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Fala, Torcida
Fala, Torcida

Sem critério

Os clubes brasileiros, quando demitem técnicos, logo apostam no nome mais forte disponível para substituir o antecessor, sem saber se aquele treinador se adequa ao estilo de jogo do clube

Thiago Henrique de Morais

14/04/2023 5h00

Atualizada 13/04/2023 16h02

Um fator com o qual o futebol brasileiro sabe conviver é a rotatividade de seus treinadores. Não deu certo? Pague a multa, siga a vida e contrate outro. Mas isso acontece por um motivo bem óbvio, mas que os clubes adoram ignorar: a falta de estudo de mercado para escolher um técnico que jogue ao estilo do time. Nove dos dez comandantes contratados no país são apenas pelo nome, sem preferência por um estilo de jogo.

Quando dizem que Jorge Jesus deu sorte no Flamengo, podem até ter razão. O clube demitiu Abel Braga, um técnico com estilo de jogo ultrapassado e que prioriza um congestionamento de volantes no meio campo, para trazer o português. Deu certo. Mas ao invés de manter um estilo de jogo proposto pelo lusitano após a sua saída, em meados de 2020, a diretoria rubro-negra decidiu apostar em Domenec Torrent, que tinha uma visão bem diferente. Daí em diante, tudo degringolou. Rogério Ceni, Renato Gaúcho, Paulo Sousa, Dorival Júnior e Vitor Pereira chegaram ao Flamengo, cada um ao seu estilo. Ceni e Dorival ganharam. Os demais fracassaram.

Com a demissão de Vitor Pereira no início da semana, dois nomes estão na lista do Flamengo: Jorge Jesus, óbvio, e Jorge Sampaoli, um técnico que tem uma ideia de jogo totalmente diferente do português e que adora fazer contratações em massa. É certo, por exemplo, que, se Sampaoli chegar, irá pedir um goleiro que saiba jogar com os pés, alguns pontas, alguns meio-campistas, até pedir um time completo, já que ele não sabe trabalhar com o que tem a seu dispor. Foi assim no Atlético-MG, onde o chileno deixou um rombo financeiro após fazer o clube contratar por atacado.

O sucesso de Abel Ferreira no Palmeiras tem, também, uma pitada de sorte. Antes dele chegar, o time foi comandando por Felipão, Mano Menezes e Vanderlei Luxemburgo, sendo que só o primeiro conquistou um título importante, o Brasileirão de 2018. Falar que a diretoria do time alviverde queria Abel pelo seu estilo de jogo é impensável, até porque ele tinha pouco tempo de trabalho no PAOK, da Grécia, e no Braga, de Portugal. Assim como Jorge Jesus, Abel Ferreira foi um acaso que deu certo. E a prova disso será quando ele sair, pois o clube não saberá o que fazer para encontrar um técnico com as mesmas características. É assim no futebol brasileiro.

Situação parecida com Fernando Diniz no Fluminense, que chegou para o lugar de Abel Braga em 2022. Perfis totalmente diferentes. Diniz gosta de ter a posse de bola e toques rápidos. O seu antecessor é o oposto. Também foi uma sorte do acaso. Mas e se Diniz receber uma proposta para treinar a seleção brasileira ou qualquer time europeu, o que o tricolor irá fazer? Certame, apostar no primeiro nome do mercado que estiver disponível, até porque os clubes brasileiros só trabalham com imediatismo, sem uma análise de risco e crise que possa vir a acontecer caso chegue uma proposta do tipo.

O futebol brasileiro é assim e não irá mudar enquanto os clubes não profissionalizarem seus departamentos de futebol. Não para manter os treinadores por anos e anos, como acontece na Europa, mesmo que o time perca títulos em sequência – caso de Arsène Wenger, no Arsenal, por exemplo. Mas para que o clube possa encontrar seu estilo de jogo, manter uma estrutura em caso de saída de treinadores, um padrão. Jorge Jesus, quando fala que gostava de impor um modo ao Flamengo, dava uma ilusão para o torcedor rubro-negro, que nunca tinha visto o time jogar daquela forma. Mal acostumado, o Flamengo só quer ver aquele estilo de jogo. Mas sem um critério para contratar treinadores, isso nunca vai acontecer novamente, a não ser que o lusitano possa realmente voltar ao clube carioca. Cenas para os próximos longos capítulos.

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