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Envelhecer é uma arte
Envelhecer é uma arte

Amadurecer, envelhecer e cuidar: isto se chama vida!

Depois da maturidade, vem a velhice. Geriatras e gerontólogos dizem que a velhice não é mesmo a ‘melhor idade’. E qual seria? Como criar uma melhor idade na idade que nós temos agora?

Juliana Gai

02/10/2022 5h00

Atualizada 03/10/2022 10h29

Olá, leitores queridos. A minha proposta de hoje é conversar sobre o nosso tempo de vida, sobre acontecimentos que deste tempo fazem parte e precisam ser aceitos e geridos com sabedoria pelas famílias.

Quando pensamos o desenvolvimento humano a partir das oportunidades de vivenciar experiências e criar em nós meios físicos, psíquicos e sociais de enfrentamento dos desafios de viver, costumamos partir de uma divisão de ciclos de vida estáticos que, em teoria, são comuns para todos os seres humanos: infância, adolescência, maturidade e velhice. Imaginamos que em cada uma destas fases, sobretudo a partir do final da infância, nós experimentamos as frustrações e as vitórias como resultado de escolhas que faremos.

O “coaching” moderno, como ferramenta de transformação pessoal, fala muito de livre-arbítrio e auto-responsabilidade em relação a estas tais escolhas. Isto é muito válido. Realmente decisões podem transformar vidas. E é maravilhoso aprender a fazer boas escolhas.

Mas gostaria de dizer que “livre-arbítrio” pode ser um conceito questionável. Na maioria das vezes nós podemos sim usá-lo a nosso favor. Podemos, como diz o ditado, pegar os limões que a vida nos deu e fazer uma limonada bem gostosa. Mas em quantos momentos da sua vida você não teve escolha? As interferências externas, que constituem o meio onde estamos inseridos, cada um de maneira única, nos tornam seres muito particulares, e as nossas escolhas nem sempre são, em fato, só nossas. Não se perder da ideia do ser humano social é muito importante.

Amadurecer é algo do qual não temos como escapar. Parece até engraçado dizer isto. Mas é que vale lembrar que, para a maioria das pessoas, considerando a sociedade de consumo, começar a pagar as próprias contas não é lá uma maravilha. Depois da maturidade, vem a velhice. Mas os grandes geriatras e gerontólogos do mundo são unânimes em dizer que a velhice não é mesmo “a melhor idade”. Será? Depende de tantos fatores. Qual é a melhor idade? Como criar uma melhor idade na idade que nós temos agora?

Na minha opinião, eleger a melhor idade não é simples, mas é fato que a gente se desenvolve, sim, e não há como parar este trajeto. Então, tudo o que acontece no meio do caminho é relevante, até as experiências ruins. O motivo disso tudo parece ser um único: que a gente aprenda coisas.

Religiões estudam e promovem teorias sobre o motivo de nossa passagem pela terra, mas, no fim das contas, todas dão para ela um sentido transcendental complexo, que se valerá de uma busca muito pessoal de conexão com algo (ou alguém) para além de nós e da nossa existência. O debate é tão acalorado que hoje em dia há uma seara científica também, voltada para um conceito bem interessante, o “lifelong learning”, que remete a educação e aprendizagem contínuas no curso de vida.

Em meio a tantos conceitos, sofremos, como seres sociais, a tal da pressão por decisões acertadas. Mas será que há mesmo certo ou errado sempre? Talvez que o que chamamos de “certo” seja, na realidade, a nossa verdade própria, difícil de encontrar no emaranhado de influências históricas e culturais ao nosso redor, e, às vezes, bem diferente da verdade alheia. Guita Grin Debert, renomada antropóloga, chama atenção para isto já há algum tempo.

Penso que nos dias atuais tem ocorrido menos uma transição dos momentos de vida e mais um entrelaçamento de fases. Concordo com Guita que é difícil descrever a vida em ciclos fechados com uma média de data para início e fim, embora Erik Erikson tenha falado sobre isto em sua teoria psicanalítica e isto nos tenha ajudado a compreender determinadas particularidades de certas fases da vida. A sua tese, intitulada “as 8 idades do homem”, é bem interessante.

Neste exato momento enfrentamos um desafio crescente: viver mais anos com dependência e precisar de cuidados. Claro que a nossa geração está buscando o contrário, viver mais anos com menos dependência e com mais autonomia. Mas há riscos que não dependem só de nossas escolhas. E há aqueles que já envelheceram. Quem cuida destes e em que condições?

Por volta de 1853, durante a Guerra da Criméia, Florence Nightingale criava as bases da enfermagem moderna, organizando uma linha de cuidado eficiente para os soldados feridos e reduzindo significativamente as mortes por infecções. Ficou conhecida como “a dama da lâmpada” e há muitas pinturas a retratando com o uniforme de enfermeira e a sua lamparina, percorrendo os leitos do hospital de campanha. Dizem que ela nem dormia.

Cuidar é um ato de amor. E, sim, cuidar dos nossos familiares idosos é uma obrigação até mesmo definida por lei. Não se pode mesmo abandonar as pessoas idosas. É crime. Mas há muito o que se estudar sobre a influência da sociedade contemporânea na tarefa de acolher e cuidar de pessoas idosas dependentes. Como a convivência intergeracional tem afetado os lares brasileiros? E quem arca com o cuidado de pessoas idosas não tão amadas assim? Afinal, como dizia Rui Barbosa: “Não se iludam pelos cabelos brancos, os canalhas também envelhecem”. As coisas são muito românticas e belas quando só se vê a superfície. Freud explica.

Penso que vivemos uma espécie de ataque infeccioso, causador de vários tipos de doenças, e que estamos precisando que Florence Nightingale se levante dos mortos e venha nos salvar com sua organização técnica e dedicação. Mas como isto não é possível, que tal acreditarmos que a especialização dos profissionais e a capacitação da sociedade para compreender os fenômenos associados ao envelhecimento possam ser a chave para um caminho melhor?

Enquanto os profissionais estudam gerontologia, cabe a cada cidadão, inserido nas particularidades do seu próprio ecossistema, analisar como lida ou vai lidar com as demandas das quais não poderá fugir. Como criar uma rede de apoio familiar e de boa vizinhança para cuidar dos familiares idosos dependentes? Como não deixar a sobrecarga somente para um único filho cuidador? Como pessoas adoecidas e idosas cuidam de outras pessoas adoecidas e idosas? Como ensinar pessoas idosas a aceitar cuidado? Como cuidar sem estereotipar e humilhar?

Será que podemos, como seres humanos, ser mais humanos de fato? Será que empreender uma busca por mais empatia e colaboração não poderia amenizar o sofrimento, pelo menos, de quem nos cerca? Possivelmente o nosso irmão, com o qual devemos dividir a tarefa de cuidar dos nossos pais idosos.

Adoro plantar perguntas nas cabeças dos meus alunos. Afinal, o primeiro passo para encontrar boas respostas e soluções é, justamente, elaborar uma boa pergunta. Então planto aqui, nesta coluna, alguns questionamentos para vocês. Que tal tentar aprender algo com a tarefa de cuidar de seus familiares idosos?

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