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Ciência da Psicologia
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O uso da maconha na adolescência traz riscos ao cérebro

O consumo generalizado da maconha na adolescência está associado à incidência e persistência de sintomas psicóticos.

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

13/02/2024 17h08

A atual facilidade dos nossos jovens para ter acesso às drogas deveria ser motivo de muita preocupação por parte das autoridades, em especial as da saúde.

Assusta-me como psicólogos tratam, com tamanha naturalidade, o uso de maconha pelos adolescentes, em especial, por serem profissionais que, minimamente, deveriam entender o efeito dessa droga no cérebro.

A naturalidade e passividade de alguns profissionais da psicologia frente ao uso da maconha por adolescente só pode ser explicada pela péssima formação que tiveram. Já estive em ambientes com psicólogos que, tranquilamente, afirmavam que a maconha era apenas usada de forma recreativa e que não deveríamos ser tão rígidos com relação ao seu uso, afinal não causava nenhuma dependência, assim, eram insignificantes em risco à saúde de seus usuários.

Tal afirmação, além de comprovar a ignorância desses profissionais, piora – e muito – o imaginário popular, que, atualmente, dividem as drogas em dois tipos: pesadas e leves, sendo a Cannabis classificada como leve pelos jovens, e, às vezes pelos seus pais, que a consideram, provavelmente, como uma forma de minimizar a constrangedora situação de ter seu filho definido como usuário.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019, 13% dos escolares, entre 13 e 17 anos, já usaram droga ilícita, como maconha, cocaína, crack e ecstasy. Entre os estudantes da escola pública (13,3%), a exposição era maior que entre os da rede privada (11,4%). Regionalmente, os maiores percentuais se encontravam nas regiões sul (16,7%) e sudeste (16,2), e os menores, no nordeste (7,9%) e no norte (9,3%).

Cerca de 4,3% dos jovens entrevistados tiveram sua primeira experiência com drogas ilícitas antes dos 14 anos, um aumento de 1% em relação a 2015. A proporção é maior também entre os alunos da rede pública (4,6%) que entre os da rede privada (2,7%). “Na maioria das vezes, a iniciação é maior na escola pública por conta do acesso mais facilitado. Nos escolares mais velhos, já podemos observar o acesso a recurso para compra. Isso se manifesta muito no álcool e, possivelmente, também no cigarro eletrônico”, aponta a pesquisa.

O estudo levantou o percentual de escolares, entre 13 e 17 anos, que presenciaram amigos usando drogas ilícitas, pelo menos, uma vez nos últimos 30 dias. Essa situação foi relatada por 17,5% dos estudantes entrevistados. Para o gerente da pesquisa Marco Andreazzi, esse é um indicador de exposição à experimentação de drogas.

“Enquanto na experimentação do álcool existe, muitas vezes, a influência da família, na situação da droga ilícita e do cigarro, o consumo tem mais a ver com a situação do grupo no qual o adolescente está inserido. Por exemplo, podemos observar que o consumo do cigarro pelos pais caiu, ao passo que cresceu entre as meninas mais jovens”, observa.

Já em relação ao uso recente, 5,3% dos escolares afirmaram ter usado maconha nos 30 dias que antecederam a pesquisa. O consumo recente variou de 3,4% para estudantes, de 13 a 15 anos, e de 8,8% para os escolares, de 16 a 17 anos. Esse indicador apresentou diferença na distribuição por sexo, sendo maior entre os meninos (5,8%) que entre as meninas (4,8%).

É importante destacar que os dados se referem à realidade dos escolares em 2019, antes, portanto, da pandemia de Covid-19, cujas medidas de enfrentamento incluíram isolamento social e distanciamento físico do ambiente escolar, o que pode ter aumentado e muito os número apresentados.

Como neuropsicólogo, apresento aos meus alunos diversos estudos atuais que evidenciam, por exemplo, o consumo generalizado da maconha na adolescência ao risco de incidência e persistência de sintomas psicóticos em seus usuários.

Um dos mais robustos estudos, realizados na Alemanha, cujo título traduzido é: “Uso contínuo de cannabis e risco de incidência e persistência de sintomas psicóticos: estudo de corte de acompanhamento de 10 anos” apresentou os seguintes resultados e conclusão:

  • Resultados: em indivíduos que não apresentaram sintomas psicóticos e nenhum uso relatado de cannabis ao longo da vida no início do estudo, o uso incidente de cannabis durante o período desde o início até T2 aumentou o risco de sintomas psicóticos incidentes posteriores durante o período de T2 a T3 (odds ratio ajustado 1,9, intervalo de confiança de 95% 1,1 a 3,1; P = 0,021). Além disso, o uso continuado de cannabis aumentou o risco de sintomas psicóticos persistentes durante o período de T2 a T3 (2,2, 1,2 a 4,2; P = 0,016). A taxa de incidência de sintomas psicóticos durante o período desde o início até T2 foi de 31% (152) em indivíduos expostos versus 20% (284) em indivíduos não expostos; no período de T2 a T3, essas taxas foram de 14% (108) e 8% (49), respectivamente.
  • Conclusão: o uso de cannabis é um fator de risco para o desenvolvimento de sintomas psicóticos incidentes. O uso continuado de cannabis pode aumentar o risco de transtorno psicótico ao impactar na persistência dos sintomas.

Entendo que a coluna é um espaço pequeno para abordar um assunto tão complexo. Porém, de forma geral, diversos estudos neuropsicológicos demonstram consequências neurocognitivas agudas e crônicas resultantes da exposição aos canabinoides exógenos durante a adolescência.

Assim, é de suma importância tratarmos com mais seriedade esse tema, mesmo ciente de que os efeitos descritos variam de pessoa a pessoa, dependendo ainda da idade e do tempo de consumo. Entretanto, é fato que o uso antes dos 16 e/ou 17 anos compromete as capacidades atencionais e piora os indicativos de QI verbal dos usuários.

Assim, acredito que vale a pena resgatar em nossa comunidade, escolas e faculdades, a antiga campanha DIGA NÃO ÀS DROGAS.

Afinal, estamos falando de uma epidemia que, a cada dia, afeta mais e mais a saúde mental de nossos jovens.

Até a próxima!

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