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Ciência da Psicologia
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A pandemia depois da pandemia: verdades ou narrativas?

Muito se fala em como a pandemia e a tecnologia atrapalharam comércios em todo o país. Porém, durante visita ao Sul, vi exatamente o contrário

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

01/08/2023 13h35

Foto: Demerval Bruzzi

Minha viagem ao Sul do país está rendendo conteúdo para a coluna. Desta vez, falarei um pouco a respeito de um tema que infelizmente começa a ser esquecido por nossa sociedade: a pandemia de covid-19. Mas continuarei a abordar o perigo da narrativa.

Agora você pode estar pensando: “O que a pandemia tem a ver com sua viagem e com a narrativa, Dr.?”

Muitas pessoas me perguntaram, nos grupos que participo, a respeito da última coluna e o que eu realmente queria tratar com o tema proposto. A resposta é simples, a dificuldade do nosso cérebro em diferenciar um fato de uma fake news.

Além da confiança em quem emite a informação, ainda temos a velocidade da tecnologia como fator preponderante. Agora, mais do que nunca, é preciso ter clareza para ser capaz de filtrar dados reais dos falsos e saber escolher aqueles que são realmente confiáveis. E como fazer isso em uma população com cada vez menos estudo?

Esta pergunta não me saía da cabeça a cada vinícola e cervejaria que eu visitava no Rio Grande do Sul, em especial por perceber que toda a região depende diretamente do turismo. Ao mesmo tempo em que degustava um bom vinho, conversava com as pessoas a respeito do impacto da pandemia nas redondezas. E como era de se esperar, as respostas eram desoladoras.

Assim, pensava eu: até que ponto a narrativa criada de forma irresponsável e por claros interesses políticos, independentemente da gravidade da situação, não prejudicou ainda mais milhares de pessoas por todo país?

E qual o motivo de ressuscitar isso agora? Explico:

Por todo Vale dos Vinhedos, percebi um aumento significativo da tecnologia, com automação de diversas atividades. Eram fabricas inteiras de cerveja e vinho com altíssimas produções e apenas três ou quatro pessoas atuando. Uma hamburgueria em Bento Gonçalves-RS tinha apenas três (pai, mãe e filho), e todo atendimento era feito por um tablet acoplado às mesas, onde o cliente, ao entrar, ganhava um cartão com QR Code e, a partir daí, todo processo era realizado na base do autoatendimento. Quantos empregos foram descartados? Logo depois de uma pandemia…

E aqui entra o perigo da narrativa – veja, amigo leitor, que, como eu, você pode ter sido influenciado a pensar que tamanha tecnologia a favor do capitalismo sugou os empregos e alma das pessoas envolvidas no processo. Na verdade, muito do que vi e ouvi foi exatamente o contrário.

Muitos dos desempregados abriram seus próprios negócios, na maioria das vezes, familiares e com bom desempenho. Especificamente na região, o turismo é aliado, uma vez que os agora empreendedores passaram a utilizar da tecnologia para exportar seus produtos para outras cidades e estados do Brasil.

Todo este empreendedorismo aliado à apropriação da tecnologia gerou uma nova forma de trabalhar e se sustentar, me lembrando muito o começo de tudo: a chegada dos italianos e alemães no Sul do país no século XIX. Guardadas as devidas proporções, foi exatamente isso que ocorreu. As pessoas foram levadas a “desbravar” este novo ambiente, criando as condições necessárias para sua sobrevivência e, consequentemente, desenvolvimento e crescimento.

Pequenos comércios do passado são hoje grandes empreendimentos, como, por exemplo, Valduga, Aurora, Salton, Tramontina, entre outras. Da mesma forma que vejo atualmente alguns empreendimentos, hoje pequenos, como os do século XIX, se tornando grandes potências, caso da jovem vinícola Raritá (composta por mãe, pai e filhas) ou a adolescente Larentis, com número um pouco maior de funcionários.

Imunes a narrativas, tais empreendimentos já trazem em seu DNA dois pontos fundamentais ao sucesso e a imunidade:

  • 1 – antes que sejam acusadas de gerar desemprego com o uso da automação em suas produções, podem se orgulhar de recolocar os profissionais que antes atuavam na produção em cargos de atendimento ao público, como guias nas propriedades, ou mesmo encarregados da degustação, afinal, quem mais entende da própria casa do que alguém nascido e criado nela?
  • 2 – desenvolveram resiliência, ou melhor, reacenderam a resiliência de seus nonnos e bisnonnos.

E como a psicologia sabe, de acordo com o livro “A construção do conceito de resiliência em psicologia: discutindo as origens”, resiliência é uma palavra com origem latina no vocábulo resilire, formada pelo prefixo re (novo) e o verbo solire (pular, saltar), compondo o significado de ricochetar, pular de volta, que, emprestada da física, acabou na psicologia servindo como o significado de um crescimento saudável, mesmo em situações desfavoráveis — ou, a grosso modo, a capacidade do ser humano em se moldar as mais diversas situações de forma saudável ao seu próprio crescimento, independente das adversidades.

E não pensem que isso é especificidade do sul, pois, em Brasília, também temos exemplo de como a pandemia e a automação trouxeram benefícios ao invés de gerar falsas narrativas: ontem fui almoçar no Lago Sul em um restaurante self-service e me deparei com um robô no controle do peso. Isso mesmo: um robô cuidando do negócio do restaurante Purquapá (já que fiz jabá gratuito para as vinícolas do Sul,
porque não ajudar nosso próprio comércio dando o nome, não é mesmo?!)

Foto: Demerval Bruzzi

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