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Os quatro cavaleiros do apocalipse psíquico: Medo

Pragmática Psicoterapia e Cursos

28/04/2021 15h20

Os quatro cavaleiros do apocalipse psíquico: Medo

Por
Dr. Carlos Augusto de Medeiros

O medo é um sentimento tão precoce e fundamental que até parece meio bobo tentar defini-lo. Mas aí vai: o medo, no senso comum, representa os sentimentos decorrentes do contato com eventos ameaçadores. As ameaças vão desde a presença de uma cobra a poucos metros dos nossos pés, assim como, quando ouvimos um barulho suspeito de madrugada em uma noite particularmente silenciosa.

Por incrível que pareça, não há objetos universalmente temidos, apesar de existirem medos comuns a grande parte das pessoas, como um cachorro grande enfurecido latindo alto e rosnando perto de nós. Ao mesmo tempo, há medos que afligem pessoas muito específicas, como o medo de pássaros ou de buracos, por exemplo. O que vem a ser ameaçador, portanto, depende da história de cada indivíduo. Sendo assim, o medo que o outro sente nunca é bobagem para ele e, assim, precisa ser respeitado. Isso não muda o fato de que a exposição ao objeto temido é a forma de perder o medo de eventos pouco ameaçadores de fato, como aviões, falar em público, palhaços e escuro.

Além do desconforto provocado pelo medo, como palpitação, tremor, perda do controle esfincteriano, palidez etc., passamos a evitar os eventos que nos são ameaçadores. Como na culpa e na vergonha, podemos deixar de fazer coisas comuns do dia a dia como forma de evitá-los. Na realidade, culpa e vergonha podem ser consideradas tipos de medo, cujo objeto temido é o julgamento moral (culpa) e o desempenho/ajustamento (vergonha). O medo, além de incluir o temor da avaliação externa (culpa e vergonha), compreende o temor de eventos que independem de outras pessoas, como ratos, cobras, ladrões e baratas, por exemplo.

O medo patológico, mais conhecido como fobia, é bem conhecido do público leigo, como fobias de elevadores, de dirigir, de avião, de ambientes fechados etc. Tais medos precisam ser tratados em psicoterapia, uma vez que produzem não só um enorme desconforto, como também, limitam sobremaneira as vidas das pessoas. Esses medos, em termos técnicos, entram no roll dos transtornos de ansiedade.

A síndrome do pânico também compreende um dos transtornos de ansiedade. Em linhas gerais, ela representa o medo das crises de pânico anunciadas por respostas de ansiedade mais sutis que as precederam no passado. Em outras palavras, é o medo de ter medo. Pessoas que já tiveram crises muito intensas de ansiedade com sintomas como falta de ar, taquicardia, palpitação e sensação de morte iminente, podem passar a prestar atenção no próprio corpo para perceber indícios fisiológicos de que terão outra crise. Em vão, tentam exercer controle sobre as crises, acreditando, equivocadamente, que ao vê-las chegando, conseguirão evitá-las. Mas a atenção exagerada aos indícios de ansiedade, junto com a frustração de não conseguir controlá-los voluntariamente, têm um efeito contrário, aumentando a chance de novas crises de ansiedade acontecerem.

A tentativa de controle também se faz presente no transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Todavia, o objeto temido que tentamos, em vão, controlar, são os nossos pensamentos (obsessões). Certos pensamentos intrusivos acerca de coisas ruins que podem acontecer (por exemplo, a contaminação por Covid-19) acometem as pessoas e elas tentam se convencer, por meio do pensamento, de que elas não acontecerão. Daí, é iniciado um diálogo interno em que a pessoa permanece contra-argumentando com ela mesma numa tentativa de controlar os pensamentos. Como as ameaças raramente podem ser confirmadas ou refutadas por meio do pensamento, o diálogo interno culminará necessariamente em frustração e ansiedade. Muitas pessoas desenvolvem rituais compulsivos como forma de conter os pensamentos, como lavar as mãos inúmeras vezes, certificar-se com diferentes profissionais, fazer diversos exames médicos, medir a própria pressão a cada 15 minutos etc. Nem preciso dizer os prejuízos à qualidade de vida daí decorrentes.

No fim das contas, o temor comum aos diferentes sentimentos e aos transtornos de ansiedade é a incerteza. Parece que o que mais apavora o ser humano é não saber o que acontecerá e não ter controle sobre os eventos futuros. Porém, a incerteza é a tônica da natureza. Temos pouco poder de previsão e controle sobre os eventos ao nosso redor. Gastamos tanta energia entre prever e controlar o incontrolável que deixamos de controlar o que realmente temos controle. Por exemplo, gastamos tanto tempo especulando teorias da conspiração acerca do Corona Vírus e deixamos de empregar as medidas que realmente são efetivas em diminuir as chances de contaminação.

Coragem, no fim das contas, não é fazer sem ter medo. Lidar com crocodilos ferozes sem medo não é um ato de coragem para quem exerce a profissão de tratador de grandes répteis. Afinal, para esses profissionais, a lida com crocodilos é familiar. Logo, se os cuidados necessários (controle do que é controlável) forem tomados, a previsão e o controle da situação são praticamente absolutos. Coragem é lidar, mesmo com medo, com situações cujas consequências são incertas e pouco controláveis, ainda que seja a situação corriqueira de participar de uma aula.

A melhor maneira de lidarmos com nossos medos é reconhecer que, na maioria das situações, não temos certezas, e muito menos controle do que ocorrerá. Devemos tentar controlar o que temos controle e fazer, mesmo com medo, aquilo que queremos e precisamos fazer.

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