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Do Alto da Torre
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Potencial para grandes encrencas

É o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou as Organizações Não-Governamentais que operam na Amazônia

Eduardo Brito

02/05/2024 23h36

Crédito: Vinícius Marques

Acaba de ser entregue ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, um documento para lá de explosivo. É o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou as Organizações Não Governamentais que operam na Amazônia.

A conclusão básica, entregue pelo presidente da CPI, senador Plínio Valério, e pelo relator, senador Márcio Bittar, é: nunca se viu juntar tanto dinheiro de origem misteriosa, manipulado por entidades que não prestam contas – as ONGs, claro – e, mais importante, que absorvem todos esses recursos.

O que chega à ponta, ou seja, aos indígenas, aos caboclos, aos que cuidam efetivamente do ambiente – é rigorosamente zero.

Durante a investigação, a CPI consultou todos os balanços disponíveis das ONGs de faturamento mais elevado. Além dessa consulta, seus dirigentes foram indagados sobre o montante de recursos recebidos. Constatou-se que o volume é extremamente elevado. E que fica todo no bolso dos intermediários.

Consultor dele próprio

Um primeiro e rumoroso caso é do Instituto Socioambiental, o ISA. Esse instituto foi fundado em 1994 e fechou o ano de 2022 com orçamento de quase R$ 70 milhões — é o que admite seu diretor, Márcio Santilli, em depoimento à CPI — provenientes de 63 financiadores, dos quais 84% são doações estrangeiras e 16% de doadores nacionais.

Nos seus 30 anos de existência, segundo Santilli, o ISA recebeu uma média de R$ 20 milhões/ano. O total presumido de sua arrecadação ao longo desses 30 anos, portanto, chegaria a R$ 600 milhões. No balanço de recursos que a CPI teve acesso, em 2020 o ISA arrecadou R$ 49 milhões; 2021, R$ 106 milhões; 2022, R$ 95 milhões.

Só nos últimos dois anos, o ISA recebeu R$ 137 milhões. Não há clareza, mas sim várias lacunas sobre o que é feito com esses recursos, sendo possível, porém, constatar que são gastos em sua maior parte para o pagamento de pessoal, consultoria e despesas internas. Vem aí o que parece até brincadeira.

O próprio Santilli, presidente do Instituto Socioambiental, reconheceu ser proprietário de uma empresa de consultoria, que presta serviços exclusivamente para a própria ONG. É evidente que não revelou o valor dos pagamentos, feitos pela ISA, que dirige à consultoria prestada a ele próprio. Não é o único caso: a CPI descobriu também salários régios recebidos a título de remuneração pelos dirigentes de outras ONGs. Esses dados são cobertos pelo sigilo institucional, mas sabe-se que são salários extremamente elevados.

Amazônia Sustentável

No mesmo capítulo está a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), uma entidade chapa-branca, gerada e crescida na burocracia estadual. Em depoimento prestado por seu principal dirigente, Virgílio Viana, informou-se que, nos seus 15 anos de atuação, a FAS arrecadou cerca de R$ 400 milhões junto a empresas e o poder público.

Da mesma forma, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) já recebeu R$ 780 milhões desde que foi criado. O orçamento de 2022 da ONG, que foi de R$ 39 milhões, mostra que mais de 50% do arrecadado serviu para pagar salários e demais remunerações dos funcionários da instituição. Se for somado o que a ONG gastou com viagens, parcerias e consultorias, foi consumido com a própria estrutura perto de R$ 30 milhões, mais de 80% do orçamento.

A aplicação dos R$ 24 milhões que a ONG recebeu do Fundo Amazônia seguiu o mesmo padrão, com apenas uma quantia irrisória chegando à população amazônica. A investigação da CPI escancarou, portanto, um padrão. Elas recebem enormes dotações, quase tudo de dinheiro estrangeiro, e gastam em atividades-meio, ou seja, com elas próprias. Os recursos vão para viagens, treinamentos, seminários e, principalmente, salários. Está tudo em seus balanços.

Exemplos que se seguem

Claro, a lista é quase infindável. No Instituto Clima e Sociedade (ICS), em 2015, foram arrecadados R$ 10 milhões; em 2016, 13; em 2017, 12; em 2018, 23; em 2019, R$ 30 milhões; em 2020, R$ 74 milhões. Em 2021, R$ 96 milhões; e, em 2022, R$ 100 milhões.

A soma chega a R$ 358 milhões. Já no Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), 57% do orçamento médio de R$ 14 milhões por ano, entre 2007 e 2022, são de origem internacional. A soma ficaria em torno de R$ 224 milhões.

E o Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê) recebeu R$ 110 milhões desde 2018, sendo 49% vindo de entidades estrangeiras. Nos números apresentados pela ONG, também consta um financiamento específico de R$ 45 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tudo isso foi comprovado pela CPI das ONGs.

Gastos só para elas mesmas

O relatório comprova, com dados das próprias ONGs, inclusive constantes de avaliações do Fundo Amazônia, que mais de 80% dos recursos recebidos acabam gastos em atividades-meio, ou seja, para custear as próprias ONGs e para quem as controla.

Sim, o dinheiro vai para o pagamento dos controladores das ONGs, para o custeio de pessoal, para viagens, inclusive para o exterior e para ilhas paradisíacas. Vai também para o pagamento de pretensas consultorias, raras vezes definidas com precisão.

Sem limites para público e privado

A CPI registrou movimento permanente de funcionários entre as ONGs e instituições públicas voltadas para questões ambientais, em especial da região amazônica. É frequente, ao ocorrer uma transição de governo, que os órgãos dessas áreas contratem funcionários e dirigentes das ONGs, assim como, quando quadros dispensados do serviço público sejam por elas admitidos ou readmitidos.

A propósito, dizem os senadores, descobriu-se também que, nesse movimento incestuoso entre as ONGs e o aparato público voltado ao meio ambiente, antigos dirigentes de ONGs passaram a ocupar cargos públicos ganhando uma fração do salário original, em um sistema obviamente suspeito, mas justificado pelas autoridades que participam do esquema – e que acham tudo isso muito natural.

Um exemplo, admitido pela própria funcionária: a CPI ouviu a secretária de Mudança de Clima do gabinete da ministra Marina Silva, que deixou cargo de direção de ONG Instituto Ambiental da Amazônia para ganhar pouco menos de um terço da remuneração original nas novas funções. Mais uma vez se trata de informação protegida por sigilo. Entretanto, pode-se registrar que, no cargo público para o qual foi designada, a referida funcionária tinha entre suas funções a liberação de recursos para as ONGs do setor.

Não se trata de caso único: transições semelhantes foram registradas em várias oportunidades durante as investigações. É uma “porta giratória” em funcionamento permanente. Inquiridos sobre esse movimento cheio de idas e vindas, assim como da suspeita de relações impróprias, senão incestuosas, entre órgãos ambientais públicos e ONGs, a mesma justificação foi apresentada por vários dos depoentes, entre eles o diretor da Fundação Amazônia Sustentável e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ao admitirem que não apenas essas transições ocorrem, como também são frequentes, ambos as consideraram naturais, pois se trataria apenas da busca de quadros experientes nos setores envolvidos.

Falta de fiscalização

A CPI mostrou também que, dentro desse mesmo esquema, é mais do que frequente que inexista um controle eficiente das despesas feitas por ONGs, ainda que utilizando recursos públicos. Isso ocorre, ainda mais frequentemente, por entidades internacionais.

No chamado Fundo Amazônia, por exemplo, existe normalmente apenas uma auto avaliação, com a ONG beneficiária dos recursos declarando que prestou este ou aquele serviço, sem maiores comprovações. Somando-se apenas as grandes ONGs ouvidas pela CPI, os senadores constataram também que, em pouco mais do que uma década, receberam desse tipo de entidade mais de R$ 3 bilhões.

Enquanto isso, as populações a que se propunham – e se propõem – atender, vivem em extrema pobreza. Isso vale para indígenas, vale para ribeirinhos, vale para os caboclos que, eles sim, são os verdadeiros guardiões da floresta.

Fica, portanto, a dúvida: por que fundações ligadas a grandes empresas internacionais doam tanto dinheiro? A resposta é clara e o melhor exemplo pode ser dado pela BR 319, única rodovia a ligar o Estado do Amazonas ao Brasil, hoje semidestruída. Ao menos uma dúzia de entidades pagas com dinheiro externo trabalham para impedir a reconstrução, como o Observatório da BR-319, o WWF, a Fundação Moore. Em uma das últimas sessões da CPI, a ministra Marina Silva desafiou: “Eu não vou permitir a reabertura da BR-319 para você ficarem passeando de carro.

Exploração do pirarucu

Diversas ONGs têm feito publicidade do que chamam de pesca manejável do pirarucu. A CPI descobriu que uma dessas ONGs pagou a 110 famílias, em um ano, R$ 158 mil, cabendo-lhes manter os peixes, administrar os espaços, abater os bichos e ainda fornecer os filés a hotéis e restaurantes, fechada a conta, dá renda de R$ 119,69 por família.

Se cada uma delas tiver quatro integrantes, cada um ganha R$ 29 ao mês. E pior da história, a pele do pirarucu é confiscada. Em uma loja do Shopping Brasília, no DF, a bolsa de pirarucu chega a custar R$ 4 mil.

Cadê os indígenas

Em uma área do Pará, perto da sede do município de Senador Porfírio, estabeleceu-se uma terra indígena, de nome Ituna-Itatá, a pretexto de proteger uma população isolada, nunca contatada.

Após uma investigação, não se encontrou qualquer vestígio de indígenas. Foi então que se descobriu que o sinal de presença deles, apresentado por “antropólogos” era uma casca de jaboti, que poderia ter sido devorado por humanos. Por conta disso, toda uma população de ribeirinhos é expulsa de lá.

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