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Histórias da Bola
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Mordida na fera

Um dos casos mais rumorosos do futebol brasileiro da década-1970 foi a queda do treinador João Saldanha, do escrete canarinho

Gustavo Mariani

27/03/2024 11h53

Aconteceu há 78 dias da Copa do Mundo, com a rapaziada classificada e demonstrando muita disciplina tática. Mesmo assim, o Saldanha construíra situações que provocava a ira dos cartolas. Para quem conhecia bem o treinador, seria questão de mais ou menos dias para ele e os dirigentes se desentenderem. Primeiramente, porque o treinador falava, abertamente, que “cartola era chato em qualquer parte do mundo”. E que ele não tinha amarras políticas e financeiras pra ficar preso a alguém. Com ele, seriam só 22 feras mordendo a rede, nada da doçura dos canarinhos (apelidos dos jogadores do selecionado nacional, por causa da cor da camisa). Assim, com seis vitórias, 23 gols pró e dois cotra, nas Eliminatórias, o João ganhou o apoio da imprensa e do torcedor brazuca.

Classificação à Copa garantida, o caminho para a queda do Saldanha começara, na Colômbia, durante as Eliminatórias, quando ele brigara com o capitão José Bonetti, assessor da Comissão Técnica da CBD, homem de absoluta confiança do presidente (da entidade) João Havelange e parente da mulher deste. Mas, por conta dos resultados da Seleção na competição, o chefão Havelange decidiu preservar o técnico e afastar o parente de sua mulher. Os cartolas, no entanto, juntavam outras queixas do Saldanha. Por exemplo, ter respondido grosseiramente a jornalistas; tripudiado com a opinião do presidente da República, o general Garrastazu Medici (dizendo “ele escala o seu ministério e eu escalo o meu time”), que gostaria de ver o goleador Dario (do Atlético-MG) na Seleção, e, ainda, por ter invadido a concentração do Flamengo, com revólver em punho, à procura do desafeto Yustrich, que o insultara, após o Galo (apelido do Atlético-MG) vencer o escrete nacional, por 2 x 1 (03.09.1969), amistosamente, no Mineirão, diante de 71533 pagantes.

De desgaste em desgaste, João Saldanha foi acusado (pelos cartolas) de conceder muita liberdade aos jogadores nas concentrações; de brigar com colegas de imprensa (era radialista em atividade quando assumiu o comando técnico da Seleção Brasileira) e prometer conceder entrevistas só por escrito. Também, passou a ser criticado por fazer trabalhos em campos de golfe, o que os cartola consideraram “recreativos demais, na presença de muitos curiosos”. Mais: Saldanha chamava o presidente da Comissão Técnica, Antônio do Passo, de fraco, indeciso e aproveitador, e os demais cartolas cebedenses de bajuladores. Esculhambou com dirigentes de clubes e da Federação Carioca de Futebol, por não conseguir marcar um amistoso da sua equipe com o Flamengo; dispensou o goleiro Félix, o zagueiro Djalma Dias, o lateral Rildo e o atacante Paulo Borges, sem consultas à Comissão Técnica, e, ainda, acusou o médico da Seleção, Lídio Toledo, de ser o médico “covarde e ter corrido da raia”’, não anunciando os cortes do zagueiro Scala, do Internacional, e do atacante Toninho Guerreiro, do Santos, deixando que ele (Saldanha) anunciasse, pra passar por bandido.

O barraco estava derreado. Faltava só um empurrãozinho para cair. E caiu quando o Saldanha decidiu mexer com Pelé. Segundo ele, havia muita implicação econômica impondo, como “manter abertas as portas do Ministério da Fazenda, com a presença do “Rei do Futebol” na Seleção. “A Comissão Técnica me pedia, pelo amor de Deus, para não barrar o Pelé”, garantiu à página 19 da revistas O Cruzeiro, de 31.03.1970.. E, dias depois de sua seleção empatar (1 x 1), com o Bangu, em jogo-treino, ele anunciou o time que enfrentaria o Chile (22.03.1970), com Pelé barrado – naquela tarde no Morumbi, em São Paulo, o treinador já era Zagallo (Mário Jorge Lobo) e o Brasil mandou 5 x 0, com dois gols do “Rei do Futebol).

Pelé ficara sabendo da intenção de João Saldanha, de livrar-se dele, quando este dissera, durante programa de TV, que o craque “não tinha mais condições de jogar pela Seleção”. Quis contestá-lo, indo ao programa, mas Antônio do Passo o impediu. Corria, também, a notícia de que ele o “Rei do Futebol ”tinha miopia, o que o Saldanha negava ter espalhado. Pelé considerou o treinador “diabólico” e rebateu que as suas acusações, afirmando que elas haviam sido, meramente, para justificar a sua queda da Seleção. De sua parte, a CBD distribuiu nota afirmando que o Pelé estava muito bem, clinicamente, e seus exames médicos não revelavam nada que o impedisse de jogar futebol”. O “Camisa 10” só não escapou, das sacanagens do zagueiro Brito, que o desafiou: “Quero ver se você enxerga bem mesmo, quando ver o (zagueiro) Fontana ( com a fama de bater do pescoço pra cima) pela frente”. Enfim, o Pelé comeu a bola durante a Copa do Mudo, marcou três dos 19 gols do time e voltou tri -imagine se enxergasse mais!

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