Menu
Fala, Torcida
Fala, Torcida

Paixão genuína

Ao notar a forma com que os ingleses lidam com o futebol, tenho a impressão de que nós, brasileiros, somos meros simpatizantes do esporte

Thiago Henrique de Morais

28/04/2023 10h00

Foto: Reprodução

Comecei a assistir, no início desta semana, a primeira temporada da série documental “Bem-vindos ao Wrexham” (disponível no Star+ e Disney+) que mostra a rotina de um clube de futebol da quinta divisão da Inglaterra, comprado pelos atores Ryan Reynolds (“Deadpool”) e Rob McElhenney (“It’s Always Sunny in Philadelphia”) no fim de novembro de 2020. Pode até parecer estranho, mas nada tem a ver com o acesso do time justamente nesta semana para a League Two, a Quarta Divisão do futebol de inglês. Uma mera peça do destino.

Confesso que fiquei encantado com toda a história contada ao longo dos primeiros 18 capítulos. Uma cidade pequena, que sofreu a duras penas como qualquer outra que possuía uma economia baseada na indústria de mineração ao fim da década de 1980 e que tem o futebol como a sua maior paixão. O clube é um dos mais antigos da história ainda em atividade. Uma das poucas coisas que restou de bom para a população, que chegou a ser dona do clube antes da aquisição dos astros de Hollywood.

Ao ver essa disposição dos britânicos com um clube de futebol que estava prestes a falir, lembrei-me de uma polêmica cantoria dos ingleses durante a Copa do Mundo do Catar, com a frase “o futebol está voltando para casa”. Isso fez muitos brasileiros desdenharem. “Como pode um país com uma estrela na camisa falar isso?”, diziam. “Só porque inventaram o esporte acham que são os donos”, retrucavam. Mas ao ver o documentário, percebi que todos aqueles que nunca vivenciaram um pouco da paixão dos britânicos por esse esporte, seja por séries documentais, filmes ou até presencialmente, não conseguem entender que eles realmente amam o futebol. A impressão que dá é que nós, brasileiros, somos apenas simpatizantes.

Claro que existem, pelo lado de cá, ações de torcedores para salvar os clubes, construírem estádios (São Januário é um grande exemplo disso), mas é praticamente impossível imaginar um grupo de torcedores brasileiros – leia-se, cidade – tomando para si todas as dívidas milionárias para evitar que o clube acabaria, pagando os impostos, trabalhando de forma voluntária e tirando do seu próprio bolso o dinheiro para o pagamento da folha salarial dos jogadores e comissão técnica. É algo impensável. Aqui, a única forma de “ajudar o time” se dá por meio de alguns irresponsáveis, que acham que, por meio da força bruta, irá conseguir um desempenho melhor dos jogadores de seu time. Às vezes, a mando da própria diretoria.

Onde quero chegar com esses parágrafos anteriores? Quero dizer que, a minha impressão é que nós, brasileiros, não sabemos o que é ter uma paixão verdadeira pelo futebol. Por mais que a gente pague um sócio-torcedor caro, tenha um título de sociedade em um clube de coração, ou até venda o carro para acompanhar uma final, não se compara com o sentimento que os ingleses têm para com os seus clubes. Chega a ser doentio, mas que, quando bem roteirizado, acaba sendo bonito e emocionante de se ver – principalmente quando os produtores executivos são os próprios donos do clube. Ok, quem sou eu para dizer se você, leitor, gosta ou não do seu time? Mas pela situação econômica que o nosso país se encontra, acho muito difícil que a sua prioridade seja salvar o seu time de coração.

Enfim, o que Ryan Reynolds e Rob McElhenney fizeram foi uma SAF bem gerida. Algo visando não só o bem do clube, não só o lucro, mas uma melhora da qualidade de vida de toda uma cidade, principalmente a longo prazo. Algo totalmente impensável no futebol brasileiro, onde qualquer resultado ruim já é contestado pelos torcedores, exigindo a troca de técnico, custe o que custar. Quem sabe essa recomendação indireta de série possa chegar para alguns dirigentes ou torcedores mais descompensados como uma forma de ensinamento de que nada muda de um dia para o outro.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado