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Quinto Ato
Quinto Ato

Admirável mundo novo?

Conheça a origem da famosa frase e entenda por que as reflexões sobre a desumanização ganham relevância na atualidade.

Theófilo Silva

29/02/2024 19h50

A frase emblemática “Admirável Mundo Novo” que intitula o livro de Aldous Huxley, e que, quase todo mundo pensa que é de sua autoria, na verdade, pertence a Shakespeare. Não que Huxley tenha tentado se apropriar dela, longe disso. Ele a inseriu na primeira página de seu famoso livro como uma citação do Bardo de Stratford. Mas, como o livro já tem quase um século e goza de enorme prestígio, sendo um clássico, a verdade sobre a autoria da frase já se perdeu.

Essas belas palavras são ditas pela jovem Miranda, na peça “A tempestade”, uma das últimas de Shakespeare. Miranda morava isolada numa ilha com o pai, duque de Milão, que fora banido pelo irmão, quando ela tinha apenas um ano de idade. Ao completar catorze, o pai, dotado de poderes mágicos, capaz de alterar o tempo e mexer com a natureza, trouxe os milaneses para a ilha. É lá que Miranda, vendo homens pela primeira vez, exclama: “Oh! Maravilha! Quantas criaturas adoráveis estão aqui. Como é bela a humanidade! Oh, admirável mundo novo em que vivem tais pessoas”. Lindo, não é mesmo?! Foi nessa época que ocorreu a descoberta da América.

Três séculos separam Aldous Huxley de Shakespeare. Era inglês como ele e, como tal, um leitor do Bardo. Filho de uma família de gênios, era neto do célebre cientista Thomas Huxley, defensor e amigo de Charles Darwin. O livro Admirável mundo novo é uma distopia que prevê um futuro sombrio para a humanidade, dominado por uma ciência pervertida e uma tecnocracia totalitária que transforma seres humanos em meros robôs. Publicada em 1932, a obra antecipou questões cruciais para a modernidade e questionou a fé cega no progresso científico e no materialismo. Diz, literalmente, que “(…) no futuro, haverá uma ditadura científica que transformará os homens em robôs”. Ou seja, a ciência e a tecnologia criariam um mundo de horror, frio e ditatorial, “superpopuloso que drenaria os recursos naturais do planeta”.

Vivendo em uma era marcada pelo fascismo e pelas guerras mundiais – ele morou vinte anos na Itália —, Huxley refletiu em sua obra os horrores de um mundo dominado pela tecnocracia e pela desumanização. O período dos sanguinários ditadores Hitler, Mussolini e Stalin. Era um tempo de pouca, pouquíssima esperança. Prevalecia nessa época, também, uma mania por áreas das ciências voltadas para a destruição do ser humano, em virtude de teorias raciais. Era uma espécie de doença. Foi baseado nisso que alemães, russos e japoneses aniquilaram milhões de seres humanos considerados “raças inferiores”.

Embora suas preocupações permaneçam relevantes diante dos avanços da tecnologia digital e da inteligência artificial, sua visão pessimista do futuro também refletia o clima de desesperança de sua época.

Não quero, nem é preciso, colocar Shakespeare em contraposição a Huxley. O que se pode dizer é que Shakespeare continua atualíssimo, mesmo após quatrocentos anos de sua morte. Tudo que ele diz sobre o ser humano é atual, premonitório, isso é unanimidade entre todos que o leem. É dito que nós não lemos Shakespeare, ele é que nos lê. Não sei se Shakespeare compartilharia da opinião que Huxley tem do futuro da humanidade, que ele tanto amava. Foi por isso que ele colocou o ser humano como centro de sua obra.

Em um mundo onde só se fala em I.A. – Inteligência Artificial, ChatGPT, Robótica, entre outros, as preocupações de Aldous Huxley sobre a desumanização ganham relevância. Será que estamos caminhando para um futuro onde seremos reduzidos a meros autômatos? A pergunta permanece atual e urgente.

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