Menu
Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

Crenças e superstições de fim de ano

De onde vêm nossas crendices? Você sabia que existe uma explicação biológica para isso?

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

02/01/2024 5h00

Atualizada 30/12/2023 10h17

Foto: Agência Brasil

Se você está lendo esta coluna hoje, dia 02/01/2024, provavelmente não foi um dos ganhadores da Mega da Virada, ou, gostaria de crer que adora minha coluna. Hoje vamos falar um pouco sobre a passagem de ano, mais especificamente a respeito de nossas crenças ligadas às superstições que muitos de nós cultivamos não só nessa época, mas por toda uma vida. Não se deixa um chinelo virado, pois algo de ruim pode acontecer, e por mais que você não acredite em tais crendices, não custa desvirar o chinelo, não é mesmo? Vai que…

De onde vêm nossas crendices? Você sabia que existe uma explicação biológica para isso?

De acordo com cientistas como Michael Shermer, cujo livro ‘Cérebro e Crenças’ desvenda o caminho que nosso cérebro percorre para construir crenças e torná-las em realidade, nosso cérebro segue um padrão evolutivo para termos estes comportamentos. Na obra, um dos exemplos dados por Shermer é de um hominídeo andando pelas savanas africanas há cerca de três milhões de anos, quando, de repente, ouve um barulho na mata. Será apenas o vento ou um predador perigoso? A resposta a esta pergunta pode significar a vida ou a morte deste primata.

Se nosso ancestral hominídeo presumir que o barulho é de um predador perigoso, mas for apenas o vento, ele cometeria o erro cognitivo chamado de falso positivo, ou seja, acreditou que algo era real, quando, na verdade, não era. Já se ele pensar que os ruídos são do vento, mas são, na verdade, de um predador perigoso, o erro cognitivo seria um falso negativo e lhe custaria a vida.

Diante da situação acima, nosso ancestral parece ter tido um erro falso positivo, afinal, estamos aqui, não estamos?!

Darwin já afirmava que um comportamento se mantém na espécie para seu próprio bem, ganho ou preservação. Neste sentido, acabamos por desenvolver uma série de superstições ou crenças com base nos erros falsos positivos, como no exemplo do chinelo. O simples fato de, mesmo sendo cético, desvirar o calçado, nos faz crer que o indivíduo contribuiu para mais um dia de sua existência, eliminando um perigo eminente advindo de uma sandália virada.

Em outras palavras, nós seres humanos tendemos a buscar padrões significativos existentes ou não existentes. E como abordado, há uma boa razão para fazermos isso. Assim, a padronicidade, como gosto de colocar, como o pensamento mágico ou a superstição não são bem erros cognitivos, e sim apenas um processo natural, ou meio pelo qual o cérebro está aprendendo.

Entretanto, é preciso tomar muito cuidado com o efeito da padronicidade no dia a dia de pessoas e empresas, já que, até hoje, diversos aproveitadores criam correlação e causa, fazendo com que as empresas por meio de seu RH gastem verdadeiras fortunas em métodos como DISC e Constelação, ou ainda com “coachs quânticos”, que dizem coisas como: “Se todos pularem sete ondas, a empresa será bem sucedida.”

Sem contar o real perigo para as pessoas enfermas com ou sem nenhuma esperança, que acabam caindo no conto do vigário e adquirindo os mais diversos placebos, no anseio de uma cura milagrosa. Assim nascem os falsos santos, como o recente e emblemático caso do médium João de Deus.

Mas, como ainda presenciamos casos como o do médium João de Deus em pleno século XXI? Simples: a superstição e a crença na magia têm milhões de anos, enquanto a ciência, com seus métodos de controle de variáveis intervenientes em falsos positivos, têm apenas alguns séculos — e no Brasil, tenho a impressão de que apenas alguns meses.

Apesar de citar no início deste texto a questão do hominídeo, a crença (ou, como preferem dizer alguns estudiosos, os pensamentos automáticos) não são exclusividade de nossa espécie. Skinner, já em meados da década de 1960, estudava o pensamento automático ou mágico em pombos, onde as aves teriam desenvolvido pensamentos supersticiosos no aprendizado para “comer”.

Comportamento semelhante ao dos pombos pode ser visto em Las Vegas, durante a temporada de beisebol ou nas mais diversas comemorações de passagem de ano, onde o comportamento supersticioso é produzido em resposta a programações independentes de reforço, no qual apenas uma relação acidental existe entre as reações e a distribuição de esforços, o que, infelizmente, faz com que nossa capacidade de aprender seja por vezes neutralizada pela nossa maior capacidade de desenvolver pensamentos automáticos.

A insegurança torna as pessoas mais ansiosas, e a ansiedade está diretamente ligada aos pensamentos automáticos, já que os sentimentos de controle são essenciais para o nosso bem-estar. Pensamos com mais clareza e tomamos melhores decisões quando sentimos que estamos no controle da situação. Assim, espero que tenha passado a virada do ano de branco, para ter paz; de amarelo, para ter dinheiro; vermelho, para ter amor; e azul, para ter saúde. Caso contrário, seja embaixador de si mesmo para ter paz; trabalhe com afinco para ter dinheiro; cuide da pessoa amada para ter amor; e zele pela própria saúde.

No mais, Feliz 2024!

Por fim, a coluna desta semana é uma homenagem ao meu amigo e irmão Evandro Marcelo Lamb, que completaria hoje 56 anos se os anjos não o tivessem levado prematuramente — pelo menos assim eu quero crer, como uma forma de minimizar a dor de sua ausência. Feliz Aniversário, Alemão.

 

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado