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Ciência da Psicologia
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O celular e as crianças

O uso dos celulares e demais dispositivos tecnológicos tem gerado menos interação verbal e não verbal entre os pais e seus filhos

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

30/01/2024 10h59

Foto: Tima Miroshnichenko/Pexels

Tenho ouvido muito falar a respeito das telas e a relação com o desenvolvimento das crianças. Entretanto, não custa lembrar que, há cerca de duas décadas, estávamos hipnotizados pelo poder das quatro telas: televisão, computador, smartphone e tablet. Neste período, as telas seriam a salvação da educação — e, consequentemente, da humanidade.

Lembro-me claramente do frenesi e dos inúmeros projetos envolvendo as mais diversas camadas da sociedade, incluindo os mundos mundo corporativo e governamental, na ânsia de querer melhorar os padrões educacionais com a inclusão das telas na vida dos estudantes e professores. É inegável que o desenvolvimento tecnológico mudou a vida das pessoas independente da renda familiar, porém, atualmente discute-se o custo-benefício desta exposição a qual diariamente somos submetidos.

De todas as telas, penso que a mais democrática atualmente é a dos smartphones. Para se ter uma ideia, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua sobre Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad/TIC), divulgada no fim de 2023 pelo IBGE, o percentual de crianças entre 10 a 13 anos que têm celular alcançou 54,8%, 3,4 pontos  percentuais a mais em relação ao ano anterior.

Não vou aqui negar que a pandemia de covid-19 agravou o quadro, porém os efeitos danosos estão aparecendo, e aparentemente pouco temos feito a este respeito. Muito pelo contrário: é comum vermos atualmente jovens estudando em seus celulares em plena sala de aula.

Reforço que a tecnologia muito nos ajuda. O que se discute atualmente, no entanto, é o efeito deste uso excessivo em nosso cérebro. Já sabemos que, semelhante à herança genética, as experiências que vivenciamos desde os primeiros momentos de vida têm impacto enorme na arquitetura e funcionamento cerebral e se estendem por toda a vida.

Neste sentido, é sempre bom lembrar que o período entre a primeira infância e a idade escolar (no Brasil algo entre 0 a 8 anos de idade) é quando os hábitos de vida são estabelecidos. Assim, manter relacionamentos seguros e hábitos saudáveis é fundamental no desenvolvimento. Nesta faixa etária, os pais desempenham papel crucial na determinação dos hábitos das crianças, e o que estamos vendo é a utilização de celulares e afins como uma espécie de babá — muitos pais delegam ao celular a tarefa de entretenimento de seus filhos, potencializando assim o risco do chamado “vicio de Teka”.

No inicio da vida, a tendência dos pais é procurar ensinar seus filhos algumas regras, e com o passar dos anos, estas mesmas regras vão se tornando mais flexíveis, já que a tendência é que as crianças comecem a fazer suas próprias escolhas. Os fatores ambientais do novo mundo da escolarização também passam a assumir um potencial de influência maior no comportamento da criança.

Outro fator problemático é relacionado ao uso das telas pelos pais, ou seja, como os comportamentos associados ao uso de aparelhos eletrônicos afetam de forma negativa seus filhos. Como se não bastasse os desafios naturais da criação de um ser, agora os responsáveis precisam ter consciência de que não basta apenas monitorar o uso destas novas tecnologias, mas também seu próprio uso, buscando se tornar um exemplo positivo para os filhos.

O uso dos celulares e demais dispositivos tecnológicos tem gerado menos interação verbal e não verbal entre os pais e seus filhos. Este desequilíbrio causado pelo uso excessivo destes aparelhos por parte dos pais apresenta severas implicações na formação da criança, que, a cada dia, dispõe de menos contato com seus superiores.

Para comprovar, observemos as famílias com crianças na faixa etária entre 2 a 6 anos em um restaurante. Poucos, muito poucos, estarão conversando. A maioria vai estar teclando freneticamente com quem não está presente ao invés de aproveitar o momento. Os adultos estarão entretidos com seus celulares a ponto de desconsiderar o comportamento das crianças, isso quando não reagem às perguntas e/ou tentativas de interação com broncas ou respostas robotizadas.

Analisando estes comportamentos, me pergunto: quais serão os efeitos a longo prazo nestas crianças, que frequentemente são expostas ao que podemos chamar de “ausência de presença”, já que existe um pai presente, mas ausente em seus pensamentos e ações frente ao filho?!

A Academia Americana de Pediatria diferenciou a exposição de tela em exposição de primeiro plano e exposição de segundo plano ou tela de fundo. A de primeiro plano se refere à exposição da criança a programas voltados diretamente a elas, ou seja, elas prestam atenção, compreendem e interagem. Já na exposição de segundo plano (ou tela de fundo) a criança é exposta a conteúdo que não é direcionado a ela e, assim, ela não consegue entender e acaba imersa em conteúdos totalmente disfuncionais, gerando impacto no comportamento e desenvolvimento.

Por experiência como professor e neuropsicólogo, além do apresentado na literatura, posso afirmar que o atual uso das telas está associado à maior probabilidade de comprometimento da atenção e dificuldade de autorregulação, além de comportamentos antissociais, agressivos, de risco, de isolamento e autodestrutivo. Ressalta-se ainda a depressão, ansiedade e dificuldade de relacionamento.

Muito temos lido a respeito da recompensa em forma de luz, cores e sons das telas que se manifesta em nível neural com a secreção de dopamina, fazendo com que o uso da tela se torne gratificante e potencialmente viciante, afinal, as mesmas redes neurais de prazer são ativadas quando temos acesso a uma mensagem positiva (quando ganhamos em um jogo, por exemplo), favorecendo, assim, o comportamento impulsivo e uso compulsivo das telas pelas crianças, adolescentes, adultos e até os mais velhos — de acordo com o IBGE, o aumento do percentual de pessoas que utilizaram a internet, de 2019 a 2022, foi maior entre adultos de 50 a 59 anos e de 60 anos ou mais (crescimento de 11,9 e 17,3 pontos percentuais, respectivamente).

Não estou aqui negando a tecnologia ou mesmo o uso das mais diversas telas, mas alertando para que pais e cuidadores considerem todos os efeitos aqui apontados antes de simplesmente disponibilizar uma tela a uma criança ao invés de interagir com ela.

Afinal, como disse Tio Ben na HQ do Homem-Aranha (1962): “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.

Até a próxima!

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