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Ciência da Psicologia
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O perigo das drogas digitais

Chamo o TikTok carinhosamente de máquina do tempo, pois começamos a assistir vídeos casualmente, e quando nos damos conta, passaram-se mais de duas horas

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

31/01/2023 5h00

Atualizada 30/01/2023 15h53

Vivemos um momento social complexo onde a ideia de felicidade ultrapassa a de existência, ou seja, somos levados a otimização do tempo na busca pela felicidade, não interessa a estratégia que vai ser usada. Como eu já havia dito no texto ‘A triste alegria por trás das redes’, ser feliz tornou-se uma das máximas das sociedades modernas e hoje é visto como uma obrigação.

Neste sentido, até a religião se tornou um caminho mais curto para a felicidade. Mas não pela fé, e sim pelo altruísmo. Temos milhares de pessoas infelizes sendo altruístas, como se o fato de ajudar ao próximo lhes garantisse a felicidade. Há ainda uma ideia distorcida de que se deve buscar seu Deus interior com frequentes chamados à compaixão e à generosidade e com a busca pela essência interior.

Todo este processo aliado ao moderno conceito de infância, onde não se pode de forma alguma “traumatizar”, ou mesmo, “estressar” nossos filhos com responsabilidades e afins, tem criado um verdadeiro exército de infelizes digitais que buscam diariamente sua dose de felicidade acessando suas redes sociais, em especial aquelas que lhes liberam do tempo e do pensar. Redes como, por exemplo, o TikTok, que carinhosamente chamo de máquina do tempo, pois começamos a assistir vídeos casualmente, e quando nos damos conta, passaram-se mais de duas horas. O app tem tomado a vida das pessoas como as drogas psicoativas o fazem (guardadas as devidas proporções, é claro).

Lembro que, a grosso modo, podemos definir adicção como o consumo continuo e compulsivo de uma substância e/ou comportamento, apesar do mal que fazem para a própria pessoa ou demais ao ser redor. É todo e qualquer vício que normalmente está associado ao consumo abusivo de, por exemplo, álcool e outras drogas. No entanto, o conceito também pode estar relacionado a qualquer compulsão ou dependência psicológica. Ou seja, é um distúrbio neuropsicológico caracterizado por um desejo persistente e intenso de usar uma “droga”, apesar de danos substanciais e outras consequências negativas. O uso repetitivo de “drogas” geralmente altera a função cerebral de forma a perpetuar o desejo e enfraquece o autocontrole.

O que o TikTok tem a ver com as drogas e o vício?

De acordo com Matthew Brennan, autor de Attention Factory (Fábrica de Atenção), o algoritmo de recomendação do aplicativo, além de ser um dos mais bem elaborados do mundo, segue conceitos psicológicos de ponta. Este algoritmo usa aprendizado de máquina (machine learning) para saber qual conteúdo cada indivíduo prefere com base em seu comportamento.

A psicóloga Dra. Anna Lembke cita: “O que o torna tão viciante é que ele aprende o que você gosta e o que não gosta. E faz isso rapidamente porque em um minuto você pode assistir a cinco ou seis vídeos.” Ainda de acordo com Dra. Anna, “Nesse tempo, você tem que descartar o vídeo ou assisti-lo. E essa ação revela se você gosta ou não. Assim, o aplicativo pode obter muitas informações em um tempo muito curto”. Isto é, fornecendo ao seu usuário toda dopamina que ele precisa para se viciar.

Mas o vício vem de todos os lados, desde o aplicativo oferecer o que você gosta o tempo todo até a personalização, ou seja, o que o aplicativo oferece a você é diferente do que oferece as pessoas ao seu redor. Assim, além da dopamina com o prazer de se ter o que se gosta, ainda tem o prazer da exclusividade, dando ao usuário (você) a ideia de ser único, exclusivo, notório. Ativando poderosamente o sistema de recompensas em nosso cérebro o TikTok vem ganhando cada vez mais o status de “droga digital”, afinal é graças às descargas de dopamina geradas ao assistir a cada um de seus vídeos, que ficamos tentados a nos manter no aplicativo, em um circulo viciante, onde um reforço contínuo é gerado a cada toque na tela.

Isso não apenas proporciona prazer imediato. O uso do aplicativo fica registrado como uma atividade desejável que tendemos a repetir. Desta forma, outras atividades menos compensadoras, como, por exemplo, ler ou estudar, ficam automaticamente em segundo, terceiro e quarto planos.

Os estudos ainda estão ganhando corpo na comunidade científica, e como todo processo inovador, ainda divide opiniões. Entretanto, não se pode negar o efeito negativo ocorrido na atencionalidade, uma vez que, com vídeos curtos, os jovens têm cada vez menos paciência para longas explicações, como, por exemplo, nossas extensas aulas de 50 minutos ou mais.

Outra área que merece destaque e tem sido prejudicada com o advento de redes sociais, como TikTok, é sistema de recompensas em nosso cérebro. Ou seja, uma vez que os usuários do aplicativo ficam cada vez mais impacientes e com baixa resiliência, dificultando assim o adiamento da gratificação, acostumando este mesmo usuário a dar valor e atenção a tudo que é rápido, imediato, criando assim, uma aversão natural a tudo que exige tempo e esforço, como abordado.

Neste sentido, vale lembrar que na vida real, paciência, perseverança e capacidade de adiar recompensas são altamente necessárias. Afinal, todo nosso maquinário neurológico responsável pelo processamento de prazer e sofrimento, permaneceu quase que intacto ao longo de nossa evolução e através das espécies. Nosso cérebro, por meio deste mecanismo é perfeitamente adaptado a um mundo de escassez. Destaco ainda que os jovens estão numa fase particularmente vulnerável. O córtex préfrontal (responsável pelo controle de impulsos, memória e atenção) não termina de se desenvolver até aproximadamente 25 anos de idade. E a exposição a esse tipo de estimulação (em que se oferece conteúdo e gratificação instantânea) pode influenciar negativamente no desenvolvimento dessas habilidades cognitivas, pois ao elevar seu ponto de ajuste neural com repetidos prazeres, o jovem vai acabar se tornando um eterno consumidor de tais vídeos e plataformas digitais, nuca satisfeito com o que tem, sempre buscando mais.

E considerando que um dos fatores de risco para dependência é o fácil acesso, em breve, e aqui me refiro a um intervalo de seis meses a um ano, poderemos, em curto espaço de tempo vir a ter uma nação cuja grande questão é: Who is Jonh Galt? (quem é John Galt?).

Afinal, de acordo com a escritora escritora Ayn Rand “o único objetivo do homem é o seu próprio interesse. Ninguém deve se sacrificar pelos outros, nem pedir que se sacrifiquem por você. Apesar de escrito em 1957, o livro A Revolta de Atlas, cuja
citação foi destacada, faz-se extremamente atual, já que tomado pelas tecnologias que distraem e destroem, o jovem atual tem necessitado mais de recompensas para sentir prazer, e sentindo a dor, com mais facilidade, ou seja, a cada dia, fica mais egoísta aos
próprios prazeres. Apesar de tentar desmistificar um pouco o processo de adicção, é sempre bom lembrar que o ambiente e o comportamento são peças importantes neste processo, pois o ambiente vai gerar determinado comportamento que por sua vez é o gatilho necessário para liberação da dopamina no organismo.

Outro ponto importante a ser destacado, é que este processo, apesar de parecer simples, é mais complexo do que se imagina. Assim, atribuir apenas a dopamina a ideia do prazer não seria justo nem apropriado. Por exemplo, a própria dopamina tem 5 receptores diferentes em nosso cérebro, sendo dois deles inclusive chamados de D1 e D2, responsáveis pelos controles de recompensa e punição, onde o D1 é ativado quando “gostamos de algo” em algo e o D2 quando “não gostamos” de algo. Mas é fato que o imediatismo proporcionado pelas tecnologias tem afetado nosso dia a dia, e apesar dos jovens serem os mais afetados (talvez pela proximidade com a tecnologia) os adultos não estão fora deste processo degradante. A cada dia, aportam neste mundo digital, mais e mais pessoas insatisfeitas com a sua própria vida, buscando no algoritmo das redes sociais a felicidade perdida.

Um ultimo ponto que não posso deixar de comentar: por favor, não acreditem nos falsos gurus comportamentais, que vociferam aos quatro cantos do mundo da necessidade de se fazer um “jejum dopaminérgico”, isso não existe. O que todos precisamos é de autocontrole, de sabermos nossos limites, de disciplina e responsabilidade.

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