taberna. Vejam o que tem ocorrido em vários países do mundo com bares cheios de pessoas de todas as idades bebendo juntas, fazendo algazarra e…brindando…O quê? A morte, só pode ser. Não há o que brindar.

Por mais difícil que seja ficar em casa o tempo todo. Como explicar a quantidade de loucos como a denominada Sara Winter, uma moça pirada, procurar a prisão, apoiada por esse governo doentio. Dá para explicar que um Presidente da República, no auge do genocídio, 210 mil pessoas mortas, proíba as pessoas de usarem máscara, de se vacinarem, e subestima a ciência como um todo! Esses comportamentos são frutos de mentes doentias. Essas pessoas têm um comportamento semelhante ao de Iachimo, Polonius, Rosencrantz, Guildenstern, Clóten, duque de Cornualha e muitos outros personagens de Shakespeare. “Pois então que caiam sobre tuas filhas todas as pragas que do ar caem suspensas, fatalmente, ameaçando castigar os crimes dos homens”. Pois não é que “as pragas suspensas” caíram sobre a cabeça de Bolsonaro, Donald Trump, Boris Johnson…Pois não é que eles é que eles contraíram a doença.

Assim, ecoando esse momento de horror, não tenho como não citar Rei Lear, talvez a peça mais dolorosa de Shakespeare: “A natureza… ela mesma se encontra flagelada… O amor esfria, a amizade se dissolve… Nas cidades, rebeliões, nos campos, discórdias, nos palácios, traição… Maquinações, perfídias, traições e todas as desordens ruinosas nos acompanharão inquietantemente até nossos túmulos”. “Tal é a excelente loucura do mundo… Achamos que o sol, a lua, e as estrelas sejam culpados de nossas desgraças, como se fôssemos vilões por necessidade, loucos por compulsão celeste, patifes, ladrões e traidores pelo predomínio das esferas…”. Pois é, estamos cercados de lunáticos. Tanto nas altas esferas do poder, como em todos os degraus da pirâmide social. O Brasil está sob a órbita, a influência de Olavo de Carvalho. Quem diria que um governante do século XXI iria repetir a prática do mundo antigo, o de ter um astrólogo, um vidente como guia!?

O que mais posso dizer sobre Shakespeare antes que esse mundo acabe é repetir o que disse a teósofa, mística russa, Helena Blavatsky: “Shakespeare foi, e continua sendo a esfinge intelectual das eras”. Por isso que ele é: “O homem de mil almas” como quer Goethe. E “Tenho muita pena de quem não leu Shakespeare” como quer George Bernard Shaw.

E vamos todos vacinar!

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