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Quinto Ato
Quinto Ato

A fragilidade dos grandes

A personalidade de alguém que detém o poder, principalmente poder político, é fator preponderante na condução dos negócios

Theófilo Silva

24/08/2023 5h00

Atualizada 23/08/2023 13h53

Não se pode falar de poder sem falar de Shakespeare. Trata-se de duas palavras indissociáveis. Provo isso mostrando que ninguém apresentou e deslindou as entranhas do poder com tanta argúcia e acuidade quanto o genial inglês — indo bem além do imprescindível Maquiavel, tal a enormidade de situações envolvendo questões de poder contidas em suas peças imortais, seja conquistando, obtendo, mantendo e perdendo-o. Ele põe suas personagens, condes, duques, princesas, reis e rainhas mentindo, roubando, guerreando, matando, amando, construindo, trabalhando, administrando. Igualzinho aos nossos homens e mulheres nos dias de hoje. E ele fez isso porque sabia que é assim que o poder funciona. E sabia, acima de tudo, que a personalidade de alguém que detém o poder, principalmente poder político, dos líderes que dirigem uma nação, um estado, é fator preponderante na condução dos negócios, e que suas fraquezas – orgulho, prepotência, libido, desejo, vaidade – podem condenar todo um empreendimento, até mesmo uma sociedade, ao fracasso, e que o sucesso é fruto do equilíbrio desses afetos num indivíduo e da solidez das instituições que o cercam.

Pois o homem é falível – todo mundo sabe disso, mas Shakespeare mostrou quais são as falhas, e dissecou-as – tem pontos fracos, às vezes, um único ponto, traços de caráter e personalidade que podem destruir tudo, a si mesmo e os que estão ao seu redor. Que o poder pode ser assustador para qualquer um. E que, quando alguém o conquista, esse alguém mudará sua maneira de agir, para melhor ou para pior: tornando-se cruel, despótico, centralizador, magnânimo, perdulário, generoso, paciente, apressado, distante, obcecado, perverso, neurótico. Daí que ele diz em Hamlet, pela boca do Rei Cláudio “Que a loucura dos grandes deve ser vigiada”.

Trago essa discussão porque observo que a sociedade tende a dar caráter de completude, até mesmo infalibilidade a seus líderes: sejam políticos, governantes, empresários, benfeitores, transformando-os em ídolos. Achando que eles são “completos”. O fato de alguém com enorme talento, coragem e capacidade de trabalho, que tem sob seu poder centenas, milhares e mesmo milhões de pessoas, não o transforma em alguém, como se quer pensar, em um ser “perfeito”. Pode ser o líder de uma empresa, uma grande corporação, uma cidade, país, exército, fundação, tribunal, etc. Pelo contrário, com quanto mais situações ele precise lidar, tanto mais ele apresentará seus defeitos. É comum, ao se decepcionarem com um vencedor, as pessoas dizerem: “Como um homem que chegou tão longe pode ser tão parvo”. A resposta é: pode! Shakespeare prova isso.

Sabendo disso, em seu gigantesco palco, Shakespeare traçou a personalidade de Brutus, um homem muito rico, educado, honesto, respeitado, mas ingênuo, que se deixa envolver numa trama montada por invejosos, fazendo-o participar da conspiração que matou o poderoso Júlio César, jogando Roma na guerra civil. Ou de Otelo, um general competente, de cor negra, nobre e respeitado, que se acha incapaz de ser amado por uma mulher jovem e branca – que o ama verdadeiramente – e se deixa levar pelas maquinações de um sujeito perverso, matando sua jovem esposa. Ou de Lady Macbeth, que, para conquistar o reino da Escócia, envenena a alma do marido até ele matar o bondoso rei Duncan, obtendo o trono, para perdê-lo logo em seguida, cometendo suicídio. Ou do velho rei Lear, da Bretanha, que, incapaz de discernir o amor das filhas, acaba dividindo seu reino em três partes, provocando discórdia, guerra e morte.

Ninguém é perfeito, todos sabemos disso, mas, se damos poder a alguém, devemos estar preparados para surpresas. Agora, agir como nosso ex-presidente Jair Bolsonaro agiu… Não foi nenhuma surpresa. Apenas erros e abusos ocorreram. Negar a pandemia de Covid, negar as urnas para dar um golpe de Estado e o caso das joias não são erros, mas crimes. Não preciso falar mais nada, basta ver às recentes decisões da Justiça e a cobertura da imprensa séria. Está tudo lá!

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