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Lulu no Quadrado
Lulu no Quadrado

Uma reflexão para esta quarta – parte 3

Será mesmo que o cliente sempre tem razão? Ou, em alguns casos, há desconhecimento e até birra?

Lulu Peters

31/08/2022 5h00

Atualizada 30/08/2022 21h59

Foto: Andrea Piacquadio/Pexels

“O cliente sempre tem razão.” Será?

A autoria desta máxima é atribuída ao comerciante varejista Gordon Selfridge, no ano de 1909, em Londres. A ideia, claro, era valorizar a importância do cliente para seu negócio, exaltando que sua loja sempre estaria atenta às necessidades do mesmo.

Mas 1909 não é 2022, e o mercado gastronômico se difere bastante do mercado varejista.

Eu confesso que, de um lado, como uma pessoa que está há 15 anos avaliando comida e que gosta de novidades tanto quanto do respeito às tradições, fico incomodada com clientes que comem fora por status sem terem qualquer conteúdo, conhecimento e até interesse por gastronomia de fato.

São os clientes que chamo de “frango com catupiry” ou “filé com risoto”. Ao contrário do que muitos pensam, gosto muito de ambas as opções. Mas o conceito vai além: há clientes que se recusam a provar, experimentar e até aceitar pratos que não estejam no seu rol de escolha desde que tinham 9 anos de idade.

Recusar experimentar, pra mim, é prova de falta de amor à comida. Você só gosta de sair para comer as coisas que gosta. E ai de quem disser que o ponto ideal da carne é rosado, né?!

Não estou dizendo que não é permitido ao cliente pedir alterações. Seja por restrição alimentar ou por gosto pessoal, mesmo. Isso inclui o ponto da carne, a checagem de ingredientes…

Mas pensemos no seguinte: se a casa errar a execução de um prato, é esperado que o cliente ache ruim. Mas o cliente que acredita que seu jeito é o jeito certo – mesmo que não conte com nenhum amparo técnico-gastronomômico para tal – ele estará sempre se recusando a colocar-se na posição de aprendiz (a parte mais legal da gastronomia) e vai tratar a cozinha alheia como uma extensão de um serviço de uma secretária do lar, que aí está no seu ambiente e deve se orientar pelo seu gosto.

Essa arrogância no agir do cliente pode parecer implicância minha, mas basta ver que se estende ao cenário atual, onde vemos opiniões políticas, médicas, sociais e religiosas proferidas sem qualquer embasamento ou ética pelas hordas de pessoas nas mídias sociais.

Essa síndrome de Gabriela (eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim…) é cansativa para o mercado como um todo, pois força as casas a se nivelarem pelo gosto majoritário, que é despreparado — tipo um serviço de streaming que cancela série boa para focar só nos números de audiência.

Vou dar um exemplo, que já entrou várias vezes em meus escritos antes, mas cujo teor, eu acredito, explica muito sobre essa nuance perigoso entre atender a “vontade” do cliente às custas de um desrespeito à casa. O ocorrido foi o seguinte: a cliente vai a um restaurante alemão, pede a truta azul, que era servida com uma manteiga de alcaparras. A manteiga vinha derretida, numa molheira, ou seja, era uma mini jarra de manteiga, despejada sobre o peixe, na frente do cliente.

A cliente vira para o garçom e pede, por favor, que ele traga azeite para ela. O garçom vai buscar o azeite, o dono o para no meio do caminho e diz que não. O garçom diz à cliente que não aconselha ela pedir o azeite. Ela insiste. O dono insiste que não. Na era pré-internética, ela vai ao jornal e registra sua reclamação sobre o absurdo de ter sido negada a um pedido tão simples.

Ainda bem que deixaram o dono replicar no próprio jornal. É que, na reclamação, a moça, convenientemente, não mencionou o prato que havia pedido. Vamos combinar: azeite numa massa, numa batata, é uma coisa. Azeite para colocar num prato banhado à manteiga, é outra. O dono não queria que o sabor do azeite se sobrepusesse ou alterasse o sabor da manteiga, que era parte integrante da receita da casa, da receita dele, do país dele!

E as histórias sobre querer creme de leite no risoto ou no carbonara, ou aquelas sobre achar ruim o chef pedir para não colocar grana padano no spaghetti frutti di mare tradicional, são prova não só de desconhecimento gastronômico, mas de birra infantil.

Se o pedido é desarrazoado para a casa, será que não rola de conversar e aprender?

Fica a questão!

PS: não consegui entrar na seara do cliente que descaradamente trata mal funcionários, com completo desrespeito ao menor sinal de problema ou até de qualquer coisa que o desagrade. Isso, para mim, não é comportamento aceitável. As casas erram muito, sim, mas tudo vale uma conversa ou um pedido. Ou pode até reclamar na internet, mas não é necessário xingar e humilhar a pessoa do funcionário.

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