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Histórias da Bola
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EM NOME DE DEUS

Chiquinho Pastor cuidava de almas na igreja e “matava” atacantes no gramado

Gustavo Mariani

07/01/2024 9h25

Em 1973, a Seleção Brasileira armou um giro pela África e a Europa, que seria preparativo para a Copa do Mundo-1974. Surpreendentemente, o treinador Mário Jorge Lobo Zagallo não convocou o goleiro Félix, o lateral-direito/capitão Carlos Alberto Torres e os zagueiros Brito e Fontana, que haviam participado da conquista do tri, em 1970, no México. Para as dias vagas na zaga, ele chamou Chiquinho Pastor, do Flamengo, e Moisés, do Vasco da Gama, especialistas em mandar atacantes pelos ares.

 Ninguém, entendeu a tal escolha do Lobo, sobretudo porque o Chiquinho jamais conseguira ser titular no Botafogo, só vindo a ser efetivado no time do Flamengo quando ele, Zagallo, passou a comandar a rapaziada rubro-negra. Suas explicações: ‘Ele (Chiquinho Pastor) é o rei do ar, ninguém lhe ganha bola pelo alto, além de ser rápido nos lances”.  

 Beleza! Chiquinho estreou no amistoso Brasil 5 x 0 Bolívia (27.05.1973), no Maracanã, e depois atuou em Brasil 2 x 0 Argélia (03.06.1973), em Argel. A seguir, Zagallo resolveu experimentar Luís Pereira na posição e nunca mais o tirou do time. Chiquinho achou tudo “ordem do Altíssimo” e foi esquecido pelo seu convocador que, mais tarde, o trocou por Marinho Peres, do Santos e que falava inglês, um “must”, para o Lobo.

 

 Rola a bola e, em 1975, após ter voltado para o Botafogo, Chiquinho resolveu abandonar o futebol e tornar-se o reverendo Francisco de Jesus Fernandes, da Igreja Messiânica do Rio de Janeiro.

 Lá pelas tantas, “alguns muitos tempos depois”, eu estava de plantão, em um sábado, na reportagem da Rádio Nacional de Brasília. Como a emissora do Governo tinha poucas pautas nos finais de semana, porque ainda não havia Internet e o pessoal do Executivo não ficava na capital do país, viajava para seus Estados. Já eram umas 15 horas e eu ainda não havia feito nada. Ainda teria que ficar até as 18, sentado em um sofá. 

Então, telefonei para o Marcelo Agner, no Jornal de Brasília, onde eu trabalhava, também, pedindo uma pauta, “pelo amor de Deus”, pois não aguentava mais ficar vendo o dia passar, olhando para as paredes. Ele respondeu que a coisa “estava feia”, também, por lá e que única pauta da tarde daquele sabadão seria cobrir a “Passeata pela Paz”, da Igreja Messiânica, para ter alguma foto na capa do caderno da Editoria de Cidade.         

Pronto! Era o que eu precisava para não ficar mais parado. Me mandei para a Esplanadas do Ministérios, em torno da qual ocorreria a caminhada, e fui procurar o assessor de imprensa dos messiânicos. Me apresentaram o Reverendo Francisco de Jesus, que era o antigo Chiquinho Pastor. Depois dos papos para a matéria que eu faria para os noticiário das 18 horas e os programas da noite na Rádio Nacional, comecei a falar de futebol. Lembrei-lhe de uma pregada que ele havia dado no atacante Dé Aranha, do Vasco da Gama, tirando-o de campo, pelo restante da partida. 

Ele respondeu que, na época, era um jovem indefinido e não via o mundo com  sentimentos de responsabilidade. Para evitar que o atacante marcasse gol, ele agia em defesa da felicidade de uma grande massa (a torcida flamenguista), pois entendia que o importante era a felicidade coletiva, não a individual.

Perguntei, depois, ao Chiquinho Pastor se ele não havia ficado com pena do Dé Aranha, após o tremendo porradaço. Respondeu que, no dia seguinte ao clássico, fora à igreja onde ele era ministro e havia rezado pelo adversário e pela humanidade. 

Pelo final do papo, o Chiquinho pastor ofereceu-me uma pomba branca para eu soltá-la pelos inícios da caminhada. E entregou-me um cartão dele, dizendo que estaria esperando-me. em sua igreja, quando eu fosse ao Rio de Janeiro – até hoje, nunca compareci ao recinto, e nem pretendo comparecer, pois, desde 2010, o Chiquinho Pastor está no Altíssimo –  perdoado pelas porradas manadas nos atacantes que o encararam nas áreas fatais do Botafogo, do Flamengo e da Seleção Brasileira do Zagallo.

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