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Histórias da Bola
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Um Fio desencapado

Sempre sorridente, ele era das figuras mais simpáticas e discutidas entre os rubro-negros

Gustavo Mariani

06/01/2021 12h32

O Flamengo teve um atacante, durante a segunda metade da década-1960, que fez muito mais sucesso devido ao formato e alinhamento dos seus dentes, e o seu jeito todo desengonçado de jogar. Atendia pelo apelido de Fio e estava na casa desde os 16 de idade, celebrados em 1961, levado pelo mesmo cara, o já esquecido olheiro Deusdedt, que levou, ainda, para a Gávea os seus irmãos Germano e Michila.

Sempre sorridente, ele era das figuras mais simpáticas e discutidas entre os rubro-negros. Nos gramados, alternava lances aplaudidíssimos e desconcertantes. Por causa daquilo, não conseguia firmar-se como titular. Certa vez, deslumbrou o cantor/compositor Jorge Ben (atual Benjor) e foi homenageado com uma animada música jovem que agradou ao país inteiro e agregou-lhe Maravilha ao apelido – virou Fio Maravilha. Por causa de uma outra música, ganhou, também, o apelido homônimo de um samba: Crioulo Doido.

No meio daquela popularidade toda do Fio, o Rei do Futebol, Pelé, interessou-se em conhecê-lo e bater um papo com ele. Convidou-o a aparecer na concentração santista – o Peixe estava no Rio de Janeiro – e, durante o encontro, escalou quase um time de sugestões para melhorias do futebol dele. Fio anotou tudo:

1 – ser (sempre) humilde e fazer autocrítica de suas jogadas; as erradas pode render ensinamentos preciosos;
2 – chutar mais ao gol, em qualquer circunstância e de qualquer distância; o tempo ajuda a melhorar o índice de acertos;
3 – fique mais tempo na área, porque aparecerá menos preparando jogadas para os outros;
4 – ter espírito de sacrifício; as defesas são violentas;
5 – fugir de provocações, mas sem covardia, com altivez;
6 – treinar com entusiasmo; nos coletivos se aprende a entender melhor os companheiros;
7 – não gastar energia, desnecessariamente; estar (sempre) onde a bola deverá chegar, pra render 100%;
8 – treinar tabelinhas, continuamente, par dobrar defesas;
9 – utilize mais o cérebro; futebol, na maioria das vezes, se joga mais com a cabeça do que com os pés;
10 – futebol é jogo de equipe; procure ser amigo de todos, para que todos sejam seus amigos.

Ouvido o Rei e discutido pelo torcedor, Joõ Batista de Sales, cidadão nascido e assim registrado, em cartório da mineira Conselheiro Pena, jurava haver uma fórmula para o Fio ser titular incontestável: sequência de jogos. Garantias que, se disputasse uma meia-dúzia de jogos pelo time principal seguraria a vaga. Citava exemplos de atuaçõs durante excursões, substituindo o titular contundido, e queixava-se de (no Brasil) entrar “uma vez ou outra” no time A. Garantia ter condições de ser o dono da camisa 9. Era só deixá-lo jogar.

Os treinadores de Fio o lançavam, as vezes, pela ponta-direita. Ele não rendia e terminava vaiado. Se dependesse dele, jogaria, sempre, pela meia-esquerda, como ponta-de-lança (esquema tático em desuso). “Com ponteiro, sou ruim. Pelo meio, as coisa são diferentes”, disse à Revista do Esporte, explicando que as pixotadas eram porque ele gostava de jogar de primeira, para aproveitar a sua velocidade e para surpreender o adversário.

– Jogar de primeira é muito difícil. Um cálculo mal feito torna o que seria grande jogada em bobagem. Para tudo sair bem, preciso estar bem entrosado com os companheiros. Entrando e saíndo do time não conseguirei, disse à mesma RE, demonstrando o desejo de fazer o que Pelé recomendou: tabelar com um companheiro de ataque. Mas não teve tempo. Em 1972, o Flamengo quis livrar-se dele, emprestado-o ao Avaí-SC, que o devolveu, sem demora, para, entre 1974 a 1975, ele ciganar por Desportivas Ferroviária-ES e Paysandu-PA.

Mesmo vivendo aquele drama todo – ora era maravilha, ora apupado -, Fio chegou a disputar 289 jogos pelo Flamengo, marcando 79 gols, entre 1965 a 1973, como profissional. Entre 1975/1976, veio defender o Ceub, assunto para outra (ou outras colunas). Aguarde!

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