Menu
Envelhecer é uma arte
Envelhecer é uma arte

Sexualidade e envelhecimento

A ideia de que pessoas idosas não têm desejos e nem condições de ter relações sexuais vem de um pensamento idadista, completamente equivocado e que, infelizmente, vem ganhando espaço nas conversas de internet das próprias pessoas mais maduras

Juliana Gai

06/11/2022 5h00

Atualizada 07/11/2022 9h12

Divulgação

Olá leitores. Hoje vou falar de um tema um tanto polêmico.

Sempre abro caixinhas de perguntas no story do meu Instagram. Adoro responder. Na verdade, interagir com os nossos seguidores é uma experiência gratificante que nos coloca mais perto das pessoas e das suas angústias, levando a uma maior compreensão sobre o que fazer, como profissionais, para estimular um mundo mais amigável com o processo de envelhecimento humano.

Nesta semana abri uma caixinha perguntando quais os desafios enfrentados, atualmente, no convívio com pessoas idosas próximas. Dentre as respostas, uma me chamou bastante atenção porque me fez pensar em falar mais sobre um tema que, constantemente, assombra as famílias: a libido dos pais e mães idosos.

É muito comum, de fato, que filhos me perguntem sobre este assunto. Alguns em tom de reclamação. Outros em tom de revolta com o pai idoso e viúvo (ou divorciado) que arranjou uma nova namorada aos 70 anos. Certo egoísmo insensato. Quase um pensamento infantil.

A ideia de que pessoas idosas não têm desejos e nem condições de ter relações sexuais vem de um pensamento idadista, completamente equivocado e que, infelizmente, vem ganhando espaço nas conversas de internet das próprias pessoas mais maduras.

A libido pode sofrer influências das alterações hormonais do curso de vida. É normal, por exemplo, que tenhamos muito mais libido aos 20 e poucos anos do que aos 60 e poucos. Mas, até mesmo na juventude, ela pode oscilar de acordo com as demandas de trabalho e responsabilidades do momento específico da vida.

Na menopausa feminina e na andropausa masculina, há alterações na libido e na fisiologia envolvida no ato sexual. Profissionais como ginecologistas, urologistas, fisioterapeutas e psicoterapeutas, dentre outros, se especializam em ajudar as pessoas nestes momentos.

Somos todos seres de fases, não só as mulheres, como conta a historinha da música dos Raimundos, sucesso perpétuo nas paradas. E as fases passam. Quando os filhos vão ficando mais independentes, é normal que a libido das mães retorne, por exemplo. Quando eles ficam adolescentes, muitas mães e pais aumentam a frequência sexual e, alguns, até tem mais um filho, o chamado “temporão”.

Na velhice, as responsabilidades podem ser menores porque não há mais ninguém de quem cuidar além de si mesmo. O desejo sexual pode até aumentar, mesmo que os hormônios já não estejam em alta. Na verdade, a vivência da sexualidade é muito mais do que o ato sexual em si. O encontro, o companheirismo, a lealdade, o carinho e o alinhamento das propostas de vida importam muito mais para um bom relacionamento na maturidade.

Outro fator importante é a vontade de experimentar situações amorosas que não foram possíveis de viver na juventude antes que o tempo lhe impossibilite. O desejo por viver aventuras. Isto levou, inclusive, ao aumento do número de casos de doenças sexualmente transmissíveis na população idosa, sobretudo pela falta da cultura do uso de preservativos. Portanto, é preciso falar sobre sexo com as pessoas idosas, sim!

A viuvez de um casamento longo pode ser vista como algo muito doloroso, mas também pode ser vista como libertação, caso a união fosse ruim. Os filhos precisam aprender a separar a relação que tinham com o pai (ou mãe) falecido da relação que este tinha com a parte do casal que está viva.

Certa vez uma filha me telefonou pedindo para conversar sobre o fato de que a sua mãe idosa estava lhe perturbando muito. Marcamos um horário, ela veio ao meu consultório e me contou que a mãe estava falando muito mal do pai dela há mais de um mês e que isto a deixava infeliz, já que ele lhe havia sido um excelente pai. Eu lhe disse que, além da sua mãe estar de fato “sem filtro”, devido a uma condição de saúde, a relação dos pais talvez tenha sido infeliz e eles disfarçavam bem na frente dela. Eu a fiz lembrar de quantas vezes esteve com ódio de seu marido, mas, na frente das crianças e adolescentes, pareceu uma esposa apaixonada. Acontece. A tentativa natural de proteger os filhos pode gerar, nestes, impressões não verdadeiras sobre o relacionamento dos pais. Mas é importante para que as crianças se sintam seguras. Então os pais tendem a fazer isto instintivamente.

Este “disfarce” acontece também em relação à sexualidade. Assim como disfarçam brigas, disfarçam os desejos sexuais de um pelo outro na frente das crianças, para preservá-las em sua infância. E a gente cresce com a ideia arquetípica dos nossos pais, como se fossem heróis, sábios ou algo próximo de deuses, distantes dos pecados humanos.

“Boa sorte, Leo Grande” é um filme recente com roteiro de Katy Brand e direção sensível de Sophie Hyde, que trouxe às telas uma viúva que contrata um garoto de programa para viver tudo aquilo que a vida parecia lhe ter negado em termos sexuais. Ela só havia estado com um único homem na vida, e não tinha sido lá uma experiência memorável. O desenrolar da história é muito rico e vale assistir e repensar certos preconceitos.

Não há problema nenhum em pessoas idosas terem interesses sexuais e desejarem relacionamentos. E é comum, sim, que estes sejam com namorados ou namoradas mais jovens, afinal, às vezes, a juventude do outro pode nos atrair devido ao desejo inconsciente de fazer nosso tempo voltar. Namorar uma pessoa mais jovem pode ser, realmente, rejuvenescedor.

Quanto ao patrimônio, também é preconceito pensar que todo namorado ou namorada mais jovem está interessado em dinheiro. Que triste pensar assim! A maturidade tem sua beleza e pode ser muito atraente para jovens curiosos, sedentos de aprendizado. Inteligência e sabedoria podem seduzir mais do que um corpo sarado.

Paixão nunca é só sobre beleza física, nós nos apaixonamos pelo “conjunto da obra” da qual o ser amado é composto. O “conjunto da obra” rende até Óscares a atores e diretores, ou títulos de “Doutor Honoris Causa” a professores experientes. Realmente nos causa admiração.

Não perpetuemos pensamentos retrógrados embasados em estereótipos inúteis à evolução da sociedade. As pessoas maduras são atraentes, sim! E elas sentem desejo sexual, sim! E também têm o direito de viver este desejo sem contar com a interferência mesquinha dos filhos.

As pessoas idosas não têm demência só porque estão idosas. A maioria delas tem plenas condições mentais de decidir sobre sua própria vida. Algumas decidem casar-se novamente, até ter outros filhos. Tenho um amigo que teve um filho aos 70 anos em um novo relacionamento. Está tudo bem.

Vamos aceitar que todos temos corpos e mentes e, não importa a idade, órgãos sexuais e capacidade de amar um número infinito de vezes ao longo da vida, tantas quantas forem necessárias para estarmos felizes. E ser feliz é o direito que se sobrepõe a todos os outros direitos humanos.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado