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Histórias da Bola
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A camisa que Pelé nunca usou

“Pelé! Meus parabéns por você ter marcado o nosso centésimo gol nosso neste Campeonato Paulista. No dia em que você jogar com a camisa 100, quero ficar com ela, de presente”

Gustavo Mariani

30/06/2022 10h36

A década de 1960 chegava com o então presidente da República, Juscelino Kubitschek, dizendo que crescimento econômico do Produto Interno Bruto (PIB, que mede a riqueza nacional) subira 7%, em média, a cada virada do calendário do seu governo, iniciado em 1956. Dizia também que a taxa per capita aumentara quatro vezes mais do que em qualquer rincão do continente latino-americano. Beleza! Governos mentem muito, mas é certo que a indústria brasileira desenvolvera-se durante a administração dele e que ele inaugurara uma nova capital para o país: Brasília.

Quando Brasília estava pertinho de celebrar três meses como novo ponto central do governo federal, Dondinho parou diante de um calendário pregado na parede da sala de visitas de sua casa, fixou os olhos na data do dia e exclamou: “17 do 7”. E lembrou que, à noite, o Dico estrearia no Campeonato Paulista da temporada, encarando a Ponte Preta, em casa, na Vila Belmiro, isto é, no Estádio Urbano Caldeira. Ele ainda não havia se decidido se iria ao jogo ou se ouviria pelo rádio. Mais tarde, caminhando pela calçada de casa, em finzinho de tarde, um velho amigo que iria passar por ele, parou e perguntou-lhe:

– Dondinho, devolveremos, desta vez, o que o Palmeiras fez com a gente, em (19)59?

Dondinho balançou a cabeça e respondeu:

– Tô com muita fé. Os meninos venceram 15 dos 18 jogos que fizeram na excursão terminada há pouco (pela Europa). O Dico me disse que o clima é de muita confiança.

E não deveria ser de outro jeito, pois o Santos estreara – 17 de julho – goleando (6 x 3) a Ponte Preta, com um dos gols marcados pelo Pelé. Tempinho depois, Dondinho cruzou com o mesmo amigo, que tinha o costume de caminhar pela calçada da sua rua, em finais de tarde, e aquele comentou:

– Tá feia a coisa, Dondinho! – se referia à série de empates santistas, com a Portuguesa de Desportos (1 x 1); Guarani de Campinas (2 x 2); Corinthians (1 x 1); São Paulo (1 x 1); Portuguesa Santista (0 x 0) e XV de Piracicaba (0 x 0).

– Mas os meninos golearam o Jabaquara (8 x 3) e o Taubaté (5 x 1), e ganharam do Palmeiras (3 x 1) – ponderou Dondinho, que comemorara gols do seu Dico (3) diante do Jabuca (apelido do Jabaquara) e dos palmeirenses (1). A ponderação de Dondinho não animou muito o seu amigo, que passou a não botar tanta fé no time do técnico Luís Alonso Peres, o Lula (na foto (E) com o presidente santista Athiê Jorge Curi), depois da goleada (0 x 4) levada da Ferroviária (04.09), em Araraquara. Pra piorar, nos dois jogo seguintes, empates (0 x 0) com Portuguesa Santista e XV de Piracicaba.

– Tá feia a coisa! – considerava, sempre, o amigo do Dondinho, em conversas, também, com outros torcedores santistas. Para ele, o primeiro turno do Campeonato Paulista fora um horror. Ente 17 de julho e 14 de setembro, o Santos só vencera oito (seis deles em casa) – e dois fora – somara 22 pontos e perder 12, conta nada animadora para quem queria ser o campeão.

Veio o returno e a rapaziada da Vila Belmiro começou irregular (5 x 2 Juventus, com três gols do Pelé; 0 x 1 América de Rio Preto; 3 x 2 Jabaquara; 3 x 1 Juventus e dois de Pelé; 3 x 4 Portuguesa de Desportos e um gol de Pelé, e 1 x 3 Guarani de Campinas. Após este jogo, por um novo papo com o amigo quase vizinho, Dondinho concordou com o cara de que, realmente, as coisas estava ficando muito difíceis para o Santos ser campeão. Mas o time engrenou, em seguida, com 11 vitórias: 7 x 0 América de São José do Rio Preto; 4 x 1 Ponte Preta; 2 x 1 Comercial de Ribeirão Preto; 2 x 0 XV de Piracicaba; 1 x 0 Portuguesa Santista; 3 x 1 Noroeste de Bauru; 4 x 2 Botafogo de Ribeirão Preto; 5 x 0 Corinthians de Presidente Prudente; 6 x 1 Corinthians Paulista; 6 x 1 Taubaté e 5 x 0 Ferroviária de Araraquara.

– Agora, vai! – disse o já então animado amigo de Dondinho, que respondeu-lhe, sem deixar de lembrar dos gols marcados pelo seu Dico naquelas partidas: 12:

– Eu sempre acreditei!

O Santos, no entanto, assustou a sua torcida, levando 1 x 2 São Paulo após tantos sucessos. Nada que tirasse de Dondinho a expectativa de título na decisão contra o Palmeiras. Esta rolou no 16 de dezembro, diante de mais de 27 mil presentes, na Vila Belmiro. E ele entusiasmou-se mais quando Zito abriu o placar, com dois minutos de jogo. Os palmeirenses empataram, aos 33, o primeiro tempo ficou pelo 1 x 1. Aos 14 da etapa final, no entanto, o seu Dico balançou a rede palmeirense e o Peixe segurou o placar até o final: 2 x 1 e o Santos era campeão, jogando com: Laércio; Dalmo, Mauro e Zé Carlos: Calvet e Zito; Sormani (Dorval), Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.

Durante a folga dos jogadores campeões paulistas de 1960, imediatamente após o título, quando o Dico foi à casa dos pais, comemorar com eles, pelo finalzinho da tarde, Dondinho ficou ligado na caminhada do amigo quase vizinho. Ao ouvir os passos que imaginou serem deles, foi ao seu encontro, o levou pra dentro de sua casa e disse para o filho campeão:

– Este aqui foi quem mais sofreu quanto vocês andaram tropeçando.

– Pelé! Meus parabéns por você ter marcado o nosso centésimo gol nosso neste Campeonato Paulista. No dia em que você jogar com a camisa 100, quero ficar com ela, de presente – pediu o torcedor, que nunca a recebia, pois, por aquele tempo, os times numeravam os seus atletas de 1 a 17, entre titulares e reservas.

Passadas vários dias após as comemorações pela novas taça conquistada, Dondinho bateu à porta de casa do quase vizinho, com um presente embrulhado em um bonito papel vermelho arrumado pela Dona Celeste. Era uma camisa toda branca, do Santos, com o número 100 às costas. Presente comprado com os 30 mil cruzeiros lhe presenteados pelo Dico e que fora o “bicho” pela vitória sobre o Palmeiras – rolou mais 10 mil por jogo disputado, segundo contou Pelé a este colunista (na época, repórter do Jornal de Brasília), quando era o Ministro do Esporte do governo Fernando Henrique Cardoso.

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