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Histórias da Bola
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O Cruzeiro patriota

Revista carioca abrasileirou legal no Uruguai

Gustavo Mariani

04/12/2020 10h03

A Copa Montevidéu-1953, disputada por uruguaios, brasileiros, chilenos, paraguaios, austríacos e (então) iugoslavos, entre janeiro e fevereiro, na capital uruguaia, mostrou que a revista semanal carioca O Cruzeiro, às vezes, deixava de lado o jornalismo da narração enxuta dos fatos, como apregoava, para vestir a farda do patriotismo.

Aquilo ficou bem claro no que o repórter Luiz Carlos Barreto despachou, Via VARIG (era costume dar crédito ao transportador), o seu relato sobre Nacional-URU 0 x 0 Fluminense, no Estádio Centenário, local de todas as pugnas.

Barreto que, também, era fotógrafo, naquela competição internacional do futebol, escreveu um tremendo choratório do que afirmou ter ficado do prélio entre os tricolores carioca (verde, branco e grená) e uruguaio (vermelho, branco e azul). Levou o fechador de página no Rio de Janeiro a escrachar nos títulos e sub-títulos, como escrevendo que o Fluminense fora “massacado”; que os anfitriões “levaram o apito para o campo e esqueceram a consciência em casa”, e que “ficaram com a taça a muque”, isto é, na porrada.

De acordo com o enviado da semanária carioca, a pancadaria começou após o último lance da contenda, quando o uruguaio Holdoway acertou murro em um dos olhos de Orlando Pingo de Ouro, que acabava de se levantar do gramado, após choque em disputa de bola com o zagueiro Santamaria, no instante quem o juiz – William Barnes, auxiliado por Rimel Latorre e Juan Castaldi – fazia o seu apito final. Barreto classificou a agressão por “traçoieira” (pelas costas), “revoltante”, narrou tremendo rebu envolvendo jogadores dos dois times e acusou a polícia uruguaia de ter hostilizado os brasileiros, “à exemplo do que acontecido durante o sururu Botafogo x Peñarol” (o outro time local na disputa). Segundo ele, os tricolores cariocas chegaram ao vestiário “em meio bofetões, sopapos, empurrões e pedras atiradas pela torcida”.

Pobre Orlando Pingo de Ouro! O repórter de O Cruzeiro o viu sendo “o mais vitimado”, com o lado esquerdo do rosto roxo e inchado. Viu, também, o defensor Jair com o lábio inferior cortado e sofrendo dores, devido murro (durante o jogo) que fizera um seu dente penetrar pela gengiva. Mais: segundo o mesmo repórter, o goleiro Castilho, os defensores Bigode e Pinheiro, e o meia Didi (Valdir Pereira, o bicampeão mundial-1958/62) queixavam-se de agressões, por policiais, lhes aplicando torções de braços. Mas o pior, segundo o Barreto, viria nos próximos parágrafos. E contou história de terror, bem ao estilo de pautas escabrosas da revista.

O horrorshow começava com ele classificando por “farsa”, a ida de Orlando ao Instituto de Traumatologia, acompanhado por dois diretores do Nacional, do médico (Dourado Neto) e do chefe da delegação do Fluminense (Doutor Berrgomini), para exames e abertura de inquérito. Conta ele que, enquanto o Pingo de Ouro era examinado, os seus colegas “era massacrados no meio da rua”, tendo o carro que os conduzia para o Hotel Hermitage, na praia de Pocitos (local famoso da cidade) sido atacado a pedradas por torcedores do Nacional, na altura do Parque de los Aliados, a 500 metros do Estádio Centenário. “A polícia não teve a mínima preocupação em proteger o ônibus, e as vidas dos que nele viajavam ficaram entregues à própria sorte”. A seguir, pintou os atletas do Flu como “muito machos”, pois, como narrou, desceram do veículo, encararam os agressores e os fizeram correr.

Realmente, um épico tricolor! E, mais ainda, para um repórter que conseguia juntar informações sobre o que ocorria dentro do estádio, na rua e em uma casa de saúde, numa época em que não havia telefone celular, pra se saber, ainda, que todas as janelas o ônibus do time tricolor carioca haviam sido quebradas, que estilhaço de vidro provocara profundo corte em Marinho e que Didi havia recebido forte pedrada na testa – bem ao estilo da então maior magazine da América do Sul, que vendia mais de 500 mil exemplares semanais.

Quanto ao futebol, pelo Fluminense levou para o relato daquela autêntica guerra civil: Castilho, Píndaro e Pinheiro; Jair Santana, Edson (Emilson) e Bigode; Telê, Villalobos (Orlando), Marinho, Robson e Quincas. Pelo Nacional, barbarizaram, segundo o repórter: Paz, Santamaria e Holdaway; Carballo e Cruz; Souto (Zunine), Ambrois, Morel (Pereira), Perez e Enrico (Souto).

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