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Envelhecer é uma arte
Envelhecer é uma arte

Vivendo as crises: dos 20, 30, 40, 50, 60, 80…

Esta semana recebi de uma aluna e amiga uma citação de Clarice Lispector que diz que as palavras te sufocam se você não as escreve. De fato, falar das crises evita que sejamos sufocados por elas

Juliana Gai

09/10/2022 5h00

Olá, leitores. Quero começar dizendo que eu amo falar sobre este tema. Se a gente fizer uma linha do tempo das nossas vidas vamos ver que, em média, o ser humano repensa suas escolhas e reprograma o trajeto a cada década. Embora os acontecimentos se entrelacem nesta linha do tempo, faz sentido compreender que existem momentos de uma autoanálise mais profunda e que isto pode ser enriquecedor. Eu ainda estou vivendo a minha “crise dos 40” e, constantemente, faço autoquestionamentos. Escrever é libertador. 

Esta semana recebi de uma aluna e amiga uma citação de Clarice Lispector que gostei de rememorar. Diz assim: “Perdi muito tempo até aprender que não se guarda as palavras. Ou você as fala, as escreve, ou elas te sufocam.” Adorei. Falar da crise evita, justamente, ser sufocado por ela.

Jean Paul Sartre foi o primeiro filósofo a intitular-se um existencialista. Foi casado com Simone de Beauvoir, também escritora e filósofa, e ambos desenvolveram ensaios importantes sobre as questões da liberdade de escolha dos seres humanos. A crise existencial nada mais é do que a crise destas escolhas, o surgimento de dúvidas sobre as escolhas feitas no passado, a avaliação do resultado dessas e a angústia de precisar fazer novas, acompanhadas do medo da perda. Porque escolher sempre traz ganhos e perdas. Saber que as crises fazem parte das nossas vidas, nos momentos em que fechamos ciclos e iniciamos novas fases, pode significar trafegar sobre um terreno um pouco mais conhecido, oferecendo maior segurança. 

A idade em que as pessoas vivem tais crises costuma sofrer influências culturais e históricas. Em cada modelo de sociedade, a crise pode acontecer em um momento diferente. A crise dos 20 anos no mundo ocidental pode não ser a mesma crise dos 20 anos no mundo oriental, que tem costumes completamente diferentes. Vale lembrar que nada é fixo. A evolução da sociedade contemporânea e o aumento da esperança de vida, inclusive, também vem influenciando na idade em que as pessoas tem crises existenciais.

No meu caso, acho que tenho vivido as crises bem na idade esperada para quem nasceu em 1978 no mundo ocidental. Aos 20 anos de idade, eu me preocupava muito em conseguir assumir as rédeas da minha própria vida e ser capaz de escolher, por mim mesma, o que eu desejava fazer. Eu queria sair de casa, ser independente e comprar um carro. Hoje penso que eu deixei de prestar atenção na vastidão de possibilidades que eu tinha naquela época, sem ninguém dependendo de mim. Quanta liberdade de escolha! ‘Ah, se eu tivesse 20 anos com a cabeça que eu tenho hoje’… frase piegas repetida por todo mundo que tem 40. Reflete bem a angústia humana de estar sempre pensando que poderia ter sido melhor. Inútil, mas engraçadinha.

Quase aos 30 anos, já independente e autônoma, eu comecei a me questionar sobre ter filhos. Parecia que bebês nasciam a todo momento ao meu redor. Comentava-se, à época, que a água da Universidade Católica de Brasília (UCB) aumentava a fertilidade. Tratei de me casar. Só achei o sujeito aos quase 32, com viagem marcada para o Carnaval de Olinda. Foi cômico eu, de fantasia em fantasia, pensando que tinha deixado o recente namorado sozinho em Brasília. Quem disse que eu me diverti? Segunda de Carnaval, pela manhã, já bastante decidida, tomei um táxi e fui para o aeroporto de Recife, comprei passagem e embarquei de volta para Brasília. 

A maternidade foi a maior crise da minha vida até o momento. Fui mãe aos 35 anos. Amo ser mãe, mas não gosto de romantizar a maternidade. Ter alguém sob sua tutela 24 horas por dia é uma responsabilidade imensa e eu não tinha ideia do quanto isto iria me desestruturar como mulher independente. O bebê torna a mãe dependente, pelo menos por um tempo. Na certa vou avisar minha filha, se ela decidir ser mãe, porque a minha mãe não me avisou. Ela nasceu em 1953 e a vida feminina, no interior do Rio Grande do Sul, nem dava às mulheres o direito de ter alguma crise, qualquer que fosse. 

Então, veio a crise dos 40. Comecei a sentir saudades demais de mim mesma. Aos 40 anos, as mulheres voltam a ter mais liberdade, porque os seus filhos já se viram sozinhos em muitas coisas, então elas querem voltar a cuidar dos próprios interesses. Para os homens também é um momento de retomada de projetos pessoais e, neste momento, ou os casais se reconectam sexual e amorosamente ou se divorciam e vão namorar outras pessoas. Tudo é possível e nada é errado. O ser humano é que vive a angústia do autojulgamento desnecessário. Éimperativo que aprendamos a respeitar as várias maneiras de ser feliz.

Tenho amigos vivendo a crise dos 50, pensando sobre aposentadoria ou transição de carreira. Alguns solteiros, outros casados, lidando com a queda dos hormônios da melhor maneira possível e começando a se envolver com os cuidados dos pais idosos. Logo eu estarei nesta crise também. Estudiosos do envelhecimento também são seres humanos, afinal. 

A crise dos 60 anos pode ser bem complexa em relação ao dito cujo do colágeno, que sustenta tudo no nosso corpo. Mas, na minha opinião, é a que tem menos cobrança à cerca do término, afinal, a próxima crise tende a ser só aos 80. Então, há um intervalo maior para adaptação e algumas pessoas encontram bastante paz com suas escolhas nesta crise. Buscas espirituais, comuns nesta época, podem fazer com que muitas respostas sejam encontradas. O maior desafio desta crise parece ser ver os pais envelhecendo mal, com dependência. Compreender o envelhecimento de maneira positiva e se compreender como protagonista do tipo de envelhecimento que deseja ter é fundamental.

Aos 80 anos pode-se já estar bem em paz com a vida, mas grande parte da humanidade vive a crise das perdas e o medo da finitude que se aproxima. É comum perder amigos nesta época da vida, por exemplo. Eu faço atendimento educacional para pessoas nesta faixa etária e tento ajudá-las a aceitar as mudanças e parar de viver uma guerra vã.

Dizem sempre que pessoas idosas são muito teimosas. Não é verdade. A verdade é que elas precisam aprender a viver o presente, desapegar-se do passado sem deixar de ver sentido em tudo o que viveram e encarar de frente a necessidade de mais ajuda do que precisaram em outras fases da vida. Focar em qualidade de vida, conversar sobre o fim da vida, ter ajuda para viver os lutos do momento e descobrir que ainda tem escolhas para fazer costuma ser de grande ajuda. 

Fazer atividade física, cuidar da saúde mental e manter-se com propósitos e sonhos ao longo de todo o curso de vida fazem parte das melhores escolhas. Sempre. Aos 20, 30, 40, 50, 60 ou 80, sempre será você que toma — pelo menos — a maioria das decisões sobre a sua vida. Faça sempre o melhor possível e perdoe-se pelas escolhas não tão bem feitas. Aceite o passado com gratidão e esteja sempre vislumbrando a beleza do desconhecido: o futuro.

Como diz uma das minhas personagens preferidas de cinema, a peixinha Dori, “Continue a nadar”! E também não esqueça de manter o bom humor diante das surpresas da vida. Realmente não conseguiremos controlar tudo. E, às vezes, sentar-se e rir de si mesmo pode ser tão libertador quanto não guardar palavras.

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