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Histórias da Bola
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O Major que libertava jornalistas

José Bonetti atuava na comissão técnica da CBD e vivia tirando jornalistas da cadeia

Gustavo Mariani

12/09/2021 11h58

Atualizada 13/09/2021 11h49

O povo brasileiro estava com os ouvidos colado no radio, naquele 29 de junho de 1958, ouvindo a final da Copa do Mundo, na Suécia. Perto de onde hoje fica o Hotel Nacional de Brasília, havia uma construção de madeira que alojava uma das unidades da Polícia do Exército, que dava segurança ao presidente Juscelino Kubitscheck. Pouco antes de o jogo começar, o JK pediu a José Bonetti, um dos coordenadores de sua segurança, para conseguir um rádio, pois também queria ouvir a partida. Como ainda não havia palácios construído, em Brasília, no quartel improvisado mesmo o presidente ouviu um tempo do jogo, vibrando com a narração do locutor Oduvaldo Cozzi.

Naquele dia, nasceria uma relação de respeito mútuo entre JK e Bonetti, que não seria interrompido nem nos mais duros períodos da ditadura militar (1964/1985), quando Juscelino fora chamado pelo 1º Exército para depor no Rio de Janeiro. Sozinho, ao lado do advogado Sobral Pinto, JK aguardava a hora de falar aos militares. Ninguém se aproximava ou lhe dava confiança, afinal ele era um inimigo do regime que dominava o País. Entre os jornalistas, a expectativa era a de que fosse maltratado, humilhado durante o depoimento. Chegando de uma missão ao quartel, Bonetti viu JK e não teve dúvidas. Desafiou todos os olhares e recomendações e foi cumprimentar o homem que construíra Brasília. Naquele momento, era colocar a cabeça a prêmio. Como castigo, fora incumbido de dar segurança ao governador eleito do Rio de Janeiro, Negão de Lima, que vivia o difícil período do “toma-não toma-posse”, até que o Exército decidisse. Afinal, quem era aquele José Bonetti?

Um 1º Tenente. Era tudo o que Bonetti era nos inícios do regime militar dos generais presidentes. Além daquilo, só podia contar que era amigo do então presidente da Confederação Brasileira de Desportos, João Havelange, que o colocou para coordenar 23 modalidades desportivas amadoras, pois tinha ligações com o basquete e o vôlei, principalmente, como treinador. Em 69, quando já tinha cursado a Escola de Educação Física do Exército, Bonetti recebeu o convite de Antônio do Passos, diretor da CBD, para fazer parte da comissão técnica da seleção brasileira que disputaria as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, no México. Para a imprensa, a comissão repleta de militares só teria uma missão: vigiar o técnico comunista João Saldanha. E, junto com os também capitães Cláudio Coutinho e Raul Carlesso, Bonetti, entrou nessa, mas terminou amigo dos jornalistas, para a sorte de muitos representantes da categoria. Exemplo: a localização e libertação do jornalista Marcos de Castro, do Jornal do Brasil.

Marcos era um sujeito muito religioso, que não se envolvia em nada mais que não fosse jornalismo. No entanto, quando a guerrilha urbana sequestrou o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Buck Elbrik, em 69, ele, que não tinha nada a ver com o caso, desapareceu. Sua família, apavorada, passou a pressionar o Jornal do Brasil para descobrir o que acontecera. Como nada se descobria, os repórteres Dácio de Almeida e Oldemário Touginhó, lembraram-se do Capitão Bonetti. “Eu já havia perdido muitos companheiros na guerrilha urbana e sabia o quanto aquilo doía na família. Como eu havia servido na Polícia do Exército e tinha bons contatos por lá, e também na polícia civil, os orientei sobre que passos deveriam tomar, pois eu não podia aparecer de peito aberto assim. Depois de muitos contatos, descobri que o Marcos de Castro estava preso no Batalhão de Carros de Combate, que ficava na Avenida Brasil. Então que, por intermédio de esforços do Capitão Calomino, conseguimos tirar o rapaz de lá”, conta Bonetti, que leu a acusação que pesava contra jornalista: avalista no aluguel de um “aparelho” (nome que os órgão de repressão davam aos locais onde os chamados subversivos conspiravam) para o hoje deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). “Na verdade – prossegue Bonetti – o Maços apenas atendera o pedido de um colega jornalista para ser seu avalista, como já o tivera feito com dezenas de outros companheiros de profissão. Mas o que pegou foi o fato de o Gabeira ter sido incluído na lista dos presos políticos que foram trocados pela liberdade do embaixador norte-americano”.

José Bonetti evita muito falar sobre os anos de chumbo, preferindo papear sobre esporte, mas revela que deu uma “ajudinha” também para Carlos Heitor Cony, hoje membro da Academia Brasileira de Letras e, na época, da revista Manchete. “Ele estava preso em uma unidade na qual eu estava servindo, e um não o deixava ficar em situações que o levassem à depressão. Conversávamos muito e ficamos amigos, ao ponto de ele me oferecer todos os seus livros. Terminei seu fã, o lendo diariamente, depois que saiu”. Ante a insistência, ele só concordou em contar mais um caso: o do desaparecimento do pai do jornalista Oldemário Touginhó, também no Rio. O encontrou em uma geladeira, do Instituto Médico Legal, após 40 dias de procura. Conseguiu esclarecer que o homem tiver um infarto na rua e fora recolhido como indigente, pois não tinha nenhuma ligação com política.

Bonetti já dedicou-se, também ao projeto de tentar trazer para Brasília as Olimpíadas de 2016. E já foi comentarista esportiva de uma emissora de rádio.

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