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Estrangeirismo

O fato de a CBF escolher um estrangeiro para a seleção brasileira e os treinadores brasileiros não terem sucesso em outros países mostra que é preciso mudar, arriscar

Thiago Henrique de Morais

21/07/2023 5h00

Atualizada 20/07/2023 17h35

Foto: Staff Images / CBF

Pela primeira vez na história, o futebol brasileiro passou a contar com a maioria de treinadores estrangeiros. A decisão do Internacional em contratar o argentino Eduardo Coudet fez com que o país tenha, na primeira divisão, um total de onze técnicos gringos e nove brasileiros – dos nove, dois são interinos. Isso quer dizer que estamos com uma defasagem de bons técnicos nacionais? Podemos dizer que sim. Não à toa a CBF hoje prefere pelo técnico italiano Carlo Ancelotti ao invés de “arriscar” um novo nome nacional.

O retrato disso pode ser visto, inclusive, nos times estrangeiros. Na América do Sul, entre os clubes da primeira divisão de suas competições nacionais, são apenas dois brasileiros empregados: Tiago Nunes, ex-Athletico-PR e Corinthians, no Sporting Cristal (Peru); e o desconhecido e recém-contratado Willian Amaral, que assumiu a vaga de Paulo Autuori no Atlético Nacional, da Colômbia.

Tiago Nunes, inclusive, foi bem enfático em uma entrevista recente a uma rede de televisão peruana ao dizer que os próprios brasileiros não querem arriscar sua possível “reputação” em países da América Latina. Ele ainda lembrou que o tempo médio de permanência no cargo para um técnico no futebol brasileiro é de pouco mais de cinco meses. Em um período tão curto não dá para sequer sentir o clima organizacional. Fazer um bom trabalho já sabendo que você pode ser o primeiro a ser o responsabilizado é praticamente impensável nesse cenário. Mas é assim o futebol em terras tupiniquins. O que vale é o imediatismo. Sortudos são aqueles (poucos) que conseguem operar esse tipo de milagre.

Há quem diga que a nossa língua prejudica a contratação de técnicos brasileiros por equipes do exterior. Mas o que falar da Arábia Saudita? Naquele país, entre os 16 clubes da Pro League, não há nenhum treinador que tenha a língua árabe como a sua nativa. São sete que falam português, diga-se, sendo que somente um é brasileiro: Péricles Chamusca, campeão da Copa do Brasil com o Santo André, em 2004, e cujo principal time que treinou em nosso país foi o Botafogo. Os árabes têm treinadores poloneses, ingleses, croatas, sérvios, belgas, romenos e gregos. Em Portugal, onde se fala português, dentre os 18 times da primeira divisão, não há nenhum brasileiro. São 16 locais, um alemão e um espanhol. Isto prova que o problema não é o idioma, e sim a falta de capacidade dos técnicos brasileiros.

Mas ter técnicos estrangeiros faz com que o nosso campeonato brasileiro fique desvalorizado? Muito pelo contrário. Esse intercâmbio de argentinos, portugueses e, por vezes, espanhóis, pode nos ajudar a ver o futebol por outro lado e, quem sabe, ajudar-nos a sair dessa soberba de sermos “os melhores do mundo”.

Hoje, a principal competição nacional de clubes do mundo é a Premier League. Após anos sendo conhecido como um campeonato de chutões, bolas alçadas na área e muita força física e pouca qualidade técnica, esse cenário mudou. E um dos responsáveis por isso foram justamente os técnicos estrangeiros. Assim como nós brasileiros, os ingleses acham que são os reis do futebol, só por terem o criado. Mas ano após ano, eles mesmos perceberam que deveriam mudar. Atualmente, técnicos ingleses na primeira divisão inglesa é algo raro. Dos 20 times que jogam na elite, apenas quatro são dirigidos por nativos. Se forçarmos a barra, o número sobe para sete, já que temos dois galeses e um escocês. Até um australiano treina um time por lá. E os brasileiros? A última vez que tivemos um foi Felipão, com o Chelsea, há mais de duas décadas.

O certo é que os técnicos brasileiros precisam sair de sua zona de conforto. Não é vergonha alguma aceitar treinar times de outros países latinos. Os argentinos estão aí para comprovar isso. Em todos os dez países membros da Conmebol, há, pelo menos, dois argentinos nestas ligas tidas como ‘precárias’. Jorge Sampaoli, por exemplo, começou justamente assim. Depois de treinar equipes de divisões bem inferiores em seu país, começou a alçar voos no Peru, Chile, Equador, até chegar às seleções chilena e argentina, treinar times de Espanha e França, além de sempre ser um dos primeiros nomes cogitados no futebol brasileiro quando há algum cargo vago. E ele nem é tudo isso.

Quando os brasileiros tirarem o rei da barriga, talvez comecem a ganhar espaço em grandes clubes da Europa, sendo referência em alguma coisa. Enquanto isso, quem ganha é o campeonato brasileiro com o intercâmbio forçado de técnicos estrangeiros – alguns nem tão bons, mas bem melhores dos que estão por aqui.

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